• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II – Perceção de risco e turismo

2.4. Perceção e risco: articulação de conceitos

A revisão da literatura em torno da perceção de risco engloba uma diferenciação entre risco pessoal e risco geral, ou seja, o individuo tem tendência para aumentar ou diminuir a sua perceção de acordo com as experiências vividas ao longo da sua vida. Face ao risco, o indivíduo reage de acordo com aquilo que foi o seu processo de socialização, a sua história de vida e o ambiente que o rodeia (Heiderich, 2005).Um

PERCEÇÃO

Fatores da situação: local e hora fatores sociais frequência da situação Fatores do individuo:

condição física e personalidade valores e atitudes

interesses experiências

expetativas Fatores do alvo:

intensidade tamanho contraste movimento / mobilidade fisionomia, gestos e posturas

outro tipo de teoria revela que existem diferenças significativas entre homens e mulheres, principalmente no que respeita ao nível de confiança nos dados estatísticos sobre riscos (Beck, 2006; Slovic, 2000).

Os grandes contributos para o estudo sobre a perceção de risco vieram de áreas tão diversas como a economia, a ciência política, a psicologia, a sociologia e a antropologia. Podemos, assim, definir a perceção de riscos como a capacidade de interpretar uma situação de potencial dano à saúde ou à vida do próprio ou de terceiros, baseada em experiências anteriores e na sua extrapolação para um momento futuro. Esta capacidade varia entre uma vaga opinião, a uma firme convicção. Em termos psicológicos, a definição tem assentado sobretudo no processo de cognição, no conhecimento das características individuais e na sua relação com o processo de tomada de decisão (Slovic, 1987)

Estudos qualitativos, oriundos das ciências sociais, emergiram por oposição a uma análise mais quantitativa (Oltedal, Moen, Klemp & Rundmo, 2004). Contudo, para as ciências sociais, a procura da objetividade ou a negação das características subjetivas, tem impedido uma avaliação realista. Fatores tidos como subjetivos (éticos, morais e culturais), que direcionam as opções dos indivíduos, devem ser considerados neste tipo de estudos sobre a perceção de risco.

No que toca à psicologia, vários autores têm explorado a ideia de que os indivíduos têm tendência para correr riscos e que os traços de personalidade podem ser usados para explicar alguns comportamentos de risco, nomeadamente, autoeficácia, o excesso de confiança e o controlo percebido (Sjöberg, 2000; Slovic, 2000). As abordagens recentes sobre perceção de risco apontam para que esta seja encarada como um fenómeno multidimensional que pode oscilar entre a dimensão física para a psicológica ou de funcional para a política (Reichel, Fuchs & Uriely, 2007).

A Teoria Cultural de Risco (TCR) teve em Mary Douglas16 a sua principal preconizadora. Esta teoria considera que a perceção de risco resulta da construção social e cultural do mesmo, i.e., aquilo que é percebido como perigoso resulta da adesão cultural dos indivíduos aos valores do seu grupo de referência (Douglas & Wildavsky, 1982; Thompson, Ellis & Wildavsky, 1990). A teoria cultural tenta perceber o “como” e o “porquê” da formação individual de valores e julgamentos sobre o que constitui uma

16 Antropóloga, teve no seu trabalho de campo em África (Uganda) base para o desenvolvimento da TCR. O seu estudo recaiu sobre questões ligadas ao tabu e a forma como este representa perigo quando quebrado, sobretudo pelas mulheres.

verdadeira ameaça ou perigo. Estes julgamentos ou valores não podem ser produzidos independentemente da sociedade que os origina (Tansey & O’Riordan, 1999).

A TCR representa, por isso, a complexidade da própria cultura no que toca: (i) às múltiplas funções do sentido dado à cultura; (ii) à diferenciação e natureza dinâmica da cultura e (iii) à relação que mantém com outros aspetos, nomeadamente, ambientais, sociais, e políticos (Oltedal et al, 2004). Em resumo, podemos afirmar que a TCR é importante para percebermos a construção social do risco e os valores subjetivos implicados, mesmo quando falamos de ciência (Tansey & O’Riordan, 1999).

A Teoria Psicométrica de Risco (TPR) sublinha a importância do conhecimento do processo cognitivo, sendo que o risco pode ser entendido como uma função própria das propriedades de um objeto (Slovic, 1987). Esta teoria utiliza diferentes técnicas de análise multivariada que permitem quantificar as representações mentais ou criar “mapas cognitivos” de atitudes e perceções individuais perante o risco. Neste paradigma estão presentes determinadas características de risco que o tornam diferente em termos individuais e coletivos, assumindo uma forma multidimensional (vide tabela 2.1).

