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Perfil de vida numa perspectiva histórica dos docentes

Ao fazer análise das entrevistas, pudemos notar que alguns dos docentes entrevistados tiveram o contato inicial com a música através de influências familiares. Esse contato foi primordial para que nascesse o interesse de permanecer estudando música. Após esse primeiro contato musical pela família, esses foram inseridos em conservatórios, onde passaram a ter os seus primeiros contatos com aulas de teoria musical, enquanto os outros, que não iniciaram pela influência familiar, começaram em projetos sociais nas cidades ou próximos das cidades onde moravam.

Nesse primeiro contato musical, nenhum dos entrevistados teve como seu primeiro instrumento o eufônio ou a tuba, mas, piano, flauta doce e trombone de pisto. Todos os conservatórios ou projetos sociais que eles estavam inseridos deram a eles oportunidade de tocar na banda de música do projeto, que, por sua vez, ofereceu a eles o primeiro mentor dos instrumentos de sopro de suas vidas. Alguns, ao adentrar nessas bandas, tiveram a oportunidade de migrar do ensino da escola pública municipal para a escola particular, tendo em vista que a estrutura da escola privada era mais interessante. Como podemos entender nas frases dos entrevistados:

“A partir dos meus 11 para 12 anos, eu conheci os instrumentos de sopro através de um regente, de um mestre de uma banda marcial, instrumentos só de metais e percussão de um colégio particular. Aonde eu tive a oportunidade de conseguir uma bolsa de estudos num colégio particular, com a estrutura mais interessante do que o do público, o qual eu estudava. Aí, eu tive acesso a instrumentos de sopro, também, posteriormente. Primeiramente, melofone, queria trocar trompa, toquei flugelhorn, instrumentos variados, até chegar no bombardino, o eufônio”. (SANTOS, 2018)

“Meu interesse por estudar música, estava ligado primeiro a conseguir uma bolsa de estudos para sair da rede municipal, e aí, tinha possibilidade de tocar numa banda que me oferecia isso. Então, necessariamente, eu não queria ser músico, eu sempre quis ser cientista, mas não queria ser (...) músico. Então, foi me oferecido um trombone”. (SILVA, 2018)

Essa realidade de trocas por oportunidade é muito comum. Projetos, conservatórios, escolas, bandas de interior, que necessitam de músicos, investem dando a oportunidade em troca do esforço daquele componente em participar da banda, oferecendo bolsas de estudos, o instrumento para aquele aluno que não tem condições financeiras de adquiri-lo, em troca de se tocar na banda; como também oferecendo oportunidades de aulas com pessoas mais experientes, através de viagens para a capital, custeando o seu translado. Esses exemplos ainda são reais na atualidade.

Vale salientar que, embora hoje sendo eufonistas e tubistas na atualidade, eles não queriam tocar esses instrumentos, mas sim, como nos diz Vieira (2018) flauta transversal e Santos (2018) trompa. Notamos isso na fala dos entrevistados:

“(...)não teve interesse para eu estudar tuba. Eu sempre digo que a tuba quem entrou na minha vida. Ela que veio, ela quem me convidou. Até porque eu não sabia, não tinha consciência nenhuma do que era a tuba, do que ela fazia ou deixava de fazer. Na verdade, ela quem me conquistou. (...) A tuba foi me conquistando”. (VIEIRA, 2018)

“Aí, eu tive acesso a instrumentos de sopro, também, posteriormente. Primeiramente, melofone, queria trocar trompa, toquei flugelhorn, instrumentos variados, até chegar no bombardino, o eufônio”. (SANTOS, 2018)

Embora alguns não tivessem esse interesse inicial pelo instrumento em particular, todos se dedicaram nos instrumentos que iniciaram, pois o que mais queriam era estudar música de uma forma geral e precisavam aproveitar aquela oportunidade. Os projetos, por sua vez, precisavam de certa forma controlar essa escolha particular dos alunos pelos instrumentos, que geralmente, eram escolhidos por ser os instrumentos mais populares.

Esse controle, por muitas vezes, era feito pelo tutor, maestro da banda, que, por sua vez, vislumbrava desde logo cedo qual instrumento seria melhor para cada aluno. Alguns projetos, por exemplo, estipulavam uma cota máxima de alunos por instrumentos, tendo a capacidade então de organizar os horários de estudo, para todos os interessados, no decorrer da semana. Tendo essa demanda discrepante do tanto de instrumentos como também da quantidade de alunos e, também, que nem todos os projetos tinham a sua própria sede, é possível entender o porquê dessas atitudes dos mestres. Como vemos abaixo:

“E aí, chegou os instrumentos, poucos instrumentos para muita gente. E o que acontece, como eu estudava flauta doce, eu pensava que quando eu fosse pegar o instrumento, eu ia pegar a flauta ‘de verdade’, a flauta transversal. Só que era muita gente que, tipo assim, você tinha 1 flauta para 10 alunos estudarem. Então, tanto que nesse projeto o instrumento não poderia sair da sede, sede não, da escola, que era uma escola agrícola. Esse projeto da gente era uma salinha, numa escola agrícola.” (VIEIRA, 2018)

