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Percebe-se que prêmios e castigos se mantiveram por todo o período

que se denomina “Escolarização moderna”, mas passando por mudanças em seus critérios, usos e representações.

Pineau (2008, p.84), Viñao Frago (2008, p.37) e Hamilton (2001, p.51) definem a escolarização como processo originado com as instituições surgidas a partir do século XVI, uma das maiores invenções da modernidade, e ao mesmo tempo, a responsável pelo seu triunfo: “A Modernidade ancorou- se na escola e a escola ocupou-se da modernização” (PINEAU, 2008, p.85). Para Vincent, Lahire e Thin (2001) indica o surgimento de uma forma

escolar: “A escola como instituição na qual se fazem presentes formas de relações sociais baseadas em um enorme trabalho de objetivação e codificação, e o lugar de aprendizagem das formas de exercício do poder” (VINCENT, LAHIRE e THIN, 2001, p.30), presente nas normativas que regulam as relações entre os sujeitos. Dessa forma tanto castigos como premiações, apresentavam-se como expressões de um código, que permaneceu apesar da mudança nas regras.

Parte considerável da bibliografia sobre prêmios e castigos associa a utilização das recompensas como alternativa disciplinar mediante a proibição das punições corporais nas escolas. Entretanto, uma prática não substituiu a outra, pelo contrário, por muito tempo as duas modalidades coexistiram.

É o que se percebe na leitura das primeiras normativas para instituições educacionais católicas, caso, por exemplo, da Ratio Studiorum14, elaborada em 1599 pelos padres jesuítas e da Conduite des Ecoles

Chretiennes15 de João Baptiste de La Salle datada de 1720. Nesses dois

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Para esse estudo foi utilizada a tradução em espanhol do texto original da Ratio Studiorum de 1599, feita por Gustavo Amigó e revisada por Dr. Daniel Alvarez, S.J. O texto em pdf

encontra-se disponível no site:

http://www.danielpallarola.com.ar/archivos/ratiostudiorun1599.pdf. acesso 10/05/2013. 15 Traduzido como Guia das Escolas Cristãs, segundo o prefácio, foi inicialmente manuscrito em 1706, e publicado em 1720, após a inclusão da introdução e prefácio que circulavam entre os Irmãos do Instituto das Escolas Cristãs na forma de manuscrito no início de 1700.

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textos o uso de castigos físicos e morais, assim como das recompensas escolares são detalhadamente prescritos, sem que o uso de um seja apontado em substituição a outro.

Segundo Laeng (1978) recompensar é qualquer consequência agradável a um ato realizado, com função motivacional. Em sentido pedagógico é digno de recompensa ou ato meritório, desempenhar uma ação ou comportamento, livremente escolhido, que o faça sobressair aos demais, tornando-o merecedor de honras. O ato de recompensar é o reconhecimento que provém da vontade da autoridade educativa (LAENG, 1978, p.241). A pesquisa não diferencia semanticamente o que é recompensar e premiar, mas adota a palavra prêmio para o reconhecimento expresso em titulo e materialidades.

A passagem do século XVIII para XIX na França é marcada por processos revolucionários, que resultam na ascensão da burguesia ao poder, a expansão do conceito de cidadania e transformação dos direitos individuais. Foucault (1983) descreve a transição operada nesse período, no qual as formas de punição centradas no corpo foram paulatinamente substituídas pelo controle e vigilância dos indivíduos, dando origem a uma sociedade disciplinar.

No decorrer do século XIX os movimentos de restauração das monarquias na Europa, estenderam-se para a Igreja que objetivava reaver o poder perdido em virtude da laicização promovida durante o processo revolucionário francês. Dallabrida (2001) afirma que desse catolicismo restaurado emergiram novas congregações religiosas masculinas, pautadas em discursos pedagógicos com fortes princípios disciplinares, caso dos Salesianos e seu Sistema preventivo, e dos Irmãos Maristas com o Guia das Escolas (DALLABRIDA, 2001, p.151).

Foi neste contexto que se concretizou a atuação do Padre Marcelino Champagnat, fundador da Congregação Marista, responsável pela administração do Colégio Arquidiocesano de São Paulo desde 1908 até a presente data. A principal normativa da congregação, o Guia das Escolas

Tradicionalmente creditado a São João Batista de La Salle, a obra foi formulada também a partir dos manuscritos dos irmãos datados de 1691 e 1694.

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Maristas, apresenta como prêmios e castigos foram prescritos e possivelmente aplicados em seus estabelecimentos de ensino.

