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Nas últimas décadas, apesar de enormes avanços na biologia molecular, os pesquisadores buscam explicação para complexidade da vida, mantendo a simplicidade do dogma da biologia.

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No entanto, nos últimos anos, muitos pesquisadores têm demonstrado que a vida não pode ser vista como uma via de sentido único, sendo mais bem explicada como uma rede de interações, um sistema com muitos pontos de partida (Franco, 2011). Esta ideia expansiva também pode ser extrapolada para estrutura de proteínas. A visão convencional de que as proteínas e peptídeos possuem uma estrutura única diretamente relacionada a uma função única confronta com a capacidade destas proteínas em adaptarem e desempenharem novas funções.

A denominação de multifuncionalidade pode ser dada para determinado objeto que realiza sozinho várias funções. No caso de proteínas e peptídeos multifuncionais essa denominação vem sendo bastante empregada nos últimos anos para proteínas e peptídeos que sozinhos desempenham múltiplas funções, tais como interações com membranas de bactérias causando disrupção e no recrutamento de macrófagos, neutrófilos uma ação definida como imunomodulação (Franco, 2011). Essas múltiplas funções estão sempre associadas com uma única estrutura tridimensional, com homólogos semelhantes, e tem vindo a ganhar a atenção em vários campos de investigação, incluindo a imunologia e enzimologia (Nobeli, Favia e Thornton, 2009). A quadro 3 mostra alguns exemplos e funções de peptídeos multifuncionais isolados de diversas fontes biológicas.

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52 Quadro 3. Peptídeos antimicrobianos com outras atividades.

Nome Organismo Função Referência

Mastoparam-X Vespula lewisii AB; CM; IM (Hirai et al., 1979)

Magainina-2 Xenopus laevis AB, AV, AF, AP, AC, IM (Ramos et al., 2012)

Foulicidina Gallus domesticus AB, AF, AV, IM (Xiao et al., 2006)

LL-37 Homo sapiens AB, AV, AF, CM, IM (Into et al., 2010)

Cn-AMP1 Cocos nucifera AB, AF, AF, IM (Silva et al., 2012)

Kalata-b2 Oldenlandia affinis AB, UT, IM (Mylne et al., 2010)

Cr-ACP1 Cycas revoluta AB, AF, IM (Mandal et al., 2012)

Antibacteriana: AB; antiviral: AV; antifúngica: AF; anticâncer: AC; antiparasitária: AP; Células de mamíferos: CM; Imunomodulatória: IM e uterotônica: UT.

Além de todas estas atividades diretas bem caracterizadas para PAMs isolados de peixes sobre agentes patogênicos, estes peptídeos possuem a capacidade de penetrar para o meio interno, ou ligar-se à receptores na membrana da célula hospedeira como visto anteriormente com alguns exemplos de PAMs isolados de diferentes fontes. A síndrome de Crohn e Kostmann, uma deficiência causada pela ausência de defensinas, apresenta avanços no tratamento com PAMs isolados de peixes (Kindrachuk e Napper, 2010). Outro estudo interessante foi desenvolvido com o peptídeo isolado da truta arco-íris, a qual foi usada como modelo contra SHV, um vírus que acomete a aquicultura de peixes comerciais. Os resultados obtidos possibilitaram identificar uma ação similar à defensina humana alfa-1. HNP1, o peptídeo isolado da truta arco-íris revelou eficiência no combate a este vírus modulando as vias pró-inflamatórias pelas citocinas, interleucinas (IL)-1, IL-8, o fator de necrose tumoral (TNF)-α1; e quimiocinas, CK5B, CK6 e CK7A; e as expressões gênicas de interferon-1 e interferon-3 (Falco et al., 2009).

