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CAPÍTULO II CERIMÔNIAS E SÍMBOLOS NACIONAIS: PARA DIVULGAÇÃO

2.3 Símbolos e rituais filmados no IMDA

Em uma das cenas do filme, estudantes aparecem com camisetas com a sigla das Organizações Juvenis dos Italianos no Exterior (OGIE), representativa da Juventude Fascista criada pelo Partido Nacional Fascista em unidades instauradas no estrangeiro103. Além dos Fasci, os jovens também eram reunidos pelas chamadas OND

(Opera Nazionale Dopolavoro), que promoviam manifestações de valorização dos ritos patrióticos italianos e atividades culturais, turísticas, recreativas, esportivas e assistenciais104.

No projeto de construção de um “novo homem”, o fascismo investiu na cooptação dos jovens tomando como base as organizações militares para oferecer uma instrução que desenvolvesse valores físicos, morais e psicológicos, resultando, assim, na formação de cidadãos-soldados. Para tal projeto formativo, foi criada em 1926 a Opera Nazionale Balilla (ONB), que passou a se chamar Giuventù Italiana del Littorio (GIL) em 1937, cuja hierarquia dos participantes se dava por idade e sexo: “Filhos da Loba” (crianças de ambos os sexos até 8 anos de idade), “Balilla” (dos 8 aos 14 anos),

102 Lembrando que Crespi não escondia sua simpatia pela ideologia propagada por Mussolini e, quando

morre, em 1939, é enterrado vestindo o uniforme de camisa negra.

103 O Fascio “Filippo Corridoni” de São Paulo foi criado em 1923. Depois desse, foram criados os Fasci

em outras localidades, como, por exemplo, em Campinas, Araraquara, Bauru, Jundiaí, Mococa, São Carlos, Sorocaba, Santos, Ribeirão Preto, Piracibaba e Itápolis. Sobre isso, ver Bertonha (2001, p. 189), Santos (2001, pp. 26-28) e Trento (1989, pp. 310-311).

104 As Dopolavoro surgiram no Brasil em fins da década de 1920 e início dos anos 1930. Devido às

atividades promovidas, as seções da Dopovaloro obtiveram maior número de filiados no país. Assim como os Fasci, essas seções também eram subordinadas aos consulados e à rede diplomática italiana no Brasil. Ver Bertonha (2001, pp. 107-112).

“Vanguardistas” (14 aos 18), “Jovens Fascistas” (mais de 18), enquanto as meninas eram agrupadas nas “Pequenas Italianas” e nas “Jovens Italianas” (TRENTO, 1989, p. 314).

Ilustração 8 - Fotograma com imagem de jovens perfilados segundo a hierarquia da ONB na 9ª Leva Fascista, em Roma (1935). Fonte: “La cerimonia della IX° Leva fascista”, Roma, 00:01:53, b/n, sonoro, 29.5.1935. Giornale Luce B0687105.

Para a passagem de um nível a outro ocorriam na Itália as chamadas “Levas Fascistas”. Nessas cerimônias106, membros da Juventude Fascista se apresentavam

posicionados na ordem hierárquica da ONB e repetiam os juramentos proferidos pelo Duce ou por outras autoridades.

A cena dos estudantes perfilados no IMDA, diante do oficial italiano de camisa negra, assemelhava-se aos rituais que aconteciam nas “Levas Fascistas”:

105 Disponível em: http://senato.archivioluce.it/senato-luce/scheda/video/IL5000018925/2/Italia-

Roma.html. Acessado em: 22.1.2015.

106 De acordo com Tarquini (2011, p. 78), o rito de passagem das etapas da juventude nas Levas Fascistas

Ilustração 9 - Fotograma de imagem dos alunos uniformizados segundo a hierarquia prevista pela ONB (1937). Fonte: Cinquant’anni di colonizzazione Italiana in Brasile. 35mm, BP, 20 min, 550 m, 24q. Acervo Cinemateca Brasileira. Fotograma

retirado de DELL’AIRA & FLORENCIO (2012).

Ilustração 10 - Fotografia da Juventude Fascista na 16º Leva Fascista, em Roma (1942). Fonte: ASLUCE, In piazza Bocca della Verità a Roma si svolge la cerimonia della XVI Leva Fascista. Roma, b/n, 1.10.1942.107

107 Disponível em: http://senato.archivioluce.it/senato-luce/scheda/foto/IL3000012894/12/In-piazza-

Bocca-della-Veritagrave-a-Roma-si-svolge-la-cerimonia-della-XVI-Leva-Fascista.html. Acessado em: 22.1.2015.

A frase “crer, obedecer e combater”, estampada na faixa colocada na arquibancada no IMDA, era utilizada na Itália para simbolizar que a educação dos jovens passava a ser responsabilidade dos Fasci. De acordo com Tarquini (2011, p. 156), a partir dos anos 1930, “todos os membros, incluindo os jovens, deveriam prestar juramento e servir as ordens do Duce”.

Ilustração 11 - Fotograma com imagem da faixa com o slogan “Credere, Obbedire e Combattere” afixada na arquibancada do IMDA. Fonte: Cinquant’anni di colonizzazione Italiana in Brasile. 35

mm, BP, 20 min, 550 m, 24 q. Acervo Cinemateca Brasileira. Fotograma retirado de DELL’AIRA & FLORENCIO (2012).

Além dos gestos e símbolos presentes nas cenas, é importante também levar em conta os modos de captar as imagens. Considera-se a “decupagem clássica” de Ismail Xavier (2005), na qual o filme é tido como um conjunto de sequências, constituídas por cenas, que podem ser analisadas por seus planos (o plano é ponto de vista em relação ao objeto filmado).