O Padre Marcelino Champagnat e a fundação do Instituto dos Irmãos Maristas

Joseph Benoit Marcellin Champagnat16 nasceu no dia 20 de maio de 1789 em Marlhes na França. Filho de uma família de agricultores extremamente católica recebeu de sua mãe e tia os primeiros ensinamentos nas letras e na religião. Durante a juventude recebe a visita de um padre em busca de vocações para o clero, desestruturado após o processo revolucionário francês. Apesar de ter abandonado precocemente a escola, e ser praticamente analfabeto, o jovem Marcelino aceita a carreira sacerdotal.

No ano de 1805 Champagnat ingressa no Seminário Menor em Verrières, enfrenta dificuldades, mas, conclui os primeiros estudos. Continua sua formação no Seminário Maior em Lyon, no qual se ordenou em 1816. No mesmo ano o Padre Marcelino Champagnat tornou-se vigário da paróquia de La Valla, na qual tomou contato com a carência religiosa e intelectual das crianças. É por meio dessa experiência que pôs em andamento o plano de fundar uma sociedade de Irmãos reunida na devoção à Virgem Maria.

Esse episódio marca o início da história do Instituto dos Irmãos Maristas das Escolas17, no ano de 1817. A constituição de uma sociedade de Irmãos e não de Padres, expressa a preocupação do fundador em ter religiosos totalmente desobrigados da ministração dos sacramentos, e assim integralmente dedicados ao trabalho missionário.

Nas palavras do Padre Marcelino Champagnat percebe-se a quem se destinava a obra e a influência recebida dos lassalistas: “... senti a urgente necessidade de fundar uma Sociedade que pudesse, com poucos gastos, proporcionar às zonas rurais o ensino que os Irmãos das Escolas Cristãs ministravam nas cidades” (MISSÃO, 2000, p.97). O Instituto dos Irmãos

16 Existem divergências sobre a tradução do nome do pai fundador da congregação Marista. Em algumas obras é citado o nome José Bento Marcelino Champagnat, em outras Marcelino José Bento Champagnat.

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Maristas surge com seu “carisma” 18, sua missão essencial, dedicado

exclusivamente à educação, sendo o objetivo principal a instrução e evangelização da infância pobre e camponesa, posteriormente alargada a todos os grupos sociais.

A trajetória de Marcelino Champagnat foi escrita em biografias como mito no qual se fundamentam os pressupostos da missão dos Irmãos Maristas, pautada na pedagogia da presença19. Uma delas relaciona-se às

regras disciplinares nas escolas mantidas pelos Irmãos Maristas, justificadas pela negativa experiência de escolarização vivenciada pelo fundador, e expressa nas seguintes memórias captadas pelo seu biógrafo:

No primeiro dia de aula, como era tímido, e não ousava sair do lugar, o mestre o chamou junto a si para a leitura, mas outro aluno apresentou-se e postou-se à frente de Marcelino. O mestre, tomado de nervosismo, pensando talvez em agradar ao jovem Marcelino, deu uma bofetada no rapaz que se adiantara e o mandou chorando para o fundo da sala. Tal atitude não era de molde a tranquilizar o novo aluno, menos ainda levá-lo a curar sua timidez. Ele diria mais tarde que tremia todo e tinha mais vontade de chorar do que ler. Essa brutalidade revoltou-lhe o espírito de justiça. Pensou consigo: não volto à escola de tal mestre. (...) Não me interessam, pois, nem suas lições e menos ainda seus castigos. De fato, apesar das insistências dos pais não quis mais voltar a estudar com aquele professor (FURET, 1999, p.5).

O Ir. Jean Baptiste Furet ao relatar esse fato, na obra Vida de São

Marcelino José Bento Champagnat, publicado originalmente em 1856,

recorda que tal incidente foi muitas vezes narrado pelo pai fundador, como forma de alertá-los sobre como “as correções intempestivas podem afastar as crianças da escola, indispô-las contra os professores e levá-las a detestar as lições” (FURET, 1999, p.5). O fato narrado estabeleceu-se como mito

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Na teologia católica abrange três sentidos: todo dom da graça com os frutos que produz no homem; uma graça transmitida pela imposição das mãos; e a graça livremente concedida pelo Espírito Santo em vista do bem comum e da Igreja. A estrutura fundamental da Igreja é o carisma. Na Igreja dão-se conta também de estados carismáticos, como o de Apóstolo, Profeta, Mestre, Evangelista e Pastor (Porto e Schlesinger, 1995, p.152).