Outro exemplo é observado nas defensinas de peixes as quais podem servir como alternativas potenciais em indivíduos com doenças genéticas, como no caso da expressão de defensina. Os efeitos dos PAMs de truta foram investigados sobre o efeito modulatório da

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resposta imune. O resultado permitiu demonstrar que a modulação da resposta imune foi ocasionada devido à expressão de genes de citocinas causado pelo efeito do PAM, resultado do recrutamento de macrófagos, e a modulação da ciclo-oxigenase (COX)-2 (Chiou et al., 2006). O peptídeo HT 2-3 transgênico da espécie Danio rerio mostrou efeito sobre a expressão diferencial de genes imunomoduladores relacionados a infecções causadas pela espécie V. vulnificus (Hsieh, Pan e Chen, 2010). Em particular o peptídeo foi relacionado com o “up-regulated” de IL-10, IL- 26, receptor de lisozima “toll-like” (TLR)-4a, e MyD88 e com o “down-regulated” de IL-1β e IL- 15 após a infecção bacteriana (Hsieh, Pan e Chen, 2010). A modulação da resposta à patógenos por meio de genes e expressão de proteínas podem reduzir a gravidade ou permitir a completa proteção contra infecções por patógenos. Além disso, o tratamento com PAMs contra agentes patogênicos induz a imunidade adaptativa e reduz a gravidade de re-infecção pelo patógeno. Outra via também explorada sobre imunomodulação consiste na alteração da transcrição mediada pela injeção de hepcidina em rato (De Domenico et al., 2010). O pré-tratamento com hepcidina permitiu a sobrevivência de ratos contra infecção causada pela injeção de LPS, em modelos de sepse em camundongos realizado pela ligadura e perfuração cecal. Portanto, a hepcidina demonstrou promissoras possibilidades no uso deste peptídeo como agente profilático para prevenir infecção bacteriana através da modulação do sistema imune (De Domenico et al., 2010). As expressões dos genes de AMP H2A e parasina-1 foram relatadas sendo reguladas por proteínas imuno-relacionadas (Cho et al., 2002). O perfil modulatório de transcrição e tradução do peptídeo HT 2-3 utilizando a técnica de “microarray” foi avaliada por meio de células de macrófagos de ratos estimuladas por LPS, neste trabalho ficou demonstrado a “down-regulated” de várias citocinas pró-inflamatória (Rajanbabu et al., 2010). O peptídeo sintético de tilápia HT

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2-3-1 e epinecidina mostraram atividade antitumoral in vitro, após a aplicação contra células de fibrossarcoma humana (Chen, Lin e Lin, 2009; Chen et al., 2009; Lin et al., 2009). HT 2-3-1 e epinecidina tem ação na lise, inibição da proliferação e na redução da migração de células tumorais (Chen, Lin e Lin, 2009; Lin et al., 2009). Em certas concentrações de HT 2-3-1 não foi possível identificar efeitos citotóxicos para linhagens de células normais, mas foi possível inibir a proliferação e migração de células anormais (Chen, Lin e Lin, 2009). Esta pode ser uma abordagem promissora na pesquisa contra o câncer e vem sendo outra área de grande interesse para os pesquisadores. Além desta habilidade observada, uma função antitumoral contra células leucêmicas humanas U937 e uma função antinecrose para epinecidina-1 foram relatadas em testes in vitro (Chen et al., 2009). Foi possível identificar que a epinecidina-1 modula a caspase- 3, caspase-8 e caspase-9, e induz a apoptose em células tumorais (Chen et al., 2009). No entanto, estudos adicionais associados com o desenvolvimento clínico são necessários para demonstrar a real potencialidade dos PAMs encontrados em peixes no controle de tumores.

1.9 PLEURONECTES AMERICANUS

Pleuronectes americanus consiste em um peixe de inverno conhecido popularmente como solha (vem do latim e significa sola), este animal apresenta uma característica peculiar, olhos voltados para o mesmo lado e que compreende quase todas as formas inteiramente ossificadas (subclasse Teleósteos) (Figura 10A). Esta espécie tem sido classificada como representante da família Pleuronectidae é comumente encontrado em águas rasas e estuários, são localizados nas

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regiões de águas geladas do Canadá e da América do Norte (Figura 10B). São peixes que apresentam além de seu valor esportivo para pescadores, também a presença de PAMs isolados de sua pele e intestino. Entretanto, o que também chama a atenção nesta espécie são moléculas denominadas de peptídeos anticongelantes (AFP) que conferem a este animal a capacidade de sobreviver em águas onde a temperatura fica abaixo de zero, tornando a espécie P. americanus - um grande alvo no isolamento destas moléculas para estudos de criopreservação e/ou crioproteção.

