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Prêmios e castigos são elementos próprios da escolarização,

consolidados ao longo de quatro séculos, e que permaneceram no cotidiano das instituições de ensino. Práticas que atravessaram as mudanças de modelos pedagógicos e a expansão da educação escolarizada. Realizaram- se em diferentes ações, receberam novos objetivos e foram ressignificadas pelo campo educacional resistindo assim no interior das escolas.

Prêmios e castigos são como jogos de espelho, práticas opostas, que funcionam em correlação, a aplicação da recompensa relaciona-se à existência da punição, seu contrário dialético. Mas não são equivalentes, apresentam objetivos e sentidos diferentes que se entrelaçam visando os objetivos pedagógicos da escola.

Castigar envolve atos como ferir o corpo, expor moralmente e impor a repetição do exercício. O mesmo regulamento inclui sanções como golpear um aluno com palmatória, pendurar em seu pescoço uma placa com a inscrição “Sujo”, ou fazê-lo recitar um poema. As ações que caracterizam a necessidade de punir, ora mudam, ora permanecem. Colocar o aluno de joelhos é uma reincidência em longo período, que se destaca pelo caráter moral religioso de seus aspectos. Castigar era necessário para criar um espírito forte e a disposição para o aprendizado.

Pensando a cultura escolar, interpretar as punições físicas como ranço de uma sociedade escravocrata se apresenta como uma explicação externa a escola. Já o sadismo do professor em relação ao seu aluno, não explica totalmente os movimentos discentes que também incriminavam os colegas. A violência foi por muito tempo legitimada no ato educativo, em diferentes modelos pedagógicos e por manifestações criadas e estimuladas por práticas e interesses escolares e, muitas vezes, indicadas como códigos aceitos pela própria comunidade.

A dor física aplicada individualmente para reparação da falta cedeu lugar à exposição humilhante como correção pública e coletiva. Contudo as punições de cunho moral mostraram a existência de ações piores do que ferir

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a carne. Mesmo pelo “negativismo” as ações esperadas pelo castigo eram pedagógicas. Posteriormente o erro foi entendido como parte do processo educativo, o que converteu castigo em prática condenável e vergonhosa. Foi assim criticado, proibido e coibido em algumas de suas expressões, mas nunca totalmente abolido. A escola desenvolveu seus mecanismos discretos de punição.

O prêmio é associado ao mérito, homenagem merecida por aquele que excedeu aos demais, por seu trabalho e capacidade superior, e não por origem social. Interpretação que nega o peso das condições sócio econômicas no destino dos indivíduos, e apesar e todas as críticas, se cristalizou na mentalidade das pessoas.

A exaltação das vitórias em batalhas, do êxito nas competições esportivas, e conquista em concursos artísticos e literários, construiu a premissa do vencedor. A emulação foi construída como condição inerente ao homem, algo que o acompanha desde sua gênese, legitimando assim uma relação de concorrência com o outro, e o discurso de disposição para as pelejas reais e simbólicas que a vida impõe.

O utilitarismo que muitas vezes se deseja conferir à escola tem sua parcela de responsabilidade. O bom resultado em avaliações, a equiparação aos estabelecimentos de ensino tradicionais, o reconhecimento do governo, ocorre mediante critérios que consideram o rendimento escolar com base nos resultados em exames, e por isso a escola foi, e continua sendo mobilizada para atingir o que se concebe por bom rendimento escolar: notas altas, domínio dos conteúdos didáticos, disposição para a avaliação, frequência, entre outros.

Analisando o caso do Colégio Arquidiocesano de São Paulo, percebe- se que o significado das práticas de prêmio e castigo foram amplas e deixaram marcas na vida em regime de internato. Definiram no edifício os espaços de honra destinados aos Quadros, troféus e homenagens, e os de correção, que forçavam o isolamento e silêncio. Promoveram outras divisões do tempo através das avaliações: sabatinas, exames, concursos. Criaram rituais: proclamação de notas e divulgações de resultados, solenidade de entrega de medalhas. E cadenciou os momentos de lazer e atividades

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escolares: ofertando ou suspendendo, recreios, passeios, jogos, saídas, de acordo com a intenção de recompensar ou punir.

