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O cacau é um fruto com quase quatro mil anos de história. Seu berço são as florestas tropicais da América do Sul numa região situada provavelmente entre as bacias dos rios Amazonas e Orinoco e há duas teorias sobre sua disseminação. A primeira defende que o cacau nativo da Amazônia se propagou para a América Central em decorrência de um processo de disseminação natural da espécie, enquanto a segunda considera que sua propagação se deu por intermédio dos povos originários da região amazônica.

Dessa forma, o cacau teria chegado ao norte, em direção ao rio Orinoco, ultrapassando os Andes e penetrando a Venezuela, o Equador, o México e países da América Central, espalhando-se também em direção ao rio Amazonas, para as Guianas e Brasil (ROCHA, 2008). Estes estudos permitem afirmar que o cacau é originário das terras da América Central, porém sua domesticação, ou seja, a transformação do cacau em chocolate, é atribuída aos povos pré- colombianos.

A árvore de cacau foi classificada por Carolus Linnaeus10 em 1753 como Theobroma cacao, cujo significado é “alimento dos deuses”, denominação que destaca a crença dos primeiros povos que domesticaram o fruto: os olmecas e astecas no México, e os maias na América Central. Para esses povos, o cacaueiro era considerado sagrado.

Em nahualt, a língua dos astecas, a palavra cacau deriva de cacahualt. Já para a palavra “chocolate” não há significado. Coe (1996) afirma que os espanhóis criaram um neologismo que combinou um termo maia, chocol, que significa “quente”, e outro asteca, alt, que significa “água”; portanto, “água quente”. Outra opinião é que chocolate, chocoalt, é originário da junção de atte, que significa água em nahualt, e do som que fazia ao ser misturada com os ingredientes em um recipiente, chocho, formando, assim, “chocolate” (LIMA; SILVA NETO, 2017).

Porro (1997) nos ensina que os olmecas foram os pioneiros no cultivo do cacaueiro e no processamento do chocolate há cerca de quase quatro mil anos. Indícios da utilização do cacau foram encontrados em vestígios dessa civilização, conforme estudos do Instituto de Antropologia e História e de universidades americanas que confirmaram a presença de theobramina e vestígios de fermentação de cacau em potes de cerâmica datados de 1750 a.C.

em Veracruz, no México. Este fato permite concluir que o cacau já era consumido em forma de bebida dois mil anos antes de Cristo (CONESA, 2012).

Os maias herdaram as tradições de cultivo dos olmecas e levaram-nas para a América Central, dando início ao incremento do comércio do cacau e derivados. Teriam sido, então, os maias os grandes empreendedores do cultivo do cacau e da produção do chocolate. Havia entre eles amplo consumo em cerimônias religiosas, como batismos e casamentos, em festividades das elites do comércio ou como bebida para as tropas. As primeiras plantações conhecidas de cacau foram estabelecidas por esta civilização nas terras baixas do Sul de Yucatán, em cerca de 600 d.C. (BECKET, 2008).

De fato, entre os séculos X e XIII os maias foram os primeiros a cultivar o fruto de forma sistematizada: usavam as amêndoas como moedas e descobriram, ao realizar a secagem, que, moendo-as e misturando-as com água, se obtinha uma bebida fria e espumante, semelhante ao chocolate líquido consumido no mundo de hoje denominado “tchocolath”. Foram também os responsáveis por levar o cacaueiro da América do Sul ao México, na América Central. O cultivo do cacau passou ao povo Toltec mais ou menos entre os séculos X e XII e, posteriormente, aos astecas entre os séculos XII e XVI. Os astecas possuíam uma forte organização militar e exigiam os pagamentos de tributos com sementes de cacau, destacando- se como importadores e consumidores do produto (LIMA; SILVA NETO, 2017; TOSCANI, 2012).

Como os maias, estes povos, que também apreciavam muito as amêndoas, também utilizavam o cacau com duas finalidades: i) para produzir a bebida “tchocolath” (BECKET, 2008), uma bebida tônica consumida exclusivamente por nobres, guerreiros e ricos comerciante e cujo preparo era dissolver as amêndoas torradas e moídas em água e adicionar especiarias como pimenta e baunilha; ii) para usar as amendôas que produziam como moedas de troca.

Coe (1996) cita a importância das amêndoas como moeda corrente para os astecas:

Um dos principais objetivos da expansão imperial dos Astecas em direção sudeste, durante o século XV, havia sido o de controlar as regiões produtoras de cacau no istmo de Tehuantepec e no litoral sul de Guatemala. Diz um cronista quinhentista que os armazéns de Montezuma II, Tenochtitlan, continham mais de 40.000 cargas de amêndoas de cacau, algo que podemos estimar em torno de 1.200 toneladas. Grande parte desse tesouro destinava-se a pagar o soldo dos guerreiros e alimentá-los.

O cacau também exercia papel principal na mitologia. Os astecas veneravam o deus Quetzalcoatl como a personificação da sabedoria e do conhecimento e como aquele que lhes deu, entre outras coisas, o chocolate. Eles acreditavam que Quetzalcoatl, a Serpente

Emplumada, trouxera para a terra as sementes do cacau diretamente do paraíso e que ela teria sido induzida por um deus rival a beber uma poção que destruiu os seus poderes divinos e, após Quetzalcoatl enterrar todos os seus tesouros, desapareceu prometendo voltar (HERMÈ, 2006; FRANCO, 2001 apud VARGAS, 2013).