Figura 10. Figura ilustrativa do (A) Pleuronectes americanis, espécie de peixe ósseo com os dois olhos situados do mesmo lado. Fonte: http://narragansett-bay.com/index.cfm. (B) Mapa Mundi, ressaltando em pontos amarelos a localização do P. americanus.

Nas regiões polares, a água do mar fica consistentemente abaixo da temperatura de ponto de congelamento das soluções fisiológicas, atingindo temperaturas de aproximadamente -1.9 °C (Davies e Hew, 1990). Os peixes que habitam estas regiões desenvolveram estratégias para a sobrevivência, sendo capazes de expressarem moléculas que impedem o congelamento ou danos em seus órgãos. Estudos destes compostos encontrados no sangue destes peixes da Antártica mostraram que uma molécula de origem proteica era a responsável por este comportamento incomum (Devries e Wohlschlag, 1969; Devries, Komatsu e Feeney, 1970).

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Nos últimos anos, alguns peptídeos com atividade anticongelante foram isolados de peixes do Ártico e da Antártica. Os mais bem estudados e caracterizados são conhecidos como HPLC-6 e HPLC-8, isolados do peixe P. americanus (Ananthanarayanan e Hew, 1977; Young e Fletcher, 2008). Estes AFPs, HPLC-6 e HPLC-8, são classificados como sendo do tipo I devido à conformação em α-hélice; apresentam massa molecular de 3,3 e 4,5 kDa, respectivamente (Yang et al., 1988; Wen e Laursen, 1992). Entretanto somente a estrutura tridimensional do HPLC-6 foi determinada por difração de raio-X, revelando uma longa α-hélice anfipática. O alto conteúdo de alanina, cerca de 60 a 70 % é a principal razão da sua estabilidade em temperaturas abaixo de 0 ºC, pois favorece a conformação helicoidal permitindo a formação de uma face hidrofóbica com resíduos de treonina repetidos ao longo de cada 11 aminoácidos, que interage com o gelo e uma face hidrofílica que interage com a água formando pontes de hidrgênio (Sicheri e Yang, 1995) (Figura 11).

Figura 11. Estrutura tridimensional do AFP tipo I resolvido por difração de raio-X, (pdb 1wfb), destaca-se na estrutura os resíduos de treonina importantes na interação com rede cristalina do gelo. A visualização foi realizada utilizando o programa PyMol v0.99.

AMPs principalmente da classe helicoidal apresentam características físico-químicas similares à observada para AFPs do tipo I (Wang, Wei e Wang, 2003). Outra habilidade dos AFPs do tipo I incluem a capacidade de interagir com membranas biológicas, estabilizando-as em

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temperaturas subzero. Este tipo de interação foi primeiramente observado por Rubinsky (1990), e mais tarde por Tomczak (2001) reforçando ainda mais a idéia de multifuncionalidade e econômia energética para os organismos (Rubinsky et al., 1990; Tomczak et al., 2001). A face hidrofóbica dos peptídeos anticongelantes do tipo I responsável pela propriedade anticongelante também mostrou afinidade a modelos de bicamada lipídica, isto foi também observado recentemente em estudos com dimiristoilfosfatidilcolina (DMPC). Neste estudo ficou evidente que as faces hidrofóbicas do AFPs sintéticos HPLC-6 e HPLC-8 promovem um papel importante na interação com membranas lipídicas por meio dos resíduos hidrofóbicos, isso foi comprovado com a substituição dos aminoácidos hidrofóbicos por resíduos com cadeias laterais volumosas o que impediu a interação e estabilização da estrutura helicoidal observada utilizando a metodologia de Espectroscopia de Infravermelho por Transformada de Fourier (Tomczak et al., 2003; Kun, Minnes e Mastai, 2008).

