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Capítulo II. As Causas da Mobilidade Metropolitana e os modos e viagem

2.3. Periferização e Imobilidade Relativa

A população mais pobre da metrópole, quase sempre, mora longe das áreas mais centrais providas de importantes infraestruturas urbanas. Isto se dá por diversos motivos, dentre eles podemos destacar o preço do solo urbano nas áreas mais centrais, que dificulta a aquisição de moradias, em lugares com uma melhor infraestrutura urbana, pelas camadas mais pobres da população, além dos elevados preços dos

aluguéis. Não restando alternativas, muitos vão morar nas periferias10, fazendo com que a mobilidade das pessoas fique prejudicada, devido ao sistema de transporte com pouca eficiência, dependendo da localidade em que as pessoas moram, intensificando o processo de segregação.

Santos (2009), analisando a metrópole de São Paulo, argumenta que o baixo poder aquisitivo da maioria das populações periféricas é, pois, responsável pela relativa imobilidade de uma grande parcela da população. Este é um fenômeno de exclusão, pois, muitas vezes, os mais pobres, além de viverem em moradias precárias nas periferias metropolitanas, são subempregados e gastam muito tempo na locomoção do local de moradia para o de trabalho e vice versa. Santos (2009, p. 99), na continuidade de sua análise, enfatiza:

(...) não são apenas os velhos que são as vítimas da imobilidade, e esta, causada pela pobreza e baixos salários, resulta, também, pelas condições do lugar de residência que, na cidade, cabe aos mais pobres. Como os pobres se tornaram praticamente isolados ali onde vivem, podemos falar da existência de uma metrópole verdadeiramente fragmentada. Sem dúvida, muitas pessoas de outras áreas vão trabalhar em certos setores da aglomeração. Outras, deixam o seu próprio setor e vão trabalhar em outras áreas, em ocupações frequentemente pequenas, acidentais e temporárias. Muitos, todavia, são prisioneiros do espaço local, enquanto outros apenas se movem para trabalhar no centro da cidade, fazer compras ou utilizar os serviços quando têm a possibilidade e os meios.

Como já assinalamos, a maioria dos trabalhadores, que mora nas áreas mais periféricas da RMSP, desloca-se para a capital paulista pela existência de uma maior oferta de trabalho; pelo maior número de estabelecimentos educacionais; além de esta ser um importante centro de entretenimento e lazer. Sendo um município que tem a maior concentração do setor terciário e prestação de serviços, a capital paulista é o lugar que recebe, cotidianamente, o maior volume da população pendular metropolitana. Este fato faz com que haja necessidade de um sistema de transporte

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O termo “periferia” aqui utilizado refere-se aos lugares que além de estarem distantes do centro, são desprovidos de infraestrutura urbana, com precária rede de transporte, de condições de vida co mo: educação, saúde, lazer, saneamento básico, dentre outras.

rápido e eficiente, para que os deslocamentos desta importante população pendular não fiquem prejudicados.

Entretanto, o que presenciamos é um sistema de transporte que beneficia, sobretudo, as populações que vivem nas áreas mais centrais da metrópole. A população que mora nos municípios mais periféricos, como por exemplo, Juquitiba e São Lourenço da Serra, vive a existência de uma relativa imobilidade, pois no Sudoeste da RMSP, além de não haver um sistema ferroviário de transporte, os ônibus são caros, demorados e, muitas vezes, trafegam com superlotação, prejudicando, geralmente, a população que não tem automóvel e acaba dependendo do transporte público.

A mobilidade prejudicada na região metropolitana faz com que, nos dizeres de Milton Santos (2009), a metrópole de São Paulo seja verdadeiramente fragmentada. O autor argumenta que, de modo geral, quanto mais longe é a moradia, tanto mais tempo é gasto em transporte. Diz, ainda, que quanto menor a renda, maior é o tempo gasto no transporte do domicílio ao local de trabalho e vice versa. Estas características representam, no seu entendimento, uma clara evidência de que existe uma segregação na metrópole, com uma nítida separação entre moradia e trabalho. Santos (2010, p. 112) considera, ainda, que:

(...) o homem é o elemento de maior mobilidade dos países subdesenvolvidos e a cidade recebe, assim, as populações vindas da zona rural. No entanto, essa mobilidade é reduzida uma vez que as populações detêm seu movimento ao se fixarem na cidade.

Uma das características da urbanização dos países subdesenvolvidos, notadamente na América Latina, foi a de fixação das populações imigrantes na periferia, longe dos locais de trabalho. Em São Paulo, o Plano de Avenidas de Prestes Maia, da década de 1930 e o Plano de Metas, da década de 1950, do governo federal, consolidaram esta segregação produzida pelas políticas econômicas então vigentes.

