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Os estados de angústia constituíam para Freud, desde as origens de sua clínica psicanalítica, um enigma intrinsecamente ligado aos estados neuróticos, e ao mesmo tempo diferente do enigma dos sintomas neuróticos.

Notava que a angústia estava intrinsecamente ligada às neuroses, primeiramente porque localizou sua constante presença, em expressões diferenciadas, em todos os quadros clínicos com os quais lidava em sua prática : velada na histeria, aparentemente inexistente nas obsessões, fazendo parte dos sintomas nas fobias, e como expressão central em uma forma de neurose que denominou neurose de angústia.

Ao mesmo tempo, Freud reconhecia que a angústia constituía-se um enigma da neurose, diferente dos sintomas, uma vez que constatou que sintomas de angústia encontrados nas neuroses de angústia não se reportavam a um conteúdo inconsciente, isto é, eram destituídos da possibilidade de levar a um sentido inconsciente.

Com efeito, a neurose de angústia, conforme vimos, constituiu-se para Freud em um campo clínico especial de investigação do fenômeno de angústia em função da posição central que ele assumia, seja pelo fato de demonstrar expressões mais evidentes da angústia, seja porque permitiu localizar e compreender sua origem ‘somática’, mais do que ideativa. Tatava-se assim, de uma neurose que deixava mais explícita a causa sexual (libidinal) da angústia em sua face de ‘soma de excitações’.

Assim, o primeiro e maior interesse de Freud relativo ao fenômeno de angústia dizia respeito a três questões:

1. Investigar sua relação com a sexualidade : atividade, função ou em uma expressão mais significativa, ‘vida sexual’ do sujeito.

2. Saber da ‘matéria’ da angústia, do que é feita.

3. Compreender as relações que a angústia teria com as representações sexuais, ou seja, com o aspecto psíquico da sexualidade.

Freud descobriu, então, que a angústia era um efeito, uma conseqüência especial da ação de defesa diferente da formação sintomática.

A angústia, conclui, é uma excitação transformada ou afeto derivado da face somática da sexualidade – da libido ou excitação sexual inibida, presa ou deflectida em seu rumo à satisfação; os sintomas são derivados da face psíquica dessa libido, ou seja, das representações recalcadas.

Conclui, assim, que é a insatisfação sexual que produz os estados ansiosos. A exigência da libido é de satisfação (descarga); a libido pressiona ao ato de satisfação e sua interrupção produz as condições para a transformação da soma de excitação em angústia.

No mecanismo sexual, diz, o ato de satisfação é a descarga na ação específica que seria, no caso, o coito. Entretanto, Freud deixa claro que a ação específica é a ligação da excitação com a representação sexual, o que produz o afeto ou desejo sexual e o prazer.

Com isso, revela que, entre o que se sente no corpo e o que se registra na mente, há uma distância, não é um registro unívoco; e o que se pode pensar que o que está entre os dois é o desejo.

Em suas elaborações posteriores sobre esse conceito, o qual nomeia pulsão (ou libido, quando se trata da pulsão sexual) ele o define como limite entre o somático e o mental: a excitação no corpo é registrada como traço – o representante da excitação; o qual, por sua vez, para ‘fazer entrada’ no psiquismo, também precisa ser representado.

Nesse sentido, esclarece que a função sexual não é uma coisa puramente psíquica, assim como não é uma coisa puramente somática.

No período de tempo entre as primeiras elaborações acerca da angústia em 1895 e seu trabalho posterior em 1917, que considera-se intermediário na elaboração da segunda teoria da angústia, Freud confirma sua descoberta da constante presença da angústia em todos os quadros de neurose.

Com isso, Freud se encaminha para a descoberta de que essa constante presença acusava uma função fundamental na vida subjetiva (sexual) e na constituição das condições da formação das neuroses e de seus sintomas, a saber, sua função de sinal para colocar em ação a defesa do eu, cuja causa é inconsciente: a sexualidade nas ‘duas dimensões’ – o impulso produzido pela excitação, a inscrição psíquica desse impulso e da satisfação na descarga, através de um objeto e o que ‘resta’ dessa vicissitude – o desejo.

Nas fobias, obsessões e histeria, a posição central da angústia não era imediatamente evidente, nem no sentido da observação de sua expressão, nem no sentido da pesquisa de sua causa psíquica ou inconsciente.

