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CAPÍTULO IV UM INTERVENTOR NA BIBLIOTECA: OS LIVROS SOB

4.2. O perigo das ideias em circulação

Ao final da segunda década do século XX, nas capitais do Rio de Janeiro e São Paulo, as inquietações políticas e culturais eram expostas pela “presença marcante de imigrantes e da crescente massa de operários” (CARNEIRO, 1997, p. 24). Novos tempos se constituíam e, mais uma vez, a censura200 acontecia:

200 No Brasil, nos tempos de Colônia e Império prevaleceu o controle da produção, circulação e

importação de publicações por parte da existência da Imprensa e Censura Régias, organizadas pelo poder político e religioso. Somente em 1821 é que foram permitidas as produções de jornais e livros no Brasil, quando foi proclamada a liberdade de imprensa. Mesmo assim, no século XVIII, muitos escritos da

Tempos de industrialização, tempos de modernidade, tempos de rebeldia. Tempos de movimento anarquista e de infiltração das ideias comunistas. [...] O jovem Estado republicano não abriu mão da vigilância e repressão aos novos subversivos. A censura já se fazia velha, imortal, multifacetada, persistindo como alimentadora de mitos (CARNEIRO, 1997, p. 24).

Nos anos de 1930, os discursos políticos de Getúlio Vargas relativos a uma revolução dita liberal, considerada solução para combater as “velhas” formas de poder político, criticando as antigas oligarquias dirigentes, trazia consigo a falsa ideia de uma possível liberdade no Brasil. O Ministro da Justiça, em dezembro de 1933, relacionava as proibições que deveriam ser levadas a efeito (CARNEIRO, 1997, pp. 24-26):

- as críticas ao governo em termos acriminosos;

- expressões e referencias pejorativas aos seus membros;

- notícias que pudessem prejudicar a ordem pública e estimular subversões, agressões pessoais a quem quer que fosse, críticas aos governos estrangeiros e seus representantes,

- informações que pudessem produzir alarmes ou apreensões e, finalmente, boatos de tendenciosidade manifesta (MACIEL, 1933)201.

A Constituição de 1934, apesar de afirmar que “a publicação de livros e periódicos, independe da licença do poder público”, não “admitia a propaganda de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política ou social202”.

Em 1935, após a chamada “Intentona Comunista”, foi decretado estado de sítio e censura à impressa. Os “comunistas” tornaram-se inimigos declarados do governo e os aparelhos de repressão e censura os tinham como alvo de perseguição. Em 1937, com a instalação do Estado Novo, a censura foi admitida constitucionalmente, suprimindo a liberdade de informação. Restrições foram impostas ao comércio de livros no Brasil.

literatura francesa iluminista, reconhecida como sediciosa, não deixaram de circular clandestinamente no país. De acordo com Carneiro (1997, p.22), “como sempre, seguindo um antigo proverbio, ‘tudo que é proibido tem mais sabor e atiça a curiosidade’”. Nos anos iniciais de consolidação da República, a ideia de um “consenso nacional” era desmistificada pela existência dos chamados “subversivos da República”, que atuavam para desprestigiar a nova organização política (monarquistas) e também denunciar os desmandos dos presidentes militares (outros grupos republicanos). A forma de atuação se dava pela circulação de ideais, principalmente, através de jornais e outros escritos, e, da mesma forma como continuaram a existir as ideias contrárias à ordem política, econômica e social vigente, persistia também a censura literária (JANOTTI, 1986).

201 MACIEL, Francisco Antunes. Publicação do Diário da Assembleia Nacional, dez/1933, apud Carneiro

(1997, p. 26).

202 De acordo com Hallewell (2012, p. 503), o artigo da constituição baseava-se em um “conceito quase

tão universal quanto a sanção da lei militar no Army Act, do Reino Unido, contra condutas ‘prejudicais à boa ordem e à disciplina militar’”.

