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4 AS EXPERIÊNCIAS DO PROGRAMA DE APOIO PEDAGÓGICO DO CMF

4.5 O DIA A DIA DO PROGRAMA DE APOIO PEDAGÓGICO

4.5.21 Pequenas histórias, grandes ensinamentos

Os dias do apoio pedagógico podiam ser comparados a uma grande sala de aula onde professores e alunos aprendiam juntos muitos ensinamentos. Neste subitem, estão relatadas algumas pequenas passagens que trazem grandes lições para o prosseguimento do Programa e para reflexão de todos os agentes educacionais que se dispõem a ajudar alunos com dificuldades de aprendizagem.

1) Letramento: papel de todos

Certa vez, um aluno, muito feliz com a sua nota, mostrou ao Coordenador uma avaliação parcial de determinada disciplina, com um texto de mais ou menos vinte linhas. Ao ler o texto, o Coordenador percebeu uma grande quantidade de falhas de ortografia, pontuação, acentuação, concordância, etc. que não tinham sido corrigidas pelo professor da disciplina.

Os avanços em Língua Portuguesa poderão ser muito maiores se todos os docentes trabalharem com foco no letramento nas suas respectivas disciplinas. Para isso, os professores devem ser preparados e orientados, para que suas prioridades sejam voltadas também para a leitura, interpretação e escrita, e não simplesmente ao conteúdo de suas disciplinas.

2) Humildade para aprender e coragem para mudar

Disse certa vez um professor: “Será que o que eu fiz até hoje estava tudo errado? Por que eu preciso mudar, se eu já formei tantas gerações de engenheiros, médicos, etc. ...”

Diante dos atuais desafios da educação e das mudanças necessárias para superar estes desafios, os professores muitas vezes reclamam dos alunos do presente e se referem ao passado com um enorme saudosismo. Dizem eles: “Na minha época, os alunos eram mais estudiosos e a prova que eu passava dois anos atrás eu não posso passar hoje”.

O que um professor sabe tem muito valor, não se trata de querer apagar a sua história. Mas alguns professores têm dificuldade de entender que o mundo já não é mais o mesmo e nem os alunos são os mesmos de antigamente. Alguns professores exaltam os seus

métodos de sempre, querendo justificar a manutenção de suas antigas práticas educativas. As novas iniciativas às vezes são vistas como uma ameaça e parecem gerar certa insegurança.

A sociedade está mudando rapidamente e a escola deve se adequar ao novo modo complexo de pensar e de agir dos alunos deste século. Para isso, o professor também precisa mudar. Não nos princípios e valores éticos e morais que sempre norteiam as escolas militares, mas na maneira de se relacionar com os alunos, nas suas estratégias de ensino e naquilo que realmente faz sentido para o aluno aprender.

3) Todos somos responsáveis

Certa feita, uma professora do apoio disse: “Eu não entendo porque esses alunos foram reprovados. Eles foram meus alunos há pouco mais de um ano e foram tão bem comigo?” A escola também pode contribuir para reprovação dos alunos, na medida em que é responsável pelo planejamento e gestão dos processos educacionais e avaliativos a que os alunos são submetidos. Consequentemente, a responsabilidade pela reprovação nem sempre é exclusiva do aluno, como costuma ocorrer. O fracasso do aluno é também da escola. Todos somos responsáveis.

4) Refletir sobre a realidade, mas também tomar decisões

Era comum que nas reuniões de professores se perca muito tempo falando sobre os comportamentos inadequados, a falta de interesse dos alunos, a não realização das tarefas, a falta de conhecimentos anteriores, etc. No entanto, pouco se conversa sobre o que era possível fazer para reverter determinada situação. Em vista disso, certa vez, o Coordenador iniciou a reunião dizendo: “Que esses alunos têm muitos problemas e dificuldades, isto nós já sabemos. O que nós temos que discutir é o que nós como escola precisamos e podemos fazer para ajudá- los a superar essas dificuldades”. O diagnóstico é fundamental, mas a tomada de decisão é igualmente importante.

5) O comportamento inadequado não pode ser usado sempre como desculpa Certo dia, durante um tempo de estudo, o Coordenador perguntou a aluna A. C. como ela tinha ido na avaliação parcial de Matemática. Ela ficou triste e disse que não tinha ido bem e começou a chorar. Pediu para ir ao banheiro e, quando ela retornou, o Coordenador lhe perguntou por que estava chorando. Ela respondeu: “Eu tenho medo de não passar de ano”.Ela era uma das alunas mais esforçadas do apoio, mas ainda assim tinha muita dificuldade para aprender. Mesmo alunos com comportamentos exemplares, dedicados, esforçados e interessados também podiam não apresentar um desempenho escolar esperado.

Era muito comum os professores associarem as dificuldades de aprendizagem aos aspectos comportamentais, ou seja, o aluno não aprendia porque era desinteressado, porque não

prestava atenção à aula ou porque era bagunceiro. Embora fosse verdade em vários casos, os argumentos que tentavam justificar o baixo rendimento escolar apenas baseado em comportamentos inadequados caíam por terra quando o exemplo de alguns outros alunos, como a aluna A. C. do 6º ano, era mencionado.

