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Período da Hegemonia Americana e a atuação do Estado

No período compreendendo o quarto final do século XX, se observa a tentativa de retomada de domínio dos Estados Unidos no centro do sistema, incomodados que estavam com o crescimento econômico e pela ameaça de tomada de dianteira tecnológica de Japão e Alemanha24. Procura-se a manutenção de um predomínio americano que fora paulatinamente construído desde o início do século e se afirmara após a Segunda Grande Guerra.

No campo dos direitos, a atuação dos Estados Unidos para o enrijecimento das leis de propriedade intelectual se dá não apenas na órbita da formulação de tratados internacionais ou pelo lobby juntos aos legislativos nacionais, mas também pela pressão

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Desde a década de 1950, por exemplo, o Japão, através de sucessivos planos econômicos, com ênfase nas indústrias de base e em setores especialmente escolhidos, apresenta altas taxas de crescimento econômico, a ponto de em 1968 se tornar a segunda economia do mundo. Ao final da década de 1970 apresentava notável desempenho na área de semicondutores e indústrias na área de tecnologia da informação. Fonte: site da Embaixada do Japão no Brasil. Disponível em http://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/economia.html. Acesso em 12/09/2015.

comercial em praticamente em todos os países e podemos tomar como exemplo o próprio Brasil. Barbosa (2003) assevera que:

A origem do processo de mudança da lei de propriedade industrial é, indubitavelmente, a pressão exercida pelo Governo dos Estados Unidos, a partir de 1987, com sanções unilaterais impostas sob a Seção 301 do Trade Act. Não obstante aplicadas no Governo Sarney, apenas no mandato seguinte se iniciaram as tratativas oficiais com vistas à elaboração de um projeto de lei.

Consentânea com tal momento histórico, a política do Governo Collor para com o setor tecnológico, embora ressoando as propostas da Nova Política Industrial do Governo anterior, não levada à prática desde sua formulação em 1988, importou na prática em contenção dos meios públicos aplicados no desenvolvimento tecnológico e em redução dos mecanismos de proteção ao mercado interno, em especial no setor de informática.

Desta postura derivam as propostas de reforma do Código da Propriedade Industrial, da Lei de Software, da Lei de Informática, da Lei do Plano Nacional de Informática e Automação (PNANIN), a elaboração de um anteprojeto sobre topografia de semicondutores e a extinção de praticamente todos incentivos fiscais ao desenvolvimento tecnológico (esses, posteriormente ressuscitados) (BARBOSA, 2003, p. 7).

Para esclarecer o que é a Seção 301, que obviamente infringe regras de Direito Internacional25, nos servimos de publicação do Instituto Rio Branco. Segundo o diplomata brasileiro Regis Arslanian (1994):

A seção 301 da legislação comercial norte-americana prevê a adoção pelo Governo dos Estados Unidos da América de medidas comerciais coercitivas (denominadas correntemente de retaliações comerciais) como instrumento unilateral de pressão para a abertura de mercados às exportações e aos investimentos externos norte-americanos.

Instituída pela Lei de Comércio e Tarifas de 1974, a seção 301 conferiu poder discricionário ao Executivo norte-americano para fazer uso de tais medidas coercitivas contra políticas e práticas comerciais de Governos estrangeiros consideradas prejudiciais aos interesses norte-americanos (ARSLANIAN, 1994, p. 7).

Transparece nesta medida o poder exercido por um Estado poderoso em detrimento de uma ordem internacional mais balanceada.

E não faltam teóricos para sustentar e fundamentar este estado de força. No caso dos Estados Unidos da América, tomamos o exemplo de Joseph S. Nye26 que é assertivo ao

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Há no Direito um entendimento de que o Direito Internacional é mais um conjunto de regras propositivas para a comunidade de países do que de regras jurídicas, uma vez que o que caracteriza o direito seria a possibilidade de sanção, de aplicação de penas em caso de infringência, e que no âmbito internacional é improvável a aplicação de penas a uma nação poderosa. Faltaria, assim, ao Direito Internacional, a principal característica jurídica, que é a punibilidade.

recomendar políticas de Estado tanto no âmbito interno como no externo para que os Estados Unidos se mantenham como a nação preponderante do globo, em seu livro “O paradoxo do Poder Americano – Porque a única superpotência do mundo não pode caminhar sozinha”. Diz o autor (NYE, 2002) que a promoção pelo Governo Americano de normas e políticas no âmbito do direito internacional devem ser firmes:

A globalização é filha da tecnologia com a política. A política americana deliberadamente promoveu normas e instituições como o GATT, o Banco Mundial e o FMI, que criaram um sistema econômico internacional aberto a partir de 1945. Por quarenta e cinco anos a extensão da globalização econômica foi limitada pelas políticas autárquicas dos países comunistas (NYE, 2002, p. 91)2728.