Esse olhar clínico dos mentores para com os alunos dos projetos, conservatórios ou bandas se reflete também nas falas dos professores, como Khattar (2018) e Vieira (2018), que não escolheram a tuba, mas, o maestro das bandas assim fazia a escolha dos instrumentos para seus componentes. Como podemos ver abaixo:

“(...) o instrutor chamou a molecada e chegou o dia de abrir a sala de instrumento, (...), e pra mim e com mais alguns colegas, ele nos chamou e

falou ‘olha vocês não precisam escolher instrumento nenhum porque eu já separei um negócio que só vocês vão conseguir tocar’ (...). (...) abriu uma sala e tinha um Sousafone montado (...)”. (KHATTAR, 2018)

“(...) chegou o grande dia para fazer o teste, eu pensava que iria tocar flauta transversal. (...), por fim, ele deixou a tuba mesmo para o final, (...), olhou e disse assim, ‘você sabe o que é tuba?’, eu firme e forte disse ‘sei!’. (...) eu juro: ‘Eu não sabia!’ ‘É isso que tem para me oferecer? - Eu sei!’. (...) Era um bombardão17. (...) Tirei um som. Super fácil, eu achei. E o negócio fluiu.

(...)”. (VIEIRA, 2018)

Houve desenvolvimento para eles a partir de suas dedicações ao estudo do instrumento, que, por sua vez, proporcionou uma característica em comum entre quase todos eles, que foi a de terem tido o seu primeiro contato com a docência dentro dos projetos em que estavam inseridos. Isso se dava pelo fato de que esses projetos não tinham professores específicos dos instrumentos. O ensino se dava por meio do maestro da banda, e, consequentemente, ao estudo e desenvolvimento dos alunos, que acabavam evoluindo. Eles passavam a transmitir o conhecimento adquirido para os novos integrantes dos projetos, os menos experientes, os mais novos, que necessitavam de um acompanhamento mais próximo. Com isso, os mais evoluídos passaram a ter essa responsabilidade:

“Foi na própria banda marcial que eu tocava. Quando eu fiquei um pouco mais avançado, eu já fui incumbido, quando eu começava a fazer umas vozes um pouco mais complexas, comecei a ser incumbido de coordenar já o próprio naipe do instrumento. Eu já considero isso como uma experiência de professor, (...). Então, essa foi minha primeira experiência (...)”. (SANTOS, 2018)

“Comecei a dar aula no projeto dos meninos de São Caetano-PE. (...) que tinha como lema: aprender a ensinar aos próximos alunos que chegavam. (...). (...) Era uma troca ‘dai de graça o que recebes de graça’, pois não pagávamos nada. (...)”. (VIEIRA, 2018)

“(...) Eu tinha uma bolsa de estudos na escola, se chamava CPMAC, Colégio Professor Maria Alice Cavalcante, em Mangabeira, em João Pessoa-PB. E lá, o meu trabalho era, como eu estava estudando para fazer faculdade, o meu trabalho consistia em pegar os outros membros da banda e fazer atividades, estudar escalas, tirar dúvida sobre passagem das músicas e aí eu tive oportunidade de começar a lecionar. (...) Esse foi o meu primeiro momento”. (SILVA, 2018)

Esses projetos proporcionaram, a cada um, experiências que eles carregam para toda a vida. Além dessa inicial, a prática docente, que os impulsionaram para a realidade de ser professor, que eles vivem na atualidade, também proporcionaram experiências como alunos,

17 Sobre a nomenclatura da Tuba: “no Brasil, atualmente, há várias nomenclaturas para o instrumento, dentre eles: tuba, baixo-tuba, bombardão, tuba sinfônica, entre outros” (LEONARDI, 2018. p. 11).

componentes das bandas: muitos deles, pela condição financeira, não teriam como conseguir, a exemplo da professora Vieira (2018), que viajou à França com a banda do Projeto dos meninos de São Caetano-PE, e obteve contato com o grande tubista Mel Culbertson, que era reconhecido mundialmente. Ela escreve que foi uma experiência maravilhosa, como podemos ver no relato abaixo:

“(...) foi exatamente isso que aconteceu com Mel Culbertson. Eu ter a oportunidade que não tem dinheiro que pague um negócio desse. (...)” (VIEIRA, 2018)

“(...) tive a oportunidade de ir para França! (...). (...), foi assim, minha oportunidade, sabe, (...), quando eu conheci Mel Culbertson. (...). (...) E foi um divisor de águas, essa oportunidade que eu tive com ele (...), era maravilhoso. Foram coisas incríveis. (...) Outra, ele não dava aula para ninguém iniciante. Ele preparava (...) para os melhores do mundo, concursos (...) e, pagando caro. Eu nunca paguei um centavo (...). Então, foi assim, um privilégio divino (...)”. (VIEIRA, 2018)

Como vemos, além do contexto familiar, cultural e social que influencia o ser humano como um todo, essas oportunidades que tiveram no decorrer de suas trajetórias foram importantes para a construção das suas características como os atuais docentes que são, pois contribuíram, de maneira ímpar, na constituição do perfil de cada professor na atualidade.

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