19 Na publicação Missão Educativa Marista aparece o conceito de Pedagogia da Presença, o “jeito de educar” segundo as palavras de Marcelino Champagnat, nas quais a presença atenta e acolhedora dos educadores junto às crianças e jovens era incentivada (Missão, 2000, p.55-56). Atualmente é a base ideológica da atuação dos professores das escolas do Instituto Marista.

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fundador da atuação dos Irmãos que deveriam educar sem fazer uso dos castigos corporais e evitar outras punições, estabelecendo uma relação de afeição recíproca e utilizando recursos mais atrativos, como as premiações, para garantir adesão ao seu modelo escolar.

A preocupação em manter as crianças assíduas à escola, obedientes a seus mestres, e empenhadas em suas atividades e deveres, estavam além do esforço pela educação intelectual, eram maneiras de difundir a missão evangelizadora Marista: “Tornar Jesus Cristo conhecido e amado”.

Em La Valla foi fundada a primeira escola em 1817, acolhendo crianças pobres, gratuitamente ou mediante pequena contribuição, segundo a documentação pesquisada. O Padre Champagnat insistia na formação de Irmãos para a instrução no meio rural. Nos anos seguintes foram fundados casas de educação em Marlhes, Saint-Sauveur e Tarentaise. Mello (1996, p.51) descreve o currículo do curso primário: instrução religiosa, ensino de leitura, elementos da gramática francesa, cálculo, desenho linear, sistema legal de pesos e medidas, elementos da Geometria, canto e elementos de História e Geografia.

Com a expansão das escolas nas regiões rurais, surgem os convites de outras dioceses para que os Irmãos atuassem também nas grandes cidades, assim surgem escolas em Bourg Argental e Lyon. Em 1824 é erguida a casa sede da congregação Notre Dame de L’Hermitage. A missão de difundir o carisma Marista resultou na expansão de suas obras. No ano de 1840 quando faleceu o padre Champagnat, aos 51 anos, deixava 280 irmãos maristas e 47 escolas primárias em funcionamento que atendiam cerca de 7 mil crianças na França.

A expansão da Congregação Marista.

Segundo Mello (1996) a expansão da missão Marista para outros continentes começa com a transferência de três Irmãos para Oceania (1836), e posteriormente o envio de religiosos para Inglaterra (1852), Bélgica (1858), Irlanda (1862), União Sul Africana (1867), Turquia (1868), Austrália (1871), Nova Caledônia (1873) e Nova Zelândia (1875). A presença Marista na

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América tem início com a chegada ao Canadá (1885), Estados Unidos (1886), Brasil (1897), Colômbia e México (1899), Cuba e Argentina (1903).20

Para a autora a expansão Marista se relaciona a três questões contextualizadas no decorrer do século XIX. O movimento ultramontano europeu, no qual a Igreja incentivou o deslocamento de ordens religiosas para diversos países, como forma de combater o protestantismo e demais credos, e impor um catolicismo mais erudito e centrado nas designações da Santa Sé (MELLO, 1996, p.65).

A política imperialista francesa, empreendida na Ásia e África, foi outro ponto relevante. Os Irmãos teriam recebido apoio nesses territórios, de outras sociedades missionárias e do próprio governo, que acabaram por garantir sua permanência e atuação (MELLO, 1996, p. 60 e 89). O Estado francês havia reconhecido a congregação em 1851, o que levou à parceria com o Instituto, e contribuiu para a expansão de suas escolas.

As boas relações entre o Estado francês e a Igreja tornaram-se tensas no final do século XIX, o que acarretou a expulsão da Congregação Marista do país. Segundo Mello (1996) no ano de 1881 o governo francês impôs a laicização do ensino a todos os estabelecimentos oficiais, tendo os Irmãos que recorrer a muitos artifícios para manter suas escolas. Em 1889 a lei tornou o serviço militar obrigatório para os religiosos, dificultando a atuação docente. Somando-se a estes fatos, em 1903 o governo decreta a dissolução completa da congregação, resultando na transferência da casa-mãe para Grugliasco na Itália (MELLO, 1996, p.60-64).

Chegadas dos Irmãos Maristas ao Brasil

O estudo sobre um estabelecimento de ensino confessional como o Colégio Arquidiocesano, precisa considerar a transferência de religiosos pertencentes a congregações europeias ao Brasil, como parte do processo de romanização da Igreja Católica. Para Monteiro (2011) a intelectualização dos quadros eclesiásticos tornou o catolicismo mais erudito e atraente às elites e camadas médias urbanas, além de ter contribuído para a distinção

20 Atualmente o Instituto dos Irmãos Maristas está presente nos cinco continentes, em 80 países.

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cultural das classes privilegiadas. Entre as congregações católicas que se estabeleceram no país para atuação educacional, entre o final do século XIX e início do XX, estão Irmãs de Chamberry, Lazaristas, Jesuítas, Beneditinos, Salesianos e os Irmãos Maristas.