6) Olhando para cada um, de acordo com suas necessidades

Um dia, na sala dos professores, conversavam com o Coordenador, a professora de Ciências e o professor de História do apoio. O assunto era o aluno G. T., que não havia conseguido se recuperar em História. O professor de História disse que ele não havia entregue um trabalho para casa e isso comprometeu a sua nota final. Disse ainda que, durante as aulas ele sabia responder, mas não conseguia escrever o que sabia. O Coordenador então relatou ao professor a situação do aluno, suas dificuldades, seu problema de saúde e que ele já era repetente. A professora de Ciências disse que tinha que se considerar cada aluno individualmente, levando em conta as suas particularidades e o que cada aluno era capaz de fazer dentro das suas limitações e potencialidades. Nesse momento, o aluno G. T. entrou na sala dos professores para resolver um problema e, ao ser perguntado sobre o trabalho, disse: “Eu tentei, eu tentei em casa, mas não consegui!”.

A conversa prosseguiu, e a aluna A. C., que estava em uma sala ao lado, começou a chorar copiosamente. Ela disse: “Eu ouvi a conversa e sei o que o G. está passando, porque também acontece comigo. Não é falta de esforço, é que eu não consigo”. O Coordenador tentou acalmar a aluna e se colocou à disposição para ajudá-la até o fim. O professor de História então reconsiderou a sua decisão e marcou com o aluno G. T. um horário para ajudá-lo a fazer o trabalho. Acima de tudo, era preciso não ser indiferente às diferenças.

7) Avaliação ou simples aferição do desempenho?

Certa vez, um aluno aparentemente confuso, perguntou: “Professor, o que eu devo estudar?” Ele estava se referindo aos vários trabalhos, provas e tarefas que tinham que entregar nos próximos dias.

A sistemática de provas é muito intensa para todos os alunos, mas principalmente para os alunos com dificuldades. Por outro lado, com provas todas as semanas e com conteúdo novo a cada semana, não havia tempo para fazer uma adequada retificação da aprendizagem. Uma verdadeira avaliação da aprendizagem acabava não ocorrendo, já que os resultados das provas serviam muitas vezes apenas para dar uma nota ao aluno. Em consequência, as dificuldades apresentadas pelos alunos iam se acumulando ao longo do bimestre, durante os bimestres e anos letivos. Era preciso investir mais na avaliação formativa, permitindo que as dificuldades fossem corrigidas a tempo.

8) “Enxugando” o currículo e melhorando a didática

Em uma reunião no auditório, o Coordenador explicou para os alunos sobre como fazer um pedido de revisão de provas, quando, curiosamente, o aluno F. C. perguntou: “Nós podemos colocar no pedido de revisão que a prova tinha sido ‘decoreba’?” Ele se referia a determinada prova do bimestre anterior que exigiu dos alunos uma grande quantidade de informações, provavelmente não tão relevantes, que deveriam ser memorizadas. A priori, as provas refletiam a sala de aula.

Muito da falta de interesse dos alunos em alguns assuntos passava também pelo currículo da escola e pela didática do professor. A percepção de que o currículo era bastante extenso e denso ajudava a explicar a falta de tempo para retificar a aprendizagem dos alunos que apresentavam dificuldades.

Era preciso definir o que realmente valia a pena ser ensinado, selecionando os assuntos mais relevantes, tornando-os, sempre que possível, contextualizados e aplicáveis à vida real. Por outro lado, de nada adiantava um assunto interessante se a didática do professor o tornava monótono e enfadonho. Falar de Grécia e Roma, por exemplo, podia ser extremamente interessante ou não, dependendo de como o professor abordava o assunto. Era preciso “enxugar” o currículo, tornar os assuntos significativos e apresentá-los de forma a despertar o interesse e a curiosidade dos alunos.

9) Em meio às notas baixas e entre os “desajustados”, grandes talentos...

Em meados de abril, ocorreu uma reunião com profissionais do Colégio, um pai e seu filho que era aluno do apoio e que estava apresentando reiterados problemas de comportamento. Ele apresentava dificuldades em algumas disciplinas, mas principalmente em Língua Portuguesa. Apesar disso, o aluno M. J. não participava das atividades propostas no apoio e, em muitas ocasiões, acabava atrapalhando os demais alunos de sua turma. Este aluno era repetente e parecia ter certo grau de hiperatividade. A reunião foi difícil, e o aluno se comprometeu a melhorar o seu comportamento.

Meses depois, este mesmo aluno foi elogiado pela professora de Língua Portuguesa por seu desprendimento e liderança no teatro. Durante os ensaios, ele era um dos mais participativos, substituindo os alunos que faltavam, incentivando e orientando os demais. Em 2014, ele se descobriu no atletismo e em 2015 foi medalha de bronze nos Jogos Sul-Americanos Estudantis no Paraguai. Em outros termos, para além das dificuldades, existem potencialidades em cada um dos alunos que precisam ser descobertas e desenvolvidas.

10) A importância de se construir uma memória

Durante a fase de planejamento do Programa, o Coordenador se preocupou em buscar o que havia sido feito até aquele momento, desde a criação do Núcleo de Apoio Pedagógico em 2008. Surpreendentemente, não havia quase nenhum registro escrito sobre o apoio pedagógico em anos anteriores. Para ser mais preciso, só havia um único documento com seis folhas, de 2009, falando sobre o assunto.

Durante o programa, os professores foram sempre orientados a registrar as suas experiências, como uma memória para aqueles que viriam depois. Na prática, eles acabavam relatando as suas observações ao Coordenador, que fazia todos os registros por escrito.

Acertos são esquecidos e erros são repetidos quando não há registro dos fatos, por isso a importância de guardar um histórico das atividades. Sem os devidos registros muitas dessas histórias teriam se perdido.