De acordo com o exposto, PAMs isolados de peixes são candidatos potenciais no desenvolvimento de produtos biotecnológico, principalmente porque muitos deles possuem potenciais atividades biológicas e características peculiares como a expressão de moléculas criopreservadoras e/ou crioprotetoras. Desta maneira, o entendimento e aquisição de informações do desenho racional, de estudos estruturais, do mecanismo de ação e das múltiplas atividades biológicas, ou seja, da caracterização biofísica e bioquímica por meio de metodologias in silico e in vitro podem aumentar a chance do desenvolvimento de moléculas que apresentem condições terapêuticas no combate a micro-organismos que acometem atualmente os ambientes hospitalares com o intuito de modificar o panorama socioeconômico da saúde pública do Brasil.

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58 2 JUSTIFICATIVA

A busca por novos antibióticos tem se tornado mais intensa nas últimas décadas, como resposta aos relatos cada vez mais frequentes de patógenos multi-resistentes, ou pelos efeitos colaterais apresentados pelos antibióticos hoje disponíveis no mercado. Apesar do notável aumento nos esforços para se buscar novas drogas, o número de antibióticos descobertos nos últimos anos tem sido baixo, tornando-se necessário o desenvolvimento de estratégias alternativas para o tratamento de infecções bacterianas. A pesquisa por novas substâncias com múltiplas atividades a partir de fontes naturais é de grande importância. Dentre essas moléculas, os peptídeos multifuncionais se destacam, por apresentarem naturalmente atividade antibacteriana, antifúngica, antiviral, antitumoral. Outra característica que tem chamado a atenção para estas moléculas é a baixa ou nenhuma citototoxidade frente à células de mamíferos. No presente trabalho, portanto caracterizamos funcionalmente e estruturalmente 10 peptídeos ricos em alaninas baseado em peptídeos anticongelantes da classe tipo I que demonstraram uma ou múltiplas atividades biológicas frente a diversos alvos. Os peptídeos com atividade sobre patógenos vêm se mostrando ser bons candidatos para o tratamento das infecções adquiridas na saúde pública, e os dados aqui obtidos indicam que estes peptídeos multifuncionais, são candidatos potenciais para o desenvolvimento de novas terapias.

59 3 HIPÓTESE

Os motivos de 11 aminoácidos repetidos, rico em alaninas espaçados por treonina e seus análogos, desenhados e redesenhados com base nas caracteristicas anticongelantes da espécie Pleuronectes americanus (peptídeos HPLC-6 e HPLC-8) apresentam múltiplas funções contra patôgenos humanos quando modificados para tal função.

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60 4 OBJETIVO GERAL

Caracterizar estrutural e funcionalmente peptídeos sintéticos ricos em alanina por meio de desenho racional com base em peptídeos anticongelantes helicoidais da espécie Pleuronectes americanus buscando desenvolver potenciais candidatos multifuncionais no combate a patógenos humanos.

4.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 Definir regras para desenho racional;

Desenhar peptídeos racionalmente in silico;  Sintetizar e purificar os peptídeos candidatos;

 Analisar a massa molecular e pureza dos peptídeos obtidos por espectrometria de massa (MALDI-ToF/ToF);

 Avaliar as propriedades antibacteriana, antiviral, antifúngica, sobre linhagens de células tumorais in vitro, hemolítica e citotóxica (RAW 264.7, Células Vero);

 Avaliar a propriedade anticongelante dos peptídeos sintéticos;

Caracterizar estruturalmente o peptídeo Pa-MAP por dicroísmo circular;

Estudar o comportamento estrutural de Pa-MAP por meio de dinâmica molecular in silico.

61 5 METODOLOGIA

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