A presença Marista no Brasil data de 1897, com a chegada dos primeiro grupo de religiosos ao Colégio e Externato Bom Jesus na cidade de Congonhas do Campo, Minas Gerais. Eram estes os Irmãos Andrônico, Aloísio, Basílio, Luís Anastácio, Afonso Estevam e João Alexandre. Azzi (1997, p.57-58) esclarece que a vinda desse grupo foi fruto das solicitações de D. Silvério Gomes Pimenta, bispo de Mariana, em sua passagem por Roma em 1895, desejoso da vinda a Minas Gerais de mais congregações católicas dedicadas à educação. A recomendação da Santa Sé foi acatada pelo Ir. Teofânio, na ocasião superior do Instituto dos Irmãos Maristas.

No ano de 1899 a congregação aporta na cidade de São Paulo a convite do Monsenhor Camilo Passalacqua, temeroso com o avanço do ensino leigo e da escola protestante (AZZI, 1997, p.115). A primeira obra assumida foi o Colégio Nossa Senhora do Carmo, dirigido pelos Irmãos e financiado pela Venerável Ordem Terceira do Carmo. No ano de 1902 era fundado o primeiro estabelecimento de propriedade Marista, o Colégio Nossa Senhora da Glória, no bairro do Cambuci, no qual ofereceram o ensino primário essencialmente aos filhos de operários de origem italiana. Em 1908 os Maristas assumem o Colégio Arquidiocesano de São Paulo.

As negociações para essa transferência haviam começado quatro anos, entre o superior do Instituto dos Irmãos Maristas no Brasil, Ir. Adorátor e o bispo de São Paulo Dom José de Camargo Barros. Em suas memórias sobre os 20 primeiros anos de atuação no país, Ir. Adorátor (2005) assim se recordava desse período:

Se naquele momento, em que a timidez revestia tudo com selo de grandeza e de algo extraordinário, me dissessem: “Este Colégio, que hoje o impressiona e lhe parece estabelecimento de primeira ordem, será seu dentro em breve”, ter-me-ia parecido inverossímil, e apenas o riso descrente teria sido a minha resposta (IR. ADORÁTOR, 2005, p.485).

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Figura 2. Edifício do Collegio Diocesano, na Av. Tiradentes, 1906. Fonte: Documentos para a Equiparação. Acervo do Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano de

São Paulo.

Ir. Adorátor (2005) considerava que o Colégio Diocesano ultrapassava os modestos meios que a congregação dispunha em São Paulo. A resistência foi cedida perante a insistência do bispo D. Duarte Leopoldo e Silva e o aconselhamento do Ir. Isidoro Régis, mais conhecido como Ir. Isidoro Dumont.

Para Azzi (1997) a nomeação de Ir. Isidoro Dumont para o cargo de reitor, homem de vasta cultura e experiência na direção do Colégio do Carmo, expressava o desejo em comandar um estabelecimento que se distinguisse pela seriedade nos estudos, e no qual o sistema de internato auxiliaria na realização plena do projeto educacional Marista (AZZI,1997, p.151).

Segundo Mello (1996, p.131) entre as primeiras medidas à frente do Colégio Arquidiocesano, os Maristas promoveram a substituição do corpo docente anterior formado por leigos, utilizando a mesma estratégia da congregação na França, investir na formação de Irmãos em estudos mais avançados para exercício da docência. Para a autora essa atitude demonstra que os Maristas estavam a serviço do clero romanizado de São Paulo e desejavam imprimir uma nova diretriz ao ensino confessional católico. Além disso, Mello (1996) e Azzi (1997) afirmam que os irmãos justificavam a necessidade de uma homogeneidade na postura dos professores como

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forma de enfrentar a resistência dos alunos a um padrão disciplinar mais severo, fato ressaltado pelo Ir. Adorátor:

O jugo da obediência é duro para quem não foi talhado desde a infância. Assim, entre os jovens brasileiros não é raro encontrar recusa formal à submissão. Esses casos de rebeldia contra a autoridade espantam e revolucionam os jovens professores; mas salvo raras exceções, são apenas movimentos espontâneos da natureza, que a razão e a reflexão reprimem facilmente. A falta de homogeneidade no pessoal leva os alunos a recorrer muitas vezes ao diretor. Quando o corpo docente é de uma congregação, isso não acontece pelo simples fato de que não há nada que esperar (IR. ADORÁTOR, 2005, p.492).