Asquino (2012), discutindo acerca do Plano de Avenidas, de Prestes Maia, diz que o então prefeito da capital inaugurou a visão da cidade expansionista, baseada na

circulação viária radio concêntrica, a partir da década de 1930. Até essa época, privilegiava-se na cidade, sobretudo, o embelezamento e a estética. Segundo este autor, a opção pelo modelo das grandes avenidas estimulou o rodoviarismo em São Paulo, criando condições para o desenvolvimento de atividades produtivas não mais exclusivamente dependente da localização das ferrovias. O autor continua dizendo que tal modelo proporcionou uma capilaridade que permitiu a expansão periférica da ocupação urbana, mas sem o contraponto da estrutura de um sistema de transporte coletivo de massa. Este fato evidencia que os investimentos em infraestruturas urbanas beneficiam apenas os agentes hegemônicos para a reprodução do capital. A este respeito, Milton Santos (2013, pp. 114-115) faz uma análise referente à implantação de equipamentos modernos:

Legitimada pela ideologia do crescimento, a prática da modernidade cria, no território como um todo e em particular nas cidades, os equipamentos, mas também as normas indispensáveis à operação racional vitoriosa das grandes firmas, em detrimento das empresas menores e da população como um todo. Daí, em pouco tempo, resultados concomitantes: extraordinária geração de riquezas, cada vez mais concentradas, não é contraditória com a enorme produção de pobreza, cada vez mais difundida, (...) A modernização é o principal elemento motor dessas mudanças, acarretando distorções e reorganizações, variáveis segundo os lugares, mas interessando a todo o território.

As mudanças estruturais que ocorrem no espaço urbano são decisões de longe

para estruturar o lugar, pois os espaços passaram a ser funcionais para a conexão da

economia no período da globalização. Contraditoriamente, o município de São Paulo que, a partir da economia cafeeira e da industrialização, teve uma dinâmica integradora, considerando o território nacional, na atualidade, possui uma integração rarefeita, considerando-se a totalidade da RMSP.

O Plano de Avenidas de Prestes Maia na década de 1930, e o Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek na década de 1950, com investimentos sistemáticos em avenidas e rodovias para beneficiar a indústria automobilística instalada no país,

naquele período, foram os maiores responsáveis por privilegiar o escoamento de mercadorias e o transporte individual de passageiros, com uma séria influência em toda a Região Metropolitana, prejudicando o transporte coletivo, fato que culminou na atual problemática da mobilidade urbana, intensificando a segregação dos mais pobres. A este respeito, ASQUINO (2012) analisa que:

Apesar de conceber sistemas de transportes coordenados à estrutura de circulação proposta, não houve em Prestes Maia e tampouco naqueles que o sucederam, disposição para considerar as soluções para o transporte coletivo como prioritárias. Ao menos, não foram feitos investimentos públicos significativos nesta direção.

A relativa imobilidade de parcela considerável da população é ocasionada pela segregação imposta aos mais pobres, que habitam as periferias longínquas com pouca infraestrutura urbana. (Santos, 2009). Além do que, o transporte público coletivo nunca foi prioridade, mesmo na metrópole paulistana, que desde a década de 1930, já se projetava enquanto um espaço urbano amplo, abrangente e complexo. Bega dos Santos (1983, p. 129), analisando este processo segregacionista, afirma que:

Ao mesmo tempo que o capital tem necessidade de garantir a reprodução da força de trabalho e para isso precisa investir em infraestrutura urbana, também precisa investir em obras que assegurem a eficiência na circulação de capitais, levando parcelas consideráveis de força de trabalho a deslocar-se para áreas menos valorizadas, ainda não altamente atingidas pelas invers ões. Nestas áreas serão piores as condições para a reprodução da força de trabalho: mais distante do mercado de trabalho, maiores dificuldades de acesso aos bens e serviços necessários. A falta destas condições essenciais para a eficiência da força de trabalho, fará com que seja comprometida a produtividade individual.

Portanto, a exclusão social e espacial que presenciamos na metrópole prejudica diretamente os trabalhadores que precisam deslocar-se diariamente para exercer as suas atividades profissionais. Mas, também, a própria reprodução do capital acaba sendo prejudicada, pois, conforme destacado por Bega dos Santos (1983), a

produtividade individual da força de trabalho acaba, também sendo comprometida. Sendo assim, a segregação do pobre na periferia, associada à problemática da mobilidade metropolitana, faz com que o próprio trabalhador seja o maior prejudicado, pois as idas para o trabalho e a volta para casa tornam-se demoradas e cansativas, fato que contribui negativamente para a própria reprodução do capital. Além disso, o preço do transporte público contribui para que a mão de obra fique mais cara, o que causa maior dispêndio monetário para as empresas e aos trabalhadores.

