• Nenhum resultado encontrado

Segundo Saroni e Darós (1979, p. 11), a periodização é um recurso didático importante para o estudo do passado, uma vez que este abrange o acúmulo de todas as formas de cultura e variadas espécies de civilizações já existentes e, portanto, é um exercício de muita complexidade.

A invenção da Escrita e o nascimento de Cristo são os dois grandes marcos identificados pelos autores, no processo didático de apreensão do passado. Os autores alertam que “[...] a divisão aqui proposta para a Pré-História e para a História é, claramente, uma divisão ocidental, por ser a que nos diz respeito mais diretamente. Fosse apresentada por uma cultura oriental, certamente seria outra.” Mostram ainda um quadro com a divisão entre a Pré-História e a História e suas subdivisões, bem como a

contagem cronológica do tempo, entre a.C. e d.C. Ao discorrer sobre cada um dos