Para o editor e comerciante de livros José Olympio (Editora Record), o mercado havia “enfraquecido” devido à “apreensão de livros em todo o território nacional, sem que, na maioria das vezes, obedecesse um critério justificável203”. De acordo com Hallewell

(2012, p. 504): “José Olympio logo se viu perseguido por dois lados: a polícia apreendia seus romances, por seu pretenso conteúdo comunista, ao mesmo tempo em que confiscava livros políticos integralistas por defenderem um tipo errado de fascismo”.

O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) foi criado em 1939, pelo Decreto-Lei nº. 1915, de 27 de dezembro de 1939204, regulamentado pelo Decreto-Lei

nº. 5077, de 29 de dezembro do mesmo ano205, sendo responsável por coordenar,

orientar e centralizar a propaganda interna e externa, atuando sobre os meios de comunicação, sobre o rádio, cinema, imprensa escrita e atuante na edição206 e censura

aos livros. Tanto o DIP quanto o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) “funcionavam como engrenagens reguladoras das relações entre Estado e o povo” (CARNEIRO, 1997, p. 26). O primeiro atuava na regulação da imagem a ser construída do governo de Getúlio Vargas; o segundo reunia as “subversões”, era responsável por definir os crimes políticos e atuava na vigilância e repressão.

Nos prontuários policiais, era anexado como prova tudo o que podia responsabilizar uma pessoa ou grupo de pessoas no sentido de agir em contradição com a ordem idealizada. Panfletos, bandeiras, jornais, boletins, livros e outros escritos podiam servir como elementos comprobatórios de crimes políticos. O controle era acirrado e não era à toa que grupos revolucionários usavam de táticas para conseguir difundir suas ideias:

Nos anos 40, um dos expedientes empregados pelos comunistas em São Paulo para camuflar a distribuição de folhetos era bastante curiosa. O encarregado da distribuição disfarçava-se de vendedor de modinhas populares e saía vende-los pelos bairros onde o controle se fazia mais intenso. De porta em porta, cantarolava trechos de sambas e marchas sem despertar suspeita. Se alguém o chamava para comprar

203 PEREIRA FILHO, José Olympio de. O que se lê no Brasil, Annuário Brasileiro de Literatura, n. 3, p.

401, 1938, apud Hallewell (2012, p. 503).

204 BRASIL. Decreto nº. 1915, 27 dez. 1939. Disponível em:

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1915-27-dezembro-1939-411881- publicacaooriginal-1-pe.html . Acessado em: 15/05/2015.

205 BRASIL. Decreto nº. 5077, 29 dez. 1939. Disponível em:

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-5077-29-dezembro-1939-345395- publicacaooriginal-1-pe.html. Acessado em: 15/05/2015.

206 Sobre os livros editados, organizados e coletados pelo órgão, ver o artigo de Tania Regina de Luca

(2011) que se baseia em uma pesquisa realizada na tentativa de mapear os livros da “Biblioteca do DIP” em dois acervos norte-americanos.

sua mercadoria, aproveitava a oportunidade e introduzia dentro do livrinho um folhetim comunista. Surpresos, alguns os jogavam fora, outros os guardavam para ler em momento propício (CARNEIRO, 1997, pp. 32-33).

Até o final dos anos 1940, a censura à circulação de ideias e à distribuição de livros dava-se principalmente no combate ao comunismo. Durante todo o Estado Novo, sedes de associações, clubes, livrarias, creches e escolas eram vistos como espaços que continham livros e, portanto, poderiam conter ideias contrárias à formação da Nação e/ou que atingiriam a ordem política e social. De acordo com Carneiro (1997, pp. 43- 47), os livros publicados pelos principais teóricos integralistas circulavam sem qualquer tipo de censura, assim como os livros de cunho fascista e nazista. Isso mudou depois da tentativa de golpe dos “camisas verdes”, em 1938, e no que diz respeito ao Eixo, depois da deflagração da Segunda Guerra Mundial, sobretudo posteriormente à declaração de apoio aos países aliados.