O Colégio Arquidiocesano manejou prêmios e castigos com objeitos pedagógicos, promovendo saberes e habilidades que tinham por intuito a formação integral do aluno, o que reunia diversas ações: a adequação corporal na postura socialmente correta, ereta e contida, o aprendizado sobre a relação dos indivíduos com os espaços, a educação das sensibilidades refinadas, a formação moral conduzida para a virtude, o conhecimento e a adesão ao catolicismo romanizado, a constituição de um repertório intelectual erudito.

Pode-se inferir que o sistema de prêmios estabeleceu uma cultura classificatória do interior da escola na qual a categorização dos alunos, era feita em adjetivos como melhores/piores foi comum. A instituição também produziu sujeitos que não se enquadravam entre os ótimos. Para estes o convívio em meio a essas demandas e critérios mostrou-se muito difícil e o castigo mais constante do que as recompensas.

O objetivo era formar o Varão, indivíduo masculino virtuoso, com capacidade e potência moral, consciência e disposição para o bem comum. E cuja virilidade digna do gênero, estava expressa em sua alta competitividade. No universo masculino que caracterizava o internato do Colégio Arquidiocesano, a emulação constante intencionava moldar o menino em homem concorrencial, independente das relações com o conjunto de práticas terem sido gratificantes ou odiosas. Vencer com modéstia e aceitar a derrota com elegância são traços que deveriam ficar impressos nessas personalidades.

Para os alunos as recompensas e punições ofereciam um aprendizado sobre quais condutas, disposições e resultados, eram necessários para sua boa inserção à escola e desejados socialmente. Prêmios e castigos deixaram marcas permanentes na personalidade desses meninos como homens, construindo suas percepções em torno de ideias como mérito, trabalho, caráter, dever e vontade.

Aparentemente os alunos partilhavam desse jogo de exposição e hilaridade, contudo, foram divulgados apenas os textos cuidadosamente

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selecionados. É necessário pensar que o público leitor pode não ter recebido bem essa estratégia, que desapareceu junto com o declínio das publicações. Toda essa exposição pode ser indicativa de que o regime do internato já apresentava sinais de falência.

Além disso, essas práticas, prescritas com aura de imparcialidade em normativas e regimentos, se concretizam em meio a relações tensionadas entre os sujeitos, de acordo com seus interesses e possibilidades. O poder do mestre em manipular as ações de recompensas e punição foi balizado pelos parâmetros sociais. Prêmios e castigos fundamentaram-se em valores partilhados pela sociedade. Ao tornar a família partícipe desses mecanismos, com o envio de boletins, postos de honras e advertências por escrito, obtinham a legitimação dessas ações. Ao extrapolar o âmbito escolar de maneira habilmente conduzida, foram cristalizadas na mentalidade coletiva e reconhecidas como meios para o que se definiu como modelo de uma boa e sólida educação.

A instituição promoveu ações de premiação e punição como forma de tornar públicas as proezas de seu corpo discente e os êxitos institucionais. Ao divulgar as fotos dos alunos meritórios, entre os resultados de exames oficiais e homenagens aos antigos alunos formados em Direito e Medicina, indicava qual o destino social que se abria a seus alunos. As punições, cuidadosamente selecionadas, indicavam os esforços para a educação de um espírito forte e erudito. A instituição se apresentava como exemplo de bom ensino, local de formação de grandes homens, e visava o reconhecimento da importância das escolas particulares católicas no projeto educacional brasileiro.

As premiações hoje não são feitas em solenidades de encerramento de ano, com entregas de medalhas e cartões de mérito, ou em páginas de honra nas revistas institucionais, nem os castigos colocam alunos em pé virados para a parede, ou decorando linhas. Entretanto, ambos estão presentes em matérias sobre os vencedores nas Olimpíadas de Matemática, nos baixos rendimentos que se revertem em recuperações obrigatórias, nas faixas homenageando os aprovados no vestibular e no diagnóstico de transtornos de aprendizagem. Premiados continuam sendo homenageadas,

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enquanto os castigados são escondidos nas brechas que as ideias pedagógicas, que constantemente mudam, vão deixando para contradições do âmbito escolar.

Figura 32. Pátio do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo, 2013. Os banners em tamanho gigantes são homenagem aos “Alunos Brilhantes aprovados nos Vestibulares”.

Fonte: Departamento de Comunicação do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo.

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FONTES

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