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“A paz, o pão, a habitação, saúde, educação…” Sérgio Godinho

No que se refere ao meu percurso social, começo por introduzir um esquema que elaborei aquando da minha frequência do Curso de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde, o qual representa a minha forma de pensar sobre a sociedade.

Este esquema de sociedade pressupõe a eliminação das desigualdades sociais existentes actualmente, as quais concorrem para a existência de diferentes níveis de desenvolvimento, de acesso a bens e de satisfação de necessidades. Nesta linha, “Maslow (1970) propôs uma hierarquia de necessidades, desde as biológicas básicas, como a fome e a sede, subindo para as necessidades de protecção (segurança e inexistência de perigo), passando pelas necessidades de pertença e amor (afiliação com os outros e aceitação por eles), necessidades de estima (competência e aprovação pelos outros), necessidades cognitivas (compreender e explorar), necessidades estéticas (ordem e beleza), até à auto-actualização (encontrar satisfação e realizar potencial). Ele defendeu que só quando as necessidades

inferiores estão satisfeitas podem as necessidades psicológicas mais complexas tornar-se motivadores importantes.” (Bennett e Murphy, 1999, pp. 180-181).

Na minha perspectiva, uma forma de superar ou minorar tais desigualdades reside na promoção da plena cidadania e da participação activa e consciente da população na sociedade – empowerment – com vista ao bem-estar e qualidade de vida pessoal e social, sendo o processo de educação uma estratégia possível de desenvolvimento do empowerment.

Nesta óptica, desde adolescente que tenho sido socialmente activa, na medida em que só assim se consegue efectivamente mudar e transformar o mundo, se considerarmos que isso é importante e necessário. E eu penso que isso é fundamental, cada vez mais premente até. Por isso, desde cedo militei numa juventude partidária onde participava em reuniões periódicas, em congressos e encontros, organizávamos actividades diversas, tais como debates, cafés-concerto, exposições, participávamos em desfiles e manifestações, participávamos em actividades do município, distribuíamos propaganda, pintávamos murais, colaborávamos com outras organizações, como por exemplo a Frente Anti-Racista, entre outras actividades, com vista a contribuir para poder mudar a sociedade em termos da melhoria constante das condições de vida das pessoas e do sistema social vigente. Objectivos exigentes, mas realizáveis!

Mais tarde, militei num partido político, sendo que dei continuidade a algumas das actividades já desenvolvidas na juventude partidária e participei noutras, tais como campanhas eleitorais, participações em assembleias de freguesia, participações em comissões concelhias e de freguesia, participação em eventos de cariz político e cultural, entre outras.

Estas experiências reforçaram a minha consciência social, bem como o sentido da importância do trabalho colectivo e da participação social em prol da construção de uma sociedade sempre melhor e mais justa, permitindo-me ainda aprender a ouvir os outros, escutar as suas opiniões por forma a tomar decisões conjuntas, tendo em conta a diversidade de ideias e aquilo que é melhor para a maioria, apesar dessas decisões em prol do colectivo poderem não ser o que consideraria ser o melhor

enquanto indivíduo. Ou seja, aprendi a valorizar mais o colectivo do que o individual por forma a trabalhar-se tendo como objectivo último o Bem Comum.

Como já referi anteriormente, fruto do meu envolvimento em actividades políticas, fiz parte da Assembleia de Freguesia de Vila Franca de Xira durante dois mandatos, tendo também participado posteriormente na Assembleia de Freguesia das Cachoeiras, uma freguesia rural do concelho de Vila Franca de Xira, durante um mandato, dado que vivi nesta última freguesia cerca de dez anos. Esta minha participação política nas assembleias de freguesia prendeu-se uma vez mais com o meu interesse e a minha vontade de contribuir para a melhoria da vida colectiva das populações, tendo como horizonte o que considero poder ser uma sociedade mais justa e igualitária. Apesar de considerar a Política, no seu sentido mais nobre, particularmente o Poder Local devido à sua maior proximidade das populações, uma via de excelência para atingir tais propósitos, deparei-me com algumas situações, no desempenho destas minhas funções, que me fizeram tomar consciência de que para mim esta não seria a melhor forma para agir socialmente. Isto porque algumas vezes não estava de acordo com o modo como se resolviam algumas questões ou até com a resolução dada às mesmas, sendo ainda que era necessário ter um grande “jogo de cintura” para contornar e “dar a volta” a determinadas situações, não me identificando com tal forma de actuar. Ainda assim, esta experiência possibilitou-me perceber que este não era o caminho que queria seguir, tendo-me ainda fornecido ferramentas para agir perante situações em que se torna necessário argumentar, dar opiniões, discutir em grupo, tomar decisões e encontrar soluções em conjunto e entre pessoas com diferentes perspectivas das diversas situações que vão surgindo. Claro que tudo isto tinha vindo já a desenvolver-se ao longo de todo o meu percurso anterior em termos de participação política desde a adolescência. Recordo-me que, em 2006, numa das assembleias de freguesia em que participei na freguesia das Cachoeiras, a qual foi realizada extraordinariamente para solucionar a questão da intenção da autarquia encerrar a escola primária da freguesia com base num documento que é a Carta Escolar do concelho, conseguiu-se a mobilização de todas as forças políticas representadas na assembleia, bem como da população da freguesia. Esta foi a assembleia de freguesia mais participada a que assisti até hoje. Assim, foi elaborado um abaixo-assinado, o qual foi distribuído pelos diversos membros da assembleia de freguesia a toda a população, sendo que teve como resultado o que se pretendia, ou seja, o não encerramento da escola primária, a qual se encontra a funcionar até hoje.