Entretanto, a insistência de Freud, desde o início de suas investigações, sobre o fato de observá-la em todas as neuroses, mesmo que sob

modalidades de expressão diferenciadas, acusa sua intuição de que a angústia também se relaciona de alguma forma às idéias, isto é, ao inconsciente ou simbólico.

Desse modo, se inicialmente Freud se ocupa com a causa ‘somática’ da angústia – as quantidades de excitação, a partir da questão sobre sua origem (‘materialidade’), posteriormente, em 1917 – conforme veremos adiante – ele se dedica a investigar sua causa psíquica a partir da questão inicial sobre qual é a sua função e sua significação .

Se, no princípio de suas investigações, Freud tinha dúvidas se a angústia era uma entidade isolada que denominou neurose de angústia – portanto, um sintoma – em 1917, ao investigar a função da angústia, deixa mais explícito que não a considera um sintoma qualquer de neurose, mas um sinal, um signo que se relaciona à vida sexual do sujeito.

Inicia, portanto, em 1917, uma distinção mais clara entre sintoma e angústia. Angústia é diferente de sintoma neurótico, muito embora sua presença possa acusar uma neurose.

Portanto, considera-se que o período de 1915-1917 seja

intermediário entre as primeiras elaborações freudianas sobre a angústia – primeira teoria – e a elaboração final em 1925 e 1933 – segunda teoria , em

virtude de que, no texto A ansiedade, de 1917, Freud faz um desdobramento da

questão sobre a causa da angústia, realizando explorações iniciais sobre sua causa psíquica (inconsciente), as quais desenvolve e aprofunda posteriormente.

Se no primeiro tempo de investigação, baseado na questão da origem da angústia (sua fonte), Freud aborda sua causa ‘somática’, no segundo tempo, apoiado na questão da sua função (para que serve), investiga sua causa psíquica.

Há, portanto, nesse período intermediário, um acento no aspecto psíquico da angústia.

Nesse texto, Freud inicia sua investigação sobre a angústia pela indagação de sua função geral ou biológica, uma vez que também é encontrada nos estados não-patológicos.

Aborda sua presença nos estados normais, com os quais compara a angústia neurótica e chega à função de sinal , de um alerta a um perigo relacionado à sexualidade, a fim de tomar medidas de defesa.

Das explorações desse texto acerca do perigo subjetivo envolvido na reação de angústia e na reação de defesa, é que culmina a segunda teoria da angústia em 1925, com o texto Inibições, sintomas e ansiedade.

Antes de tomarmos o texto de 1917 A Ansiedade, em seus detalhamentos, e procedermos à sua análise, cabe, através de algumas indicações, situar o percurso de Freud no que diz respeito à sua pesquisa sobre a angústia no período de 1900 a 1915.

Serão abordados dois dos textos nos quais Freud trata do problema clínico da angústia no período indicado: Análise de uma fobia em um menino de cinco anos (1909) – o caso do pequeno Hans - e Psicanálise silvestre (1910).

Desde os primeiros textos que tratam especificamente do fenômeno de angústia – entre 1893 e 1895 – até o escrito teórico posterior mais aprofundado sobre esse assunto intitulado A ansiedade, texto situado em Conferências introdutórias sobre psicanálise – entre 1915 e 1917 – transcorre um longo período de tempo no qual S. Freud amplia e aprofunda os conceitos estabelecidos na primeira fase da investigação psicanalítica das neuroses, além de voltar-se inteiramente para a clínica.

Com efeito, as cinco psicanálises clássicas que encontramos em sua obra foram escritas nesse período : o ‘caso Dora’ – Fragmentos da análise de um caso de histeria (1905 [1901] ) ; o ‘caso Hans’ – Análise de uma fobia em um menino de cinco anos (1909) ; o ‘caso do homem dos ratos’ – Notas sobre um caso de neurose obsessiva (1909) e o ‘caso do homem dos lobos’ – História de uma neurose infantil (1918 [1914] ). Outro dos casos de Freud não foi um atendimento clínico, mas uma análise literária : o ‘caso de Schreber’ – Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (dementia paranoides) (1911).

