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Nesta seção serão abordadas as características para a construção de um modelo ideal a partir de percepções de agentes das políticas setoriais de defesa, diplomacia e inteligência e por parte de pensadores e acadêmicos. As percepções foram captadas por meio de questionários enviados por correio eletrônico aos entrevistados. Houve, também, algumas respostas oriundas de entrevistas pessoais.

Dos 21 entrevistados, 19 responderam à questão sobre o modelo ideal. A pergunta sobre o modelo ideal foi elaborada da seguinte forma: “Segundo a sua experiência e o seu conhecimento, qual seria o modelo ideal de interação entre defesa, diplomacia e inteligência no Brasil?”165. As respostas foram variadas; porém, a seguir, encontra-se uma síntese do que foi proposto pelos entrevistados. Por meio do método de codificação, os principais aspectos abordados pelos entrevistados estão listados na forma das seguintes categorias analíticas: a) institucionalização; b) coordenação da interação; c) reforço dos e nos canais de interação existentes; d) estratégia internacional; e) participação do Congresso/sociedade civil; f) SISBIN.

Institucionalização

Para um modelo ideal, o aspecto genérico mais ressaltado pelos entrevistados foi o da institucionalização do processo de interação. Este elemento foi abordado frequentemente por meio de exemplos e variou de formas gerais a mais específicas. Entre as respostas mais gerais sobre a institucionalização, algumas são ilustrativas:

O modelo ideal consiste na maior integração entre as Instituições de Inteligência, Diplomatas e o Ministério da Defesa. No Brasil, a Diplomacia ainda não é discutida de forma ampla com as Instituições de Inteligência do SISBIN (Representante da Inteligência).

Devem existir mecanismos formais de consulta e planejamento entre as três áreas (Representante da Diplomacia).

Outro entrevistado propôs genericamente a institucionalização, mas enfatizou quais deveriam ser os principais órgãos e membros envolvidos:

A institucionalização de debate de alto nível entre o DG [Diretor Geral] da ABIN, os comandantes das Forças Armadas (ou o Ministro da Defesa; a despeito de que este proveria mais legitimidade ao fórum, a verdade é que este seria mais eficaz se envolvesse as FA diretamente) e servidores de alto nível do MRE. Uma vez alçada a nível ministerial ou quase-ministerial, a questão receberia o tratamento prioritário que merece (Representante da Inteligência).

Outros entrevistados chegaram a apontar formas mais específicas de institucionalização:

Ativação de comitês integrados permanentes, para a gestão de assuntos de diplomacia e defesa. A cultura diplomática atual compartimenta o conhecimento. Quanto à inteligência, as estruturas e os processos atuais poderiam atender às necessidades, se superada a prevenção existente entre as instituições (Representante da Defesa).

Criar órgão conjunto com atividades regulares, tal como a Camex [Câmara de Comércio Exterior] em comércio exterior166 (Representante da Diplomacia).

O efetivo funcionamento da Câmara de Relações Exteriores e Defesa, incluindo Inteligência, do Poder Executivo167 (Representante da Defesa). Pela minha experiência, há necessidade de um processo interagência, que seja institucionalizado, para coordenar todas as áreas da política governamental. No Brasil, isto poderia ficar a cargo do GSI, mas poderia não ser168 (Acadêmico).

As proposições mais específicas acerca da institucionalização para o modelo ideal do Brasil convergem em alguns aspectos. Há menção à criação ou ao fortalecimento de órgãos que conduzam a interação, de forma permanente ou regular. Aparentemente, os entrevistados desconhecem a existência ou as características (legais) da CREDEN, a Câmara de Defesa e Relações Exteriores, que tem por objetivo ser um órgão de interação, como os propostos pelos entrevistados. A CREDEN e a CAMEX são órgãos do Conselho de Governo, contudo, a CREDEN não tem a mesma organização e funcionalidade que a CAMEX.

166 A Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) é um órgão do Conselho de Governo, que tem por objetivo a

formulação, adoção, implementação e coordenação de políticas e atividades relativas ao comércio exterior de bens e serviços, incluindo o turismo. Disponível em:

http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=1&menu=1932. Acesso em: 20/06/2012.

167 Note-se que a Inteligência faz parte da Câmara de Defesa Nacional e Relações Exteriores (CREDEN) por

meio do GSI/PR, que é, inclusive, o órgão de coordenação da CREDEN.

168 Tradução nossa de: “In my experience, there is a need for an inter-agency process, that is institutionalized, to

Coordenação da interação

Ainda sob o aspecto da institucionalização, alguns entrevistados mencionaram, mesmo que indiretamente, o fator de coordenação da interação, também abordado na resposta do Acadêmico acima.

Idealmente, cada instituição deveria contribuir no setor em que tem maior capacidade de atuação, mas a coordenação desse sistema invariavelmente recairia sobre a Chefia de Estado e, na história mundial recente, pouquíssimos Chefes de Estado demonstraram a capacidade para definir estratégias de atuação em política externa que construíram consensos e lograram avançar mecanismos de efetiva "dependência" interagencial (Representante da Inteligência).