Esta foi uma actividade na qual me deu bastante prazer estar envolvida, pois houve uma forte mobilização e participação de todos, população e autarcas, independentemente das opções políticas de cada um, no sentido de solucionar um problema que diz respeito a todos de forma a fazer prevalecer o interesse comum. É justamente este tipo de participação que considero fundamental para um efectivo desenvolvimento pessoal e social: o envolvimento de todos na solução de causas comuns e do interesse da comunidade. Apesar de actualmente não me encontrar politicamente activa, enquanto participando numa organização partidária, considero que todos nós somos seres sociais e, por isso, também políticos, na medida em que fazemos política diariamente ao tomarmos posições e ao emitirmos opiniões e defendermos determinados pontos de vista sobre assuntos que a todos dizem respeito, já que fazemos parte de uma mesma sociedade. O problema é que hoje em dia cada vez mais as pessoas se inibem de tomar posição ou emitir opinião sobre os assuntos que a elas e a nós dizem respeito, sobretudo se tiverem opiniões e formas de ver as situações diferentes das dominantes…. Como tão bem escreveu José Saramago, “Temos o direito de opinar sobre todos os assuntos da terra porque não vivemos em Marte”.

Também participei durante alguns anos nas mesas de voto, tanto em Vila Franca de Xira como nas Cachoeiras, sempre que se realizavam actos eleitorais. Este foi mais um contributo e uma participação numa actividade integrante da sociedade democrática em que me insiro e da qual faço parte. Fui assiduamente membro das mesas de voto, tendo desempenhado diversas funções desde escrutinadora, secretária e vice-presidente. Fui ainda delegada em algumas mesas de voto. No entanto, com muita pena minha, a partir do momento em que os membros das mesas de voto passaram a receber uma retribuição pelo desempenho de tal actividade, deixei de nela participar por não estar de acordo com tal situação. Penso que esta deveria ser uma função voluntária, um serviço cívico, tendo já como compensação a dispensa do trabalho no dia a seguir às eleições de todos os que participavam nas mesas de voto. Ao pagar-se um serviço, está a esvaziar-se o acto eleitoral e o envolvimento das pessoas para a concretização de tal acto do que deveria ser o seu sentido de participação e contribuição para a colaboração num acto que tem como objectivo último o Bem Comum: a escolha dos representantes da população. Considero o voto uma ferramenta essencial que deve ser utilizada em democracia e levo este dever muito a sério, nunca tendo faltado até hoje a um acto eleitoral. Por outro lado, o voto

foi um direito conquistado à custa do sacrifico e da luta de muitos e, mais que não seja por isso e por respeito a quem tanto fez para que hoje possamos expressar a nossa opinião através do voto, todos deveríamos cumprir este nosso direito e dever. Eu faço a minha parte.

Sendo coerente com este meu percurso de vida em termos sociais, não podia deixar de ser sindicalizada. Embora tenha começado a trabalhar em 1996, sindicalizei-me apenas em 2002. Porquê? Porque só em 2001 assinei o meu primeiro contrato de trabalho e obtive um vínculo laboral mais estável, sendo que até então os meus vínculos laborais eram precários, ou seja, trabalhava através dos tão justamente mal afamados “recibos verdes”. Na minha perspectiva, os sindicatos cumprem uma função social importantíssima quando desempenham efectivamente a sua actividade, i. e., a defesa dos interesses dos trabalhadores. E cada vez mais se torna fundamental a acção sindical, dado a perda de direitos laborais e sociais a que se assiste actualmente e que tanto custaram a alcançar… Para haver trabalhadores, tem de haver entidades empregadoras e os interesses de uns e de outros raramente coincidem, apesar de hoje em dia se querer fazer crer que os trabalhadores são “colaboradores” – termo que me provoca no mínimo perplexidade – cujo objectivo principal é defender e fazer valer os interesses da entidade para a qual trabalham. Ora, na minha óptica, esta é uma ideia, entre tantas outras que por aí grassam, falsa. Os trabalhadores têm como objectivo vender a força do seu trabalho para, no final de determinado período de tempo, habitualmente ao final de cada mês, receberem uma retribuição por tal, ou seja, o seu salário mensal. A força do seu trabalho é, pois, a sua única propriedade, entendida enquanto aquilo que tem como seu. Claro que este deverá desempenhar a sua função o melhor possível e, se nos locais de trabalho se estabelecerem bons ambientes entre as pessoas e se gostar do que se faz, tanto melhor. A entidade empregadora, por sua vez, tem como objectivo contratualizar a força de trabalho dos empregados ao menor custo possível, visto que o seu objectivo último é o lucro. Obviamente que trabalhadores e empregadores têm direitos e deveres laborais que devem cumprir, mas é nesta tensão de empregador/empregado que se geram e desenvolvem as relações de trabalho. Infelizmente, tomei efectiva consciência desta realidade através de uma experiência laboral pela qual passei e que me marcou até hoje, pois esta foi também a experiência de trabalho que considero mais significativa em termos de aprendizagens realizadas e a qual mais gostei. Pena que não tenha tido um bom desfecho…

