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2. A educação permanente e a aprendizagem ao longo da vida: da lógica

2.2. A UNESCO e a formação de adultos

Os processos educativos assumem um papel relevante a partir da segunda metade do século XX, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, através de práticas educativas direccionadas para adultos, afirmando-se assim o campo da formação de adultos no qual a UNESCO desempenhou um papel decisivo.

A definição de educação de adultos saída da Conferência de Nairobi, promovida pela UNESCO em 1976, é ainda hoje uma referência: “(…) O conjunto de processos organizados de educação qualquer que seja o conteúdo, o nível e o método, quer sejam formais ou não formais, quer prolonguem ou substituam a educação inicial dispensada nos estabelecimentos escolares e universitários e sob a forma de aprendizagem profissional, graças aos quais pessoas consideradas como adultas pela sociedade de que fazem parte desenvolvem as suas aptidões, enriquecem os seus conhecimentos, melhoram as suas qualificações técnicas ou profissionais ou lhes dão uma nova orientação, e fazem evoluir as suas atitudes ou o seu comportamento na dupla perspectiva de um desenvolvimento integral do homem e de uma participação no desenvolvimento socioeconómico e cultural equilibrado e independente” (Canário, 2006, p.161).

Foram várias as conferências da UNESCO que influenciaram a perspectiva e o caminho da educação de adultos ao longo do tempo.

Tal como refere Cavaco (2009), a I Conferência Internacional de Educação de Adultos foi realizada em Elseneur, na Dinamarca, em 1949. Nesta conferência foi abordada sobretudo a questão da educação popular. A tónica é colocada na educação cívica e

O final da II Grande Guerra justifica a importância dada à formação cívica e cultural, bem como a influência do humanismo, valorizando-se a capacidade de intervenção social e a atitude reflexiva crítica por forma a atingir-se a emancipação e a manter-se a democracia. Há, assim, uma relação entre educação de adultos e justiça social.

A II Conferência da Unesco foi realizada em Montreal, em 1960, destacando-se a educação de adultos enquanto domínio estratégico do sistema educativo. É atribuída importância ao papel dos Estados e das ONG neste domínio, propondo-se modalidades de educação profissional, cívica, social e cultural, acessíveis a todos.

Nesta conferência há a destacar a perspectiva ampla da educação de adultos – desenvolvimento, promoção social, igualdade de oportunidades e paz entre os povos - , na medida em que se valorizam acções de carácter formal e institucional e outras acções mais abrangentes associadas à cultura e ao lazer. A prioridade centra-se nos analfabetos e numa educação de segunda oportunidade. Nesta conferência é visível a relação entre a formação de adultos e o desenvolvimento dos países.

A II Conferência é influenciada pelos modelos educativos receptivo alfabetizador e dialógico social por via da promoção da alfabetização e da educação de base de adultos. Como tal, a lógica da compensação enquadra-se no modelo receptivo alfabetizador, na medida em que se toma como ponto de partida as lacunas em termos de competências de leitura e escrita, pretendendo-se ultrapassá-las no que se refere a uma grande percentagem da população. Já a lógica da emancipação adequa- se ao modelo dialógico social, uma vez que se coloca o enfoque na alfabetização e educação de base de adultos enquanto estratégias para fomentar a participação da população na vida social e política.

Na perspectiva de Cavaco (2009), a III Conferência da UNESCO, realizada em Tóquio, em 1972, reforça a necessidade de articular a educação de adultos e o desenvolvimento, defendendo que esta tem como função contribuir para que as pessoas participem activamente como sujeitos no processo de desenvolvimento social. Dá-se ainda relevo à questão da diversidade da educação de adultos, respeitando-se e incentivando-se tal diversidade através das funções, actividades, públicos, entidades e agentes nela envolvidos.

As linhas orientadoras desta conferência referem-se à democratização do acesso à educação de adultos, ao enfoque nos grupos desfavorecidos (trabalhadores, imigrantes, populações rurais, trabalhadores agrícolas sem formação profissional qualificada, deficientes, mulheres, jovens, desempregados e idosos) e à educação funcional. A educação de adultos é associada à promoção social, salientando-se a relação entre o nível de estudos e o emprego obtido, e valorizando-se as aspirações individuais e o desenvolvimento económico e social dos países.

Esta Conferência tentou operar uma ruptura com o modelo escolar e com as campanhas de alfabetização enquadradas no modelo receptivo alfabetizador, colocando o enfoque no movimento da educação permanente, o qual fomentou a adopção do modelo dialógico social como forma de desenvolver as potencialidades de cada pessoa.

A IV Conferência da UNESCO, realizada em Paris, em 1985, coloca o enfoque no facto de que a educação de adultos é central por forma a atingir-se a educação permanente. A educação é vista como um direito, sendo por isso necessário democratizar e tornar acessível e exequível a todos a educação de adultos.

A preocupação com os analfabetos funcionais – ou iletrados - dos ditos países desenvolvidos é visível, designadamente a nível dos grupos desfavorecidos (jovens, mulheres e pessoas das zonas rurais e das periferias urbanas), embora o enfoque continue a ser colocado nos ditos países do terceiro mundo.

O direito à educação é aqui entendido enquanto promotor de práticas mais centradas nas aprendizagens dos adultos e no sucesso educativo, ao invés de privilegiar-se o processo educativo e a igualdade de oportunidades no acesso à educação.