Tabela 2.1 - Características do risco

Tipo Características

“Voluntariedade” A medida em que a exposição ao risco é voluntária

“Imediatismo” A medida em que as consequências são percebidas no imediato

“Conhecimento da exposição” A medida em que uma pessoa sabe se foi exposta ao perigo

“Conhecimento” Analise dos peritos relativamente ao perigo

“Capacidade de controlo*” A medida em que o indivíduo pode controlar a gravidade das consequências face à exposição

“Novidade” A medida em que o perigo é novo para a sociedade

“Potência catastrófica*” Número de mortes

“Receio*” A medida em que os efeitos da exposição são temidos

“Gravidade*” A medida em que as consequências da exposição são graves

“Fatalidades*” A medida em que a exposição irá certamente trazer consequências negativas

“Aumento*” A medida em que o risco vai aumentando com o passar do tempo

“Prevenção*” A medida em que o risco pode ser prevenido

“Desigualdade*” A medida em que os riscos e os benefícios não são igualmente distribuídos por toda a sociedade

“Futuro*” A medida em que o risco irá afetar gerações futuras

“Catástrofe global*” A medida em que o risco pode ser uma ameaça mundial

“ Redução*” A medida em que o risco associado com o perigo pode ser facilmente reduzido.

“Impacto pessoal*” A medida em que o risco afeta cada indivíduo.

“Observabilidade” A medida em que os efeitos da exposição são observáveis.

* Diretamente relacionados com a perceção de risco.

Como podemos perceber a partir de uma leitura mais atenta da tabela 2.1 as características de risco pressupõem não apenas a perceção individual, mas também apresentam os aspetos mais objetivos de técnicos especializados. Estas considerações tornam-se particularmente úteis nesta investigação, sobretudo na análise de risco feito pelos especialistas consultados.

Weber (1988) sustenta a visão anterior pelo recurso a três paradigmas: (i) o axiomático (dá enfoque na forma como cada pessoa subjetivamente transforma uma informação sobre um risco objetivo); (ii) o sociocultural (estuda o efeito do grupo social ou cultura na perceção de risco); e, por último, o (iii) psicométrico (analisa as reações emocionais a situações de risco que afetam o julgamento do risco físico, ambiental e material, para além das suas consequências mais diretas e objetiváveis).

Apesar de em áreas de estudo diferentes, Slovic (2000) e Douglas (1982), reconhecem que tanto o risco, como a resposta a este, são um constructo social. Slovic (2000) adianta, ainda, que é preciso que distingamos entre o que é uma probabilidade e a perceção de um risco, uma vez que risco real e risco percecionado são dimensões diferentes. O autor reconhece que a equação: risco resposta é mediada por valores, o que leva a pressupor que outros fatores para além de uma avaliação meramente técnica do risco são importantes para compreender a forma como cada indivíduo percebe e responde a uma situação.

Na análise de perceção de risco, Rutter, Quine e Albery (1998) introduziram o conceito de otimismo irrealista. Este conceito é baseado na ideia de que, tendencialmente, as pessoas têm a crença em alguma invulnerabilidade a certo tipo de riscos. Este otimismo irrealista influencia a perceção de risco a partir da avaliação cognitiva de uma situação. Em regra isto acontece quando o indivíduo acredita que quanto mais controlo tiver sobre uma situação negativa maior será a sua perceção de invulnerabilidade. Aqueles que têm comportamentos de risco no quotidiano estão positivamente relacionados com um elevado valor de risco e com a falta de segurança.

Utilizando um exemplo concreto para ilustrar o que acabámos de referir, Middleton, Harris e Surman (1996) conduziram um estudo entre praticantes de atividades radicais, nos quais encontraram um grau elevado de otimismo irrealista. Os praticantes de Bungy jumpers consideravam que a possibilidade de terem um acidente era menor comparativamente a outros participantes em atividades radicais, até mesmo no momento que antecede o salto. Os autores concluíram que numa situação na qual os indivíduos demonstram uma atitude de controlo, a perceção de risco baixa

consideravelmente. À medida que cresce a sua experiência e familiaridade com uma situação mais arriscada os indivíduos tendem a sentir um maior nível de competência individual, sendo que a perceção de risco resulta da combinação entre conhecimento, capacidade, atitude, comportamento, confiança e experiência. Os autores sugerem ainda que à medida que os indivíduos se familiarizam com uma determinada atividade ou local, tendem a aumentar o sentimento de competência. No entanto, em nosso entender, os autores não refletiram sobre uma questão que nos parece interessante: a diferença de perceção na relação com o género.

Sendo a perceção de risco, como vimos anteriormente, uma realidade subjetiva, também a capacidade individual para enfrentar um risco o é. A capacidade que cada um julga ter para lidar com um determinado risco conduz a que este antecipe o resultado de uma situação. Quando a perceção de risco é maior do que as competências, os indivíduos tendem a antecipar uma situação negativa (Rutter, Quine & Albery, 1998).

Nos últimos anos, uma nova teoria tem ganho terreno no estudo da perceção de risco, denominada por teoria da confiança (TC) a qual preconiza a necessidade da existência de confiança como forma de influenciar a perceção de risco. Esta confiança advém, sobretudo, do meio que a transmite, por exemplo os meios de comunicação e o grau de segurança que o indivíduo sente, ou não, em relação à fonte de informação (Oltedal et al, 2004). No caso do turismo tem-se revelado importante na medida em que grande parte da informação que o turista recebe sobre segurança do destino turístico é através dos meios de comunicação.

A exploração do conceito de perceção de risco realizado anteriormente abre caminho para introduzirmos no ponto seguinte o conceito na análise da realidade turística.

Documentos relacionados