Foi então, nesse período, que houve um grande desenvolvimento conceitual, nessa ocasião Freud estava aprimorando os conceitos fundamentais da psicanálise e realizando uma intensa pesquisa clínica. Ele realiza a primeira sistematização de conceitos teóricos e técnicos – o inconsciente, a pulsão, o recalque e a transferência, que culmina nos artigos sobre a metapsicologia em 1915.

A primeira sistematização do conceito de inconsciente e do aparelho psíquico encontramos na Interpretação dos sonhos, texto de 1900.

Para a finalidade de cernir a mudança do conceito de angústia em Freud, parece interessante apontar, desse texto anteriormente citado, somente algumas indicações que se constituem a semente da elaboração posterior da angústia como sinal diante de um perigo; como sinal do ego para o afastamento do desejo inconsciente (Freud, 1900).

Freud descobre que os sonhos são uma realização de desejo, são impulsos plenos de desejo e que o desejo é sempre ‘infantil’.

Qual a natureza psíquica dos desejos? Qual a fonte dos desejos infantis ou recalcados, pergunta-se. Entende que é o inconsciente que fornece a força propulsora do desejo através das representações.

O recalcado – o inconsciente - é o registro da soma de excitação, isto é, seus representantes. O inconsciente recalcado ‘produz’ o desejo – só há desejo porque as pulsões são recalcadas.

O desejo, portanto, é de satisfação da pulsão; é a moção que busca restabelecer a situação de satisfação original.

Essa é a lógica da constituição do aparelho mental.

O impulso passa para o estado de repressão em função da fuga do estímulo – resistência que o torna inoperante – daí pensar que a insatisfação da pulsão é por estrutura. A repressão ocorre porque a consecução de sua finalidade causa desprazer (ao ego).

O ‘modelo’ do aparelho psíquico, nessa época, é o inconsciente recalcado, a censura (Pcs.) e o ego.

De um modo mais complexo, Freud expõe:

Esses desejos de nosso inconsciente, sempre em estado de alerta e, por assim dizer, imortais, fazem lembrar os legendários Titãs, esmagados desde os tempos primordiais pelo peso maciço das montanhas que um dia foram arremessados sobre eles pelos deuses vitoriosos e que ainda são abaladas de tempos em tempos pela convulsão de seus membros. Mas esses desejos, mantidos sob recalcamento, são eles próprios de origem infantil, como nos ensina a pesquisa psicológica das neuroses. Assim, eu proporia pôr de lado a afirmativa feita a pouco [...] e substituí-la por outra com o seguinte teor: o desejo que é representado por um sonho tem que ser um

desejo infantil (FREUD, 1987d, p. 505).

[...] solução do enigma de porque o inconsciente nada tem a oferecer durante o sono além da força propulsora para realização de um desejo. A resposta a essa pergunta deve lançar luz sobre a natureza psíquica dos desejos, e proponho fornecê-la mediante uma referência a nosso quadro esquemático do aparelho psíquico.

[...] As excitações produzidas pelas necessidades internas buscam descarga no movimento, que pode ser descrito como uma “modificação interna” ou “uma expressão emocional”.

[...] a excitação proveniente de uma necessidade interna não se deve a uma força que produza um impacto momentâneo, mas a uma força que está continuamente em ação. Só pode haver mudança quando, de uma maneira ou de outra (no caso do bebê, através do auxílio externo), chega-se a uma “vivência de satisfação” que põe fim ao estímulo externo. Um componente essencial dessa vivência de satisfação é uma percepção específica (a de nutrição, em nosso exemplo) cuja imagem mnêmica fica associada, daí por diante, ao traço mnêmico da excitação produzida pela necessidade. Em decorrência do vínculo assim estabelecido, na próxima vez em que essa necessidade for despertada, surgirá de imediato uma moção psíquica que procurará recatexizar a imagem mnêmica da percepção e reevocar a própria percepção, isto é, reestabelecer a situação de satisfação original. Uma moção dessa espécie é o que chamamos de desejo [...].

[...] A amarga experiência da vida deve ter transformado essa atividade primitiva de pensamento numa atividade secundária mais conveniente.

[...] O pensamento, afinal, não passa do substituto de um desejo alucinatório, e é evidente que os sonhos têm de ser realizações de desejos, uma vez que nada senão o desejo pode colocar nosso aparelho anímico em ação (FREUD, 1987d, p. 515, grifo nosso).