Um dos motivos da hegemonia norte-americana parece residir na notável capacidade de harmonia entre a atuação do Estado e de suas companhias. E nessa conjunção de atuações resultam em práticas comerciais, utilizando-se dos direitos da propriedade intelectual como medida de preservação de sua hegemonia. Conforme relata Mirow (1978):

O monopólio da tecnologia sempre constituiu o segredo do sucesso de corporações multinacionais. E, a fim de considerar esta situação explorando as invenções de outros, que lhes parecessem úteis, formaram elas pools de patentes, com sistema de licenciamentos mútuos (cross-licensing), cuja função é arrematar e monopolizar todas as patentes e inovações tecnológicas de processos industriais e futuros, repartindo-se tão somente entre os seus membros (MIROW, 1978, p. 20).

Theotônio dos Santos (1987) assinala o crescente papel do Estado através de financiamento ao setor privado para pesquisa e desenvolvimento. Para o autor (SANTOS, 1987):

Neste caso, o Estado garante o financiamento da P e D e o consumo do produto resultante. Este comportamento do Estado se manifesta sobretudo no setor militar e espacial e resolve um dos mais graves problemas das empresas ao se dedicarem às atividades destinadas à invenção. Esta sempre supõe um risco, pois nunca se pode ter completa certeza que se obterão ou não os resultados desejados para descobrir um novo produto ou processo;

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Cientista Político. Professor em Harvard. Foi Secretário Assistente de Defesa para Assuntos de Segurança Nacional (1994-1995) e membro do Conselho Nacional de Inteligência (1993-1994), entre outros cargos no governo americano. Atualmente é membro do Conselho de Política de Assuntos Internacionais (desde 2014). 27

Tradução nossa. No original: Globalization is the child of both technology and policy. American policy

deliberately promoted norms and institutions such as GATT, The World Bank, and the IMF that created an open international economic system after 1945. For forty-five years, the extent of economic globalization was limited by the autarkic policies of the communist governments.

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O GATT é o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, nome decorrente das iniciais em inglês de General

Agreement on Tariffs and Trade, estabelecido em 1947, embrião do que veio a ser posteriormente a Organização

nem se podem calcular completamente suas potencialidades econômicas antes de se conhecer suas características (SANTOS, 1987, p. 14).

Para Mazzucato (2014) o Estado sempre esteve por trás das grandes inovações e avanços dos países, financiando pesquisas e investindo em áreas e temas estratégicos em que a iniciativa privada ou não possuía o capital necessário ou não queria arriscar inicialmente. Os Estados Unidos, conhecidos pelo dinamismo do setor privado, teve sempre, na verdade, o Estado por trás dos grandes avanços. Neste último quarto de século XX se tem esta política americana materializada pela instituição de quatro grandes frentes, a saber, a Darpa ( Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa, de 1980); a Sbir ( Programa de Pesquisa para a inovação em pequenas empresas, 1982), o Orphan Drug Act, (Lei de Financiamento de Drogas para Doenças Raras, 1983) e a National Nanotechnology Initiative (Iniciativa Nacional para a Nanotecnologia, 2001)29.

Mazzucato (2014, p. 35-36) demonstra que até mesmo ícones da cultura americana e que fazem a propaganda de um suposto empreendedorismo privado dos Estados Unidos (e a suposta superioridade do “mercado”) só apareceram em virtude do apoio estatal. Dentre esses ícones Mazzucato aponta o iPhone da Apple. A empresa de Steve Jobs recebeu, desde o início, financiamento do Estado através do programa Sbic (posteriormente Sbir) e utilizou tecnologias obtidas com financiamento público. Afirma a autora que “De fato, não há uma única tecnologia significativa por trás do iPhone que não tenha sido financiada pelo Estado”, citando a internet, o GPS, a tela de toque e assistente ativado por voz.