Deve haver uma atenção especial, no mais alto nível, para a garantia da coerência de defesa, diplomacia e inteligência (Representante da Diplomacia).

A supressão do Gabinete de Segurança Institucional como intermediário entre a ABIN e a Presidência da República. A atuação do referido Gabinete não parece melhorar muito o diálogo da instituição com os círculos militares; além disso, com certeza reduz a interação da Inteligência com a Diplomacia. A ABIN deveria vincular-se diretamente à Presidência (Representante da Inteligência).

Reforço dos e nos canais de interação existentes

Esta percepção não seria propriamente de modelo ideal. Os agentes envolvidos entendem que há necessidade apenas de revigorar algumas estruturas já existentes. A interação dar-se-ia nestes canais, o que seria aparentemente suficiente na visão desses entrevistados.

Não há um modelo ideal, há a necessidade constante de aprimorar os canais de diálogo e atualizar a pauta temática sobre a qual se reúnem as informações de cada atividade (Representante da Diplomacia).

A criação de uma estrutura no MRE para realizar a interface de Defesa169 (Representante da Defesa).

Preconizo que haja representantes militares na Assessoria de Defesa recentemente criada no Itamaraty, bem como Adidos de Inteligência junto

169 Deve-se ressaltar que, diferentemente do que afirma o entrevistado, o MRE possui uma estrutura específica

para assuntos de defesa: a Coordenação-Geral de Assuntos de Defesa (CGDEF), criada em setembro de 2010. É interessante constatar que ainda há desconhecimento de alguns agentes acerca da existência dessa estrutura.

às Embaixadas brasileiras nos países de interesse. E, ainda, que o MRE designe, caso não o tenha feito, seu representante no Departamento de Integração da ABIN, já que é integrante do SISBIN (Representante da Defesa).

Estratégia internacional

O modelo ideal, segundo a perspectiva de alguns entrevistados, deve ser delineado a partir de uma estratégia nacional comum para a atuação internacional do país.

Defesa, diplomacia e inteligência no Brasil devem atuar conjuntamente, no marco de uma estratégia de inserção internacional, oficial ou oficiosa, definida pela Presidência da República (Representante da Diplomacia). Não há modelo consolidado: será necessário construí-lo, de modo a levar em conta as características, especificidades e os interesses estratégicos do País, no longo prazo (Representante da Diplomacia).

As diretrizes políticas das Pastas dos Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa devem estar alinhadas para propiciar a conquista dos objetivos nacionais. Assim, a atividade de Inteligência de Estado, ao identificar ameaças e oportunidades, inserida na estrutura organizacional desses órgãos ou interagindo com os ministérios, provavelmente contribuirá, em melhores condições, para que o governo alcance os supracitados objetivos (Representante da Defesa).

Participação do Congresso/da sociedade

De maneira convergente ao modelo de interação dos Estados Unidos e ao modelo proposto por Alsina, foi mencionada, entre os entrevistados, a participação da sociedade civil, e, mesmo, a condução civil do processo de interação no Brasil.

Deve haver um acompanhamento cuidadoso do que precede por parte do Congresso Nacional e, na medida do possível (dado o inevitável sigilo de certos elementos), da sociedade civil (Representante da Diplomacia). O leitmotiv primeiro para a interação seria uma clara e inequívoca condução do poder civil sobre a temática. Sendo débil ou titubeante não se traduz a efetivação das três áreas. Ao contrário, a tendência é a autonomia decisória das instituições encarregadas de cada uma das áreas. Enfim, o modelo ideal é o que comporte a efetiva condução civil (Acadêmico).

SISBIN

Por fim, o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) foi mencionado como um possível modelo ideal à interação. Os entrevistados que mencionaram o SISBIN reconhecem que a atual articulação do sistema não é suficiente, mas que o desenho institucional é ideal para a interação no Brasil.

O modelo de hoje é bom, o SISBIN, um núcleo de inteligência, mas é necessário que se dê mais credibilidade a ele. A inteligência só tem um papel de discussão e de assessoramento, não tem papel de ação (Representante da Inteligência).

O modelo é o que nós estamos exercitando no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência. Não só com esses outros dois entes, mas com outros entes também. Porque, hoje, questões de inteligência e de defesa e de relações exteriores, embora nós tenhamos órgãos específicos para tratar, é uma temática que é discutida em diferentes fóruns [...] E aí, no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência, nós podemos agregar todas essas outras vertentes, trazer para dentro das nossas visões e chocar o que nós pensamos dessas atividades com o que a sociedade como um todo pensa. [...] Então, eu acho que o modelo adequado é aprofundar as relações no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência e utilizar esse Sistema como catalisador de ideias também que fluem de fora, da sociedade, e trazer essa discussão para dentro das instituições que são as responsáveis por essas três áreas (Representante da Inteligência).

Embora as repostas estejam fragmentadas e, em muitas delas, haja mais informações do que as categorias estabelecidas, este método de codificação é útil para sintetizar e apontar as convergências entre os entrevistados sobre o modelo ideal. Esta síntese compõe os aspectos que serão usados na qualificação do modelo ideal.