As “Levas Fascistas” eram espetáculos que contavam com a presença de uma multidão de participantes e espectadores. Ocorriam inicialmente em Roma, mas também foram realizadas em outras cidades, como Nápoles e Milão.

As tomadas por “câmera alta” (de cima para baixo – plongée) são uma marca dos filmes que eram responsáveis por exaltar o envolvimento das massas nos regimes totalitários. Nas filmagens das “Levas Fascistas”, isso não era diferente:

Ilustração 12 – Fotograma com a tomada de cima dos jovens participantes da 9ª Leva Fascista, em Roma (1935). Fonte: La cerimonia della IX° Leva fascista. Roma, 00:01:53, b/n, sonoro, 29.5.1935. Giornale Luce B0687108.

Nas imagens do IMDA, a posição dos estudantes e as imagens tomadas por “câmera alta” também serviam para superestimar a quantidade de participantes e exaltar o modo como os corpos estavam organizados em grupos e formavam nas imagens a extensão de cada um dos indivíduos em uma única corporação. Cada um com seu papel, montava assim uma lógica de posições e movimentos que se complementavam.

Ilustração 13 - Fotograma com imagem dos estudantes e desfile das autoridades italianas no IMDA: ao centro, o cônsul-geral e, ao lado, os dois oficiais camisas negras que acompanhavam a comitiva do ministro (1937). Fonte: Cinquant’anni di colonizzazione Italiana in Brasile. 35 mm, BP, 20 min, 550 m, 24 q. Acervo

Cinemateca Brasileira.

108 Disponível em: http://senato.archivioluce.it/senato-luce/scheda/video/IL5000018925/2/Italia-

Outras estratégias também podem ser observadas nesses filmes. Em geral, as autoridades eram exibidas em plano americano (mostradas até a cintura, próximas da câmera) ou em primeiro plano (“close-up”). Isso se dava pela importância que tinham nas cerimônias, sendo sempre focadas como figuras de destaque. A câmera seguia os passos das principais figuras da cerimônia.

Nas imagens de primeiro plano, normalmente, autoridades ou mesmo os participantes nos momentos mais significativos das cerimônias, como na passagem de nível para outro na hierarquia da ONB, eram filmados em “câmera baixa” (de baixo para cima – “contra-plongée”) como uma forma de marcar a grandiosidade dos rituais e de reforçar as posições de destaque das autoridades.

Ilustração 14 - Fotograma com imagem de Mussolini tomada em plano americano e com a câmera em contra-plongée. 6ª Leva Fascista, em Roma (1932). Fonte: ASLUCE, La grandiosa cerimonia della VIa leva fascista a Piazza del Popolo. Roma, 1932, 00:03:48 , b/n, sonoro. Giornale Luce, B0080. b/n, sonoro.109

109 Disponível em: http://senato.archivioluce.it/senato-luce/scheda/video/IL5000011881/2/Roma-La-

Ilustração 15 - Fotograma com imagem da esquerda para direita: o diretor do IMDA (Attilio Venturi), o cônsul-geral Giuseppe Castruccio e um oficial italiano camisa negra. Filmados em plano americano e com a câmera em contra-plongée. Fonte: Acervo Cinemateca/SP. Cinquant’anni di colonizzazione Italiana in Brasile. 35mm,

BP, 20 min, 550 m, 24q.

Outro elemento importante que acompanha as cenas e os planos é a música. Na montagem com as imagens passadas no interior do IMDA, foi incluído o hino oficial do Partido Nacional Fascista, a Giovinezza. As manifestações culturais desenvolvidas pelas organizações políticas fascistas seguiam ritos culturais e representavam um projeto de educação estética a ser desenvolvido nas instituições escolares. Toda a cerimônia deveria respeitar um censo artístico e cultural que a identificasse dentro da estética fascista. A Giovinezza ao fundo é um aporte para anunciar aos espectadores que as imagens demonstram que a cerimônia filmada tinha os requisitos necessários para ser caracterizada como um exemplo deste modelo estético.

Para uma “contra-análise”110 das imagens do filme, fez-se necessário encontrar

referências sobre ele em outro tipo de documento. A edição do jornal Fanfulla publicada em 21 de abril de 1937 informava sobre a visita do ministro italiano no IMDA na mesma ocasião na qual se comemoravam o Aniversário de Roma e o do Dia de Tiradentes111. Não há como afirmar que todas as cenas foram filmadas nessa mesma

110 Marc Ferro (in LE GOFF & NORA, 1988) afirma que o cinema pode ser utilizado nas pesquisas

históricas como uma contra-análise da sociedade, uma forma de narrar o passado.

ocasião; é possível que as imagens tenham sido tomadas em dias diferentes, considerando que algumas imagens remetem a uma competição esportiva promovida pela OGIE.

A partir das informações encontradas na notícia publicada pelo Fanfulla, revelando a data na qual o ministro esteve no IMDA, passei a considerar principalmente que as imagens procuravam evidenciar apenas os atos que estavam em consonância com práticas simbólicas que valorizavam a italianidade e os ritos fascistas. Desse modo, qualquer ação que fazia referência a um símbolo da cultura brasileira, como é o caso do culto ao mártir da Independência, não se mostrava relevante para a representação da instituição mostrada a um público a ser seduzido pela sensação de organização e proeminência da cultura italiana e fascista em âmbito internacional.

Essa perspectiva de análise não deixa de considerar que a proposta de difusão cultural para além do Reino estava alicerçada na ideia expansionista colonizadora, justificada pelo próprio título do filme, composto pela palavra “colonização” e não “imigração”. Presume-se que os ritos só podiam ser formulados e desenvolvidos a partir das características culturais e simbólicas da cultura dominante, que era tecida como essencial para comunidade italiana. A escola de São Paulo deveria assumir a identidade italiana e fascista, mesmo que, na prática, isso não se concretizasse dessa forma.