Vai acontecendo na cidade uma especialização funcional e as infraestruturas traçam no território vias de comunicação rápidas e integradoras (SANTOS 2010). O intenso investimento em rodoviarismo, durante o século XX, fez com que a cidade de São Paulo e, posteriormente, toda a região metropolitana tivesse uma grande concentração de avenidas e rodovias interligando a capital paulista a todo território nacional. Dialeticamente, na contemporaneidade, é justamente essa concentração que está deixando a metrópole com uma fluidez menor, devido ao excesso de veículos, tendo como principal consequência os constantes engarrafamentos, comprometendo a mobilidade.

No cartograma 8 temos em destaque os corredores; os terminais existentes e os projetados. Percebemos que os corredores exclusivos não abrangem todos os municípios metropolitanos. Na região Sudoeste, somente os municípios de Embu Guaçu, Itapecerica da Serra, Embu das Artes e Taboão da Serra têm corredores exclusivos para os ônibus. Além disto, não há a existência de terminais, somente o projeto de implantar um em Itapecerica da Serra e outro em Embu Guaçu

Figura 7: Corredores e Terminais de Ônibus na RMSP

Fonte: EMTU

Os investimentos maciços em rodoviarismo, sobretudo a partir da década de 1930, pelas esferas municipal, estadual e federal, fazem com que o espaço urbano metropolitano seja caracterizado por estradas e grandes avenidas em detrimento das ferrovias.

Estes investimentos são fundamentais para a produção e reprodução do capital através de ações produtoras e reprodutoras do espaço urbano de acordo com uma lógica espoliadora para o trabalhador, já que os gastos com locomoção são enormes para quem mora longe. É justamente a população que mora na periferia aquela que mais gasta com transporte coletivo, se comparado com quem mora nas áreas mais centrais, onde a quantidade de emprego é significativamente maior. Os trabalhadores

que vivem longe do local de trabalho têm carência de um sistema de transporte eficiente e quantitativamente suficiente para que a locomoção se torne menos dispendiosa, tanto em relação aos custos, quanto ao tempo despendido nas viagens, além da questão do conforto para os passageiros. Como ilustrado na tabela 3, os municípios de São Lourenço da Serra, Embu Guaçu e Juquitiba, são os que têm os menores índices de mobilidade pendular da região Sudoeste, com percentuais de 17, 15 e 10%, respectivamente. São Lourenço da Serra e Juquitiba são municípios que, além de serem mais distantes dos demais da Região – com maiores concentrações de empregos - não chegaram a se industrializar como aqueles. Portanto, não acumularam capital em épocas de surto industrial. Na atualidade, não dispõem de serviços sofisticados e avançados, se comparados com os demais municípios da região Sudoeste.

Além disso, conforme já analisado por Zandonadi (2013), a proximidade com São Paulo, de certa forma, limita o total desenvolvimento de atividades econômicas, não somente em Juquitiba e São Lourenço da Serra, mas em grande parte das cidades da Região Metropolitana, com exceção de algumas que se industrializaram no período desenvolvimentista, como São Bernardo do Campo, Santo André, Guarulhos, Osasco e, posteriormente, Diadema e Barueri.

É a dialética manifestando-se: ao mesmo tempo em que as cidades no entorno metropolitano beneficiam-se desta proximidade, com o desenvolvimento de atividades econômicas importantes - como a instalação de empresas de maior porte, que escolhem tais localizações pelas vantagens comparativas, como a proximidade com a capital paulista - contraditoriamente, esta mesma proximidade inibe o desenvolvimento de atividades mais sofisticadas, ou até nem tão sofisticadas, que estão localizadas em São Paulo, pelas vantagens comparativas que a metrópole continua tendo. Além disso, estas atividades econômicas (industriais, comerciais, prestadoras de serviços) estão relativamente acessíveis aos moradores dos demais municípios da RMSP. Embora, o processo seja contraditório, há complementaridade, reciprocidade e, também concorrência: determinadas atividades são mais “funcionais” em São Paulo do que nos municípios mais distantes, pois a capital, ao longo do processo de industrialização e expansão dos serviços, acumulou vantagens comparativas, com infraestruturas

importantes que melhor viabilizam a reprodução do capital. Tais concorrência e complementaridade não se estabelecem da mesma forma em uma cidade média do interior paulista. Se compararmos uma cidade com o mesmo porte populacional do interior do Estado com as cidades da RMSP, as primeiras têm uma dinâmica intraurbana mais complexa que as segundas.