Freud estabelece, neste texto, uma relação entre a angústia e o desejo inconsciente.

Descobre que os sonhos de angústia também são sonhos de realização de desejo. Se for assim, a angústia tem relação com o desejo infantil recalcado. Os sonhos de angústia, segundo Freud, têm um conteúdo sexual – por um lado é a realização do desejo recalcado; por outro lado, realização de um temor.

No sonho, a participação do ego é a reação à satisfação do desejo recalcado com violenta indignação e desenvolvimento de angústia.

Já não é nada contraditório para nós a idéia de que um processo psíquico gerador de angústia possa, ainda assim, constituir a realização de um desejo. Sabemos que isso pode ser explicado pelo fato de o desejo pertencer a um sistema, o Ics. , ao passo que foi repudiado e suprimido pelo outro sistema, o Pcs . Mesmo quando a saúde psíquica é perfeita, a subjugação do Ics. pelo Pcs. não é completa [...]

[...]como sabemos, a relação do sonhador com seus desejos é muito peculiar. Ele os repudia e os censura – em suma, não gosta deles. Portanto, realizá-los não lhe dá prazer algum, pelo contrário; e a experiência mostra que esse contrário aparece sob a forma de angústia, fato esse que ainda está por ser explicado (FREUD, 1987d, p. 528, nota rodapé).

[...[ Mas essa interpretação “secundária” do sonho já se produziu sob a influência da angústia desenvolvida. Não é que eu estivesse angustiado por ter sonhado que minha mãe estava morrendo, mas interpretei o sonho nesse sentido em minha revisão pré-consciente porque já estava sob a

influência da angústia. Levando em conta o recalcamento, pode-se rastrear a origem da angústia até um anseio obscuro e evidentemente sexual que encontrou expressão apropriada no conteúdo visual do sonho (FREUD, 1987d, p. 528-531).

Portanto, nesse texto, Freud esclarece o conceito da libido como soma de excitação (endosomática) ligada a representações - a matéria libidinal da sexualidade - e, esclarece como essa libido infantil quer sempre se satisfazer – o desejo ‘infantil’ é o desejo de se satisfazer sempre, e ele é imortal. A realização do desejo inconsciente (de satisfação) pode resultar na reação de angústia, isto porque há uma instância que deseja e uma que censura o desejo.

Esses apontamentos da relação entre a angústia e o inconsciente se constituem na semente da elaboração posterior da angústia como sinal de alarme ante ao perigo que o desejo inconsciente representa para o ego.

Embora Freud nunca houvesse desconsiderado a angústia em sua investigação sobre as neuroses, até porque seus casos clínicos lhe trouxeram esse enigma renovado, houve um grande hiato entre seus primeiros textos em que faz uma elaboração conceitual sobre o assunto, e o posterior, em 1917.

No período após suas primeiras investigações, com as neuroses de angústia, a análise das fobias infantis – da qual Hans é o protótipo – proporcionou a Freud novas descobertas e articulações, já que as fobias se constituem sintomas neuróticos em que participa a angústia.

Com as fobias infantis abriram-se novas perspectivas de abordagem da angústia, a saber, sua causa sexual em sua face psíquica, ou simplesmente, sua causa inconsciente - sua causa psíquica a partir da constituição da sexualidade infantil.

O caso clínico do pequeno Hans tem portanto, um valor especial entre os casos atendidos por Freud nesse período, porque esclarece que a angústia deve seus fundamentos à constituição sexual infantil.

De fato, Freud se apóia não exclusivamente, mas principalmente, nas descobertas da angústia infantil, quando da elaboração conceitual realizada em 1917, no texto A ansiedade, bem como a retoma em 1926, no texto Inibições, sintomas e ansiedade, para reelaborar e ampliar pontos fundamentais que permitem estabelecer a segunda teoria da angústia, cujo aforismo se conhece – “toda angústia é angústia de castração”.

Em A ansiedade, de 1917, Freud conclui que a angústia e as fobias infantis são a precondição e o prelúdio para fobias posteriores – as histerias de angústia dos adultos – deixando anotado que a angústia do adulto se refere à sexualidade infantil. A inscrição psíquica da sexualidade desde a infância produz as condições para a produção de angústia.