Figura 2 - Estátua do deus Quetzalcoatl no Museu do Chocolate em Paris

Fonte: Nunes, H (2018).

Historiadores relatam que o primeiro contato dos europeus com o chocolate foi por intermédio de Cristóvão Colombo. Em sua quarta expedição ao Golfo de Honduras no ano de 1502, Colombo abordou uma das embarcações maias carregadas de produtos agrícolas, inclusive amêndoas de cacau, pelas quais eles demostravam ter muito apreço (COE, 1996). Cristóvão Colombo comprou alguns grãos de cacau para a Europa como uma curiosidade, porém não vislumbrou potencial comercial e desinteressou-se do produto. Somente depois que os espanhóis conquistaram o México que a bebida foi introduzida na Espanha (BECKET, 2008).

O conhecimento e uso do cacau na Europa deve-se a Hernandes Cortez. Em 1519, o conquistador deslocou-se à Mesoamérica, território asteca à época, onde foi bem recebido, pois sua aparência foi confundida com a do rei Quetzalcoatl. O Imperador Montezuma II serviu chocolate em uma taça de ouro a Cortez, que, após consumir a bebida, teve a taça jogada fora.

O imperador bebia sempre em taças novas, o que demostrava uma valorização maior do chocolate em relação ao ouro. Impressionado com o sabor e valor da bebida, Cortez levou consigo para a Espanha e, a partir de então, disseminou o chocolate por toda a Europa (LIMA; SILVA NETO, 2017).

Figura 3 - Ingredientes da receita de chocolate asteca na exposição Museu do Chocolate de Paris.

Fonte: Nunes, H (2018).

Os espanhóis levaram algum tempo para se acostumar com o sabor amargo da bebida. Os indígenas consumiam-na fria, sem adição de leite e sem nenhum tipo de adoçante, o que a tornava desagradável ao paladar europeu (COE, 1996). Passaram, então, a adicionar-lhe açúcar para modificar seu sabor amargo. Becket (2008) destaca que a bebida permaneceu pouco conhecida no resto de Europa por quase 100 anos, chegando à Itália em 1606 e à França em 1657. Nessa época o chocolate era uma bebida cara, feita para a aristocracia e sua propagação se dava por conexões entre famílias da alta nobreza.

Em 1727 os ingleses resolveram adicionar leite ao chocolate, em vez de água. O consumo da bebida aumentou, estimulando o cultivo de cacau. Logo o cultivo do cacau se expandiu. Países como Inglaterra, França e Holanda passaram a cultivar o fruto em suas colônias do Caribe e depois em outros lugares do mundo. Com o aumento da produção, os preços caíram e em pouco tempo a bebida tornou-se popular11.

O primeiro país produtor e exportador foi o México. No século XVII, além de já ter desenvolvido a técnica de processamento de amêndoas, o México já exportava cacau para a Espanha. Por volta de 1750, a Venezuela se tornou líder mundial de produção de cacau, mantendo a liderança até 1850, ano em que o Equador assumiu a liderança na América do Sul (WICKIZER, 1951, apud NOGUEIRA, 2005). Entre final do século XIX e início do século XX, a produção de cacau no mundo atingiu o patamar de 100 mil toneladas por ano e a América do Sul e Central juntas representavam 86% da produção do cacau no mundo.

No período que vai do início do século XX até a Primeira Guerra Mundial, a oferta de cacau no mundo dobrou, alcançando 250 mil toneladas. Foi nesse intervalo que o Brasil ultrapassou a produção do Equador, assumindo a liderança mundial de amêndoas de cacau.

Logo após a Primeira Guerra Mundial, a África tornou-se responsável por dois terços de todo o cacau produzido no mundo. O centro mundial de produção havia, então, mudado do continente americano para o africano, e Gana era responsável por 65% de toda a produção (WICKIZER, 1951 apud NOGUEIRA, 2005).

No Brasil, Mendes (2005) destaca duas grandes fases da produção cacaueira: a primeira do século XVII até 1890, quando ocorreram os primeiros embarques e prenominava a produção na Amazônia, e a segunda de 1890 à atualidade, com a predominância do cultivo no Estado da Bahia. Esta realidade se alterou nos últimos dez anos, quando o Estado do Pará destacou-se, principalmente na região da Transamazônica, com maiores volumes de produção e altas taxas de crescimento. Isso se deu em grande parte devido à redução nas lavouras da Bahia, prejudicada pelo ataque do fungo vassoura de bruxa, pois até então a Bahia era responsável por quase 95% de toda a produção nacional.

A recuperação das lavouras da Bahia a partir de 1989 e a participação crescente da Amazônia no cultivo a partir de 2008, que chega a ultrapassar 32,3% (MENDES, 2005), associadas a novas tecnologias de melhoramento genético capazes de obter áreas de cultivos mais resistentes e produtivas, permitiram ao Brasil uma melhora na produção desde 2007.

11 UFRGS. A história do chocolate. Disponível em:< http://www.ufrgs.br/alimentus/disciplinas/tecnologia-de- alimentos-especiais/chocolates/arquivos-chocolate/historico-do-chocolate > Acesso em 20 mar. 18.

Atualmente, de acordo com a CEPLAC, a cacauicultura no Brasil está dividida essencialmente entre Bahia (Nordeste), Espírito Santo (Sudeste), Mato Grosso (Centro-Oeste), Pará, Rondônia e Amazonas (Norte).