Na minha adolescência participei ainda numa colectividade local, o Ateneu Artístico Vilafranquense, tendo aprendido solfejo, bem como a tocar clarinete. Cheguei a tocar na banda filarmónica durante algum tempo, mas acabei por desistir, dado que não gostei particularmente dessa experiência. Mais tarde, comecei a aprender a tocar viola com um amigo. Comprei essa viola com o dinheiro que ganhei na participação num projecto OTL durante umas férias escolares de Verão e ainda a conservo. Actualmente, sou sócia do Ateneu e a minha filha mais velha, a Catarina, que tem oito anos, frequenta aí aulas de música – solfejo e flauta transversal.

Como já referi, também sou sócia da Cooperativa Alves Redol, pagando uma quota anual e participando em algumas actividades promovidas pela associação, tais como peças de teatro, debates e concertos.

Ao longo deste meu ainda curto percurso de vida tenho tido ainda participações diversas em manifestações populares, desde os desfiles do 25 de Abril, aos desfiles do 1.º de Maio, à manifestação contra a guerra no Iraque, à manifestação pela independência de Timor Leste, entre outras, considerando que esta é uma forma de lutar pela justiça social e de alcançar a igualdade.

Fiz ainda uma breve incursão pelos meandros da dádiva de sangue, uma vez que considero importante a contribuição e participação social em prol do bem-estar de todos. No entanto, não me senti muito bem fisicamente após tal experiência e tive receio de repeti-la. Já me explicaram que, por vezes, este tipo de reacção acontece aquando da primeira dádiva. Espero em breve encontrar coragem para repetir a proeza e tornar-me dadora de sangue “à séria”!

Mais recentemente, tenho colaborado pontualmente com a Associação de Pais da escola de uma das minhas filhas, designadamente no que se refere ao apoio à organização de algumas actividades dirigidas às crianças e aos pais e encarregados de educação.

Actualmente, sinto falta de participar mais activamente em actividades de cariz social no sentido de poder contribuir de alguma forma para tentar melhorar as condições de

vida das pessoas, não sob uma perspectiva assistencialista, mas antes sob uma perspectiva efectivamente solidária.

A formação de adultos, entendida sob o ponto de vista de um processo de tomada de consciência e de potenciação da efectiva participação das pessoas na vida colectiva, de alguma forma faz-me sentir que posso continuar a dar o meu contributo no sentido da melhoria das condições de vida das populações com vista a atingir-se um bem- estar e uma qualidade de vida social mais justos e igualitários para todos.

Tal como refere Melo (2005), “(…) é fundamental (…) formarmos cidadãos cada vez mais informados, mais conscientes e, por ventura também, mais activos” por forma a fomentar-se “(…) uma componente muito forte relativamente à cidadania e à participação dos cidadãos (…) a nível de debates, a nível de definição de processos, para que se tomem de certo modo decisões colectivas”, favorecendo-se assim a participação “(…) de uma grande parte da população, e muitas vezes não são tanto os cidadãos individuais, mas são sobretudo as suas organizações, que já representam muitos dos interesses de muitos dos cidadãos (…)”. Esta é uma forma de estimular a efectiva democracia participativa, sendo “(…) uma escola também de cidadãos mais informados e que aprendem a conhecer melhor a sua sociedade e a conhecer melhor o que é a política, no sentido de conhecimento de opções estratégicas e de decisões sobre o que será melhor para o conjunto ou para a maioria da população” (pp. 107- 108).

Concordo, pois, com “(…) esta perspectiva de o cidadão não ser apenas o eleitor, mas um cidadão integral, que, todos os dias e na sua actividade normal, pode efectivamente influenciar o curso da sua própria sociedade” (Melo, 2005, p. 108).