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Um pequeno mundo desenvolvido em oposição a um grande mundo à

A distinção dos países do mundo em um centro desenvolvido, muitas vezes denominado de “centro do sistema” e de outro lado um bloco de países denominado de “periferia” (do sistema), tem sido uma maneira, historicamente, de procurar compreender a diferenciação dos países. Diversas teorias tentaram explicar essa distinção, dentre as quais merecem destaque aquela que ficou conhecida como a teoria da dependência, ou aquelas formuladas a partir da Cepal, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, ligada às Nações Unidas. Ainda que se verifique, nas últimas décadas, o aparecimento de países com uma forte economia obtendo destaque e poder no cenário mundial, tais como os chamados Brics (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) e mais particularmente a China, verdade é que continua a existir no mundo um conjunto pequeno de países detentores de alto desenvolvimento econômico e social que se destacam do conjunto dos demais países do mundo, e a partir dos quais emanam as principais regras de funcionamento da economia e da política mundiais.

Não se afirma em nosso trabalho que os direitos da propriedade intelectual tenham sido o único motivo para a configuração de um mundo dividido entre países pobres e países ricos. Mas se postula que tenham sido esses direitos um dos instrumentos do capitalismo na construção e na manutenção dessa configuração desigual exercendo influência determinante na divisão internacional do trabalho. O capital acumulado, a vontade política expressa pelo Estado no desenvolvimento de indústrias locais e a posição relativa de cada país na ocasião do desenvolvimento do capitalismo são outros fatores de inegável importância. Ao afirmar que o desrespeito à propriedade intelectual propiciou a oportunidade do desenvolvimento japonês ou coreano, não se pretende, tampouco, minimizar o papel das grandes empresas financiadas por capitais públicos e nem a fundamental ajuda norte-americana, com claros interesses geopolíticos nesses países.

Assim, em um estudo em que se procura analisar um dos instrumentos dos países centrais na manutenção da desigualdade do mundo, procura-se focar no instrumento específico analisado, sem desconsiderar outros aspectos que devem também ser levados em conta. No caso de uma visão a partir do Brasil e da América Latina, não se poderia deixar de abordar as chamadas teorias da dependência.

A Teoria da Dependência tal como formulada inicialmente por Raul Prebisch ensinava, em rápida síntese, que os países ricos tendiam a um maior enriquecimento enquanto os países periféricos tendiam a ficar cada vez mais longe daqueles porque enquanto aqueles produziam bens com alto valor, estes exportavam produtos básicos da agricultura e da pecuária, de menor valor. Nas crises do centro do sistema os países pobres não teriam para quem exportar, sofrendo uma crise ainda maior, porque dependentes daqueles.

Nesta corrente teórica há uma vertente que Coelho (2011) denomina de Teoria Marxista da Dependência, na qual a remessa de lucros por meio de royalties, que é o que estamos a tratar, desempenha importante papel. Para o autor

na compreensão da TMD, a dependência econômica é uma situação na qual uma economia está condicionada pelo desenvolvimento e expansão de outra. São três os condicionantes histórico-estruturais da dependência: 1-) a perda nos termos de troca, ou seja, a redução dos preços dos produtos exportados pelos países dependentes, visto que, em geral, são primários, em troca de produtos de alto valor agregado; 2-) remessa de excedentes para o centro

capitalista, por meio de juros, lucros, amortizações, dividendos e royalties,

visto que os países dependentes importam tecnologia dos avançados; 3-) instabilidade dos mercados financeiros internacionais, o que afeta os países periféricos pelas altas taxas de juros no crédito (COELHO, 2011, p. 11, grifo nosso).

Observamos, portanto, que a remessa de royalties, para a Teoria da Dependência na vertente marxista, se constitui em acumulação de capital no centro do sistema.

Essa divisão entre países ricos e países pobres é mitigada pela existência de alguns países que não poderiam ser considerados simplesmente pobres, uma vez que atingiram algum grau de desenvolvimento econômico e social. No entanto, a existência desses países não invalida o pressuposto do presente trabalho.

Giovanni Arrighi (1997) se refere à existência de países que parecem estar permanentemente estacionados entre o avanço e o atraso. Embora reconheça avanços desses países ao longo do século XX, o sociólogo italiano destaca que esses países “intermediários” ainda não alcançaram o padrão de riqueza e status dos países centrais, motivos pelo qual adota o conceito de Immanuel Wallerstein que denominou esses países de semi-periféricos,

reconhecendo assim sua particularidade em relação aos demais periféricos. Em virtude da ambigüidade do termo na definição dos países Arrighi (1997) deixa claro que o adota para fins da divisão mundial do trabalho e não a uma posição no sistema inter-Estados, conforme defendido por Wallerstein.

Arrighi (1997) supõe que esse sistema de conjunto de três tipos de países (em que um grupo de países está estacionado entre o atraso e o desenvolvimento) pode servir ao propósito ideológico de manutenção do sistema centro-periferia. E observa que:

Todos os Estados incluem, dentro de suas fronteiras, tanto atividades do núcleo orgânico como periféricas. Alguns (países do núcleo orgânico) incluem predominantemente atividades do núcleo orgânico, e alguns (países periféricos) incluem atividades predominantemente periféricas. Consequentemente, os primeiros tendem a ser o lócus de acumulação e poder mundiais, e os segundos, o lócus da exploração e da impotência (ARRIGHI, 1997, p. 140).

No âmbito das teorias das relações internacionais, Hurrell (2013) afirma que embora esteja ocorrendo uma mudança no equilíbrio do poder mundial, com a emergência de novos países com força no tabuleiro global, não se pode, como entendem alguns autores ter ocorrido após a queda do muro de Berlin, pensar no fim daquilo que se chamou de Terceiro Mundo. Para o autor (HURREL, 2013)16:

Um quarto fator tem a ver com a distintividade das potências emergentes de hoje. Mesmo se colocarmos a China em uma categoria própria, países como a Índia, o Brasil e a África do Sul são grandes países em desenvolvimento que continuarão a ser relativamente pobres em termos per capita. Pobreza e desigualdade continuam um problema maior e altas taxas de crescimento continuam um imperativo político maior. Apesar de todo o sucesso econômico desses países, eles continuam a ser economias em desenvolvimento e sociedades em desenvolvimento marcadas tanto pelo desenvolvimento incompleto como por uma integração incompleta na economia global cujo patamar de regras tem sido colocado historicamente pelo Norte Industrializado (HURREL, 2013, p. 217).

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No original, em tradução nossa: A fourth factor has to do with the distinctiveness of today's emerging powers.

Even if we place China in a category of its own, countries such as India, Brazil and South Africa are large developing countries that will continue to be relatively poor in per capita terms. Poverty and inequality remains major problems and high growth rates remain a major political imperative. For all their economic success, they remain developing economies and developing societies marked both by incomplete development and by incomplete integration into a global economy whose ground-rules have been set historically by the industrialized North.

Para nós, a diferenciação entre os países do centro e os da periferia e uma oposição entre eles se constituiu de forma mais marcante a partir do surgimento do capitalismo, com agravamento na fase do imperialismo, e que persiste até os dias de hoje. Não são mundos, contudo, excludentes, posto que são complementares. O próprio tema do presente trabalho segue esta fundamentação, que é melhor explicitada por Baran (1960):

O domínio do capitalismo monopolista e do imperialismo nos países adiantados e o atraso econômico e social nos países subdesenvolvidos estão como vimos, intimamente ligados, representam apenas aspectos diferentes do que é, na verdade, um problema global (BARAN, 1960, p. 297).