Nesta conferência há uma maior preocupação em orientar a educação para o trabalho, podendo este ser já um indício da ruptura que ocorreu na V Conferência.

A V Conferência da UNESCO, realizada em Hamburgo, em 1997, caracteriza-se por denotar uma situação de ruptura com o cenário de continuidade vindo das conferências anteriores, passando-se de uma perspectiva social e humanista de

educação permanente para uma orientação “económica e realista da produção de competências” (Carré e Caspar, 1999, cit in Cavaco, 2009, p. 93), suportada pela abordagem da aprendizagem ao longo da vida. Esta perspectiva tem por base uma visão pragmática no que se refere à resolução de problemas relacionados fundamentalmente com a competitividade económica e com o desemprego. Ao contrário, o movimento da educação permanente assentava numa visão humanista.

Tal ruptura é suportada pela ideia de que é necessário adoptar-se uma educação de adultos mais ajustada às sociedades modernas, passando a utilizar-se expressões e termos como aprendizagem ao longo da vida, educação e formação de adultos e competências.

Aqui as acções de alfabetização são orientadas sobretudo para o desenvolvimento de competências básicas direccionadas para a empregabilidade, sendo que as acções de pós-alfabetização são simultaneamente da responsabilidade das pessoas, da sociedade civil e do Estado.

Nesta Conferência e educação é vista como um direito e como um dever, responsabilizando-se o indivíduo pela procura de educação e pela resolução dos seus problemas, sendo cada pessoa responsável pelo seu sucesso ou fracasso, o que leva ao agravar das desigualdades sociais, designadamente no que se refere aos adultos pouco escolarizados, penalizando quem não teve acesso a uma boa formação de base.

Esta Conferência destaca a importância das parcerias, bem como das capacidades e da experiência das entidades da sociedade civil e das empresas, delegando nelas competências do Estado. A responsabilização da sociedade civil e o estabelecimento de parcerias conduz à demissão do Estado e à privatização da educação assente numa lógica de económica de mercado.

No que se refere à alfabetização e à educação de base de adultos, o Estado passa a assegurar apenas a “(…) definição de políticas, o financiamento das práticas, os referenciais de competências, a acreditação das entidades formadoras, a formação de formadores e a disseminação de boas práticas” (Cavaco, 2009, p. 127).

Uma outra preocupação desta Conferência reside na qualidade e na eficácia, uma vez que estes são indicadores utilizados pela lógica de mercado como garante da competitividade e do desenvolvimento económico. De acordo com Cavaco (2009), o modelo económico produtivo direcciona-se para a formação da população activa e para o desenvolvimento de competências no sector produtivo, predominando neste modelo a lógica da gestão de recursos humanos orientada para a competitividade.

É ainda nesta Conferência que são elaboradas propostas, ainda que vagas, de metodologias de reconhecimento dos adquiridos experienciais, sendo este processo no entanto associado à progressão de estudos no ensino formal e ao acesso ao emprego e à formação profissionalizante.

Ao longo das suas cinco conferências, na perspectiva de Cavaco (2009), a UNESCO vai deixando de falar em analfabetos e em alfabetização, passando a referir-se a públicos desfavorecidos. Se na primeira situação as acções eram dirigidas para a aquisição de competências de leitura e escrita, na segunda é dado relevo à importância do uso social dessas competências.

A UNESCO teve o mérito de dar visibilidade internacional ao analfabetismo enquanto problema social e político, ao tentar melhorar a qualidade de vida das populações e o desenvolvimento dos países, o que possibilitou a implementação de medidas de alfabetização, mas ao mesmo tempo contribuiu para subordinar tais medidas à lógica da racionalidade económica, instrumentalizando-as.

Como tal, ao colocar a tónica no défice de conhecimentos e competências, pôs a nu as suas fragilidades, originando a estigmatização social dos analfabetos, bem como a desvalorização dos seus saberes e da sua cultura.

Assim, se se justificava a importância das políticas de alfabetização de adultos com base num discurso orientado para o défice dos analfabetos, ao mesmo tempo propunham-se metodologias inovadoras de intervenção sustentadas nos saberes e na cultura desses mesmos analfabetos.

Neste sentido, teoricamente, defendia-se a utilização do modelo educativo dialógico social, ao passo que, em termos práticos, recorria-se ao modelo educativo

As práticas de educação de adultos foram-se institucionalizando e subordinando gradualmente ao modelo escolar, fruto deste tipo de intervenção estar centralizado nos governos e ser imposto às bases. Isto porque o analfabetismo era entendido como um obstáculo ao desenvolvimento dos países.

Tal institucionalização tem efeitos perversos, na medida em que não questiona ou critica as instituições, utilizando as experiências não formais e as aprendizagens significativas daí decorrentes e reduzindo-as a uma estrutura formal e institucional, justificando assim uma “estratégia global da escolarização permanente” (Nóvoa, 1988, cit in Cavaco, 2009, p. 116), já que esta estratégia é a que melhor se adequa aos interesses das sociedades capitalistas industrializadas e à lógica da racionalidade económica. Daí que continua a subestimar-se a capacidade que cada um tem para se auto-educar, sendo que “alfabetizar continuou a ser „ensinar o mínimo aos adultos‟” (Fernández, 2006, cit in Cavaco, 2009, p. 116).

O movimento da educação permanente tem, pois, como fragilidades a ausência de uma reflexão e de uma postura crítica perante o desenvolvimento industrial, bem como a inexistência de um questionamento relativamente ao conhecimento do processo formativo.