Isto tudo interfere nos deslocamentos pendulares, já que a maior concentração de empregos na RMSP está em São Paulo. Pela análise da tabela 3 do capítulo 1, podemos considerar que, com exceção de Embu Guaçu, os municípios da Região Sudoeste mais próximos de São Paulo - Embu das Artes, Itapecerica da Serra, e Taboão da Serra – além de possuírem as maiores populações em termos absolutos, são, também, os que têm a maior quantidade de movimento pendular. São Paulo continua sendo o município que menos fornece trabalhadores para os demais da região metropolitana (3,0%). Apesar do processo de desconcentração da atividade industrial, a metrópole paulistana continua tendo primazia em relação ao território nacional. Sendo assim, não é de se estranhar que a grande maioria dos seus moradores trabalham no próprio município. Além disso, como já salientamos, a capital paulista continua exercendo uma forte atração sobre os trabalhadores que moram nos outros municípios e, também, é fornecedora de mão de obra para empresas localizadas em outros municípios da região metropolitana. Mesmo considerando o pequeno percentual (3,0%), considerando os números absolutos, há uma forte expressividade.

Além da capital, outros municípios do seu entorno têm grande importância econômica, exercendo também força de atração, com significativos movimentos pendulares em suas direções. Isto ocorre pelo fato de terem um importante mercado de trabalho, já que se localizam em uma Região Metropolitana que é o maior centro das decisões econômicas e financeiras do país.

Esta complexidade do espaço urbano metropolitano influência na dinâmica de desenvolvimento dos demais municípios: ao mesmo tempo em que se beneficiam da proximidade com a capital paulista, arcam com certo tipo de ônus, decorrente desta proximidade, considerando as funções de complementaridade e concorrência exercida por São Paulo.

Na região Sudoeste, a dinâmica da circulação é complexa. Como já discutimos, os municípios mais próximos da capital têm maiores mobilidades e Itapecerica da Serra é o que tem maior mobilidade dentro desta região, pelo fato de ter uma posição estratégica: faz divisa com a capital e está localizado no centro da região Sudoeste. Tal fato cria uma certa proximidade com os demais municípios e ao mesmo tempo, faz com que Itapecerica sirva como “escala obrigatória” para os trabalhadores que moram em Juquitiba e em São Lourenço da Serra que vão para a capital, como também para os trabalhadores que moram em Embu das Artes e em alguns bairros de Taboão da Serra que querem ir para Juquitiba ou São Lourenço. Há linhas de ônibus a partir de Itapecerica da Serra para todos os municípios da região Sudoeste, inclusive para Cotia, município localizado na região Oeste da metrópole. Já em Taboão da Serra há opção de ônibus para Osasco, também localizado na região Oeste. Para os trabalhadores dos demais municípios da região Sudoeste que vão para Osasco, Taboão da Serra passa a ser o destino para realizar esta conexão por ônibus.

Assim, a conexão do sistema de transporte entre os municípios da região Sudoeste já é fragmentada, mesmo sem levar em conta a totalidade da metrópole, sendo que muitos passageiros que têm como destino um determinado município desta região, algumas vezes, precisam utilizar mais de um ônibus.

Para melhorar o sistema de transporte da região, além da expansão da Linha 4 Amarela11 do metrô, que já tem o projeto para a construção de uma estação em Taboão da Serra, ligando este município à estação do metrô Luz, é necessário aumentar a frota dos ônibus; integrar mais os municípios, expandindo a quantidade de linhas para diversos destinos; e implantar deforma sistemática terminais de ônibus com integração entre os municípios, interligando-os eficazmente com o Metrô e a CPTM, o que irá, certamente, diminuir a fragmentação.

E para que isto ocorra, é necessário que o poder público aumente os investimentos em transportes coletivos nesta região, para que os trabalhadores deixem de ser prejudicados pela pouca eficiência do sistema de transporte público.

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Iremos discutir esta expansão da Linha 4 Amarela do metrô no capítulo 3, no qual iremos abordar as propostas do governo para a melhoria do sistema de transporte.

Na figura 11 temos as direções dos fluxos de pessoas entre os municípios da região Sudoeste e a capital paulista. Percebemos que há um fluxo acima de 10.319 pessoas que vão de São Paulo para os municípios de Embu das Artes, Taboão da Serra, Itapecerica da Serra e Embu Guaçu. Também há uma proporção de deslocamento equivalente destes municípios para a capital paulista. Esta dinâmica urbana é explicada pela proximidade entre estes municípios, além da presença de mercado de trabalho, fazendo com que haja uma importante dinâmica na mobilidade entre estes municípios. Também, pela análise da figura, percebemos que o município de Itapecerica da Serra, tem uma centralidade entre os municípios da região Sudoeste, pois a partir deste, é possível se deslocar para todos os municípios desta região utilizando apena um ônibus, consequentemente pagando apenas uma tarifa.

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