O fragmento citado indica um esforço dos Irmãos no início de sua atuação no Colégio Arquidiocesano para impor aos alunos os critérios que a congregação reconhecia como necessários ao ensino e ao bom funcionamento de suas casas de educação.

Figura 3. Primeira comunhão dos alunos do Colégio Arquidiocesano, 1916. Ao centro o arcebispo de São Paulo, D. Duarte Leopoldo e Silva. Na lateral direita, o Ir. Isidoro Dumont,

reitor do colégio. Acervo do Memorial do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo.

Esta necessidade justificou também uma mudança do corpo docente, as poucas exceções de professores leigos admitidos foram feitas para o ensino de música e instrução militar (MELLO, 1996, p. 132-136), disciplinas com carga horária reduzida, e nas quais os Irmãos não poderiam lecionar. A principal preocupação era tornar o discurso e atuação dos professores coerentes com a missão educacional da congregação e para isso a presença

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essencialmente Marista seria fator imprescindível. Todos os docentes seriam seguidores dos princípios deixados por Marcelino Champagnat e orientados pelo Guia das Escolas Maristas.

A elaboração do Guia das Escolas Maristas data de um período anterior à vinda dos Irmãos Maristas ao Brasil, no início da expansão do Instituto. Não é um tratado teórico, mas manual prático e metodológico em um momento em que a congregação se espalhava. Os eventos enfrentados pela congregação no final do século XIX na França teriam colaborado para a consolidação dessa normativa. Tornou-se necessário garantir uniformidade na execução dos objetivos lançados pelos sucessores do Padre Champagnat, e promover rápida formação dos Irmãos professores, independente do distanciamento geográfico da sede da congregação.

O Guia das Escolas Maristas

O Guia das Escolas Maristas21, publicado originalmente em 1853, foi

um dos textos elaborados no decorrer das reuniões do 2º Capítulo Geral do Instituto dos Irmãos Maristas, que ocorreu nos meses de maio de 1852,1853 e 1854, e prevaleceu como documento orientador desde sua primeira publicação até o ano de 1960, quando o Concílio Vaticano II, propôs uma reorganização da Igreja Católica e novas diretrizes educacionais.

A normativa contempla as diretrizes para o funcionamento das casas de educação sob o cuidado dos Irmãos Maristas, entre as quais, os métodos de ensino, de disciplina, formação religiosa e a preparação dos jovens Irmãos. A maior preocupação não estava nas teorias pedagógicas, mas na necessidade de responder à urgência que a congregação tinha com a promoção de certa unidade em suas escolas.

Sem dúvidas o Guia das Escolas Maristas parte de uma tradição das escolas católicas expressa em suas normativas, e à semelhança destas, foi formulada pela experiência escolar que se transformou em código. O Guia se elaborou de dentro para fora, esclarecendo os fundamentos da filosofia

21 O título original da obra é Guide des Écoles traduzido como “Guia das Escolas para o uso dos Pequenos Irmãos de Maria, redigido segundo as regras e as instruções do Senhor Padre Champagnat Fundador deste Instituto”.

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Marista, indicando os métodos pedagógicos, e prevendo situações a serem geridas pelos Irmãos no conjunto das escolas mantidas pela congregação.

Tridapalli (2006) e Dallabrida (2001) percebem aproximação entre a

Ratio Studiorum dos jesuítas e o Guia das Escolas Maristas, identificada nas

práticas disciplinares impostas sobre o corpo dos alunos e nas relações de poder implícitas na formação destes. Conhecida como primeiro método pedagógico dos padres da Companhia de Jesus, a Ratio traz uma detalhada normatização em torno do funcionamento dos seus colégios.

A Ratio é a primeira normativa escolar a descrever o ato de premiar alunos distintos e as diferentes modalidades de disputa como meios de ampliar conhecimento e incentivar a formação intelectual. Para Varela e Alvarez-Uria (1991) a emulação e a valorização do mérito individual nos colégios jesuíticos indicam o surgimento de uma cultura escolar em ruptura com as formas de aprendizado operadas antes da modernidade:

Todo este processo competitivo e de emulação se reforça com debates e exames públicos, aos quais assistem as autoridades locais, as famílias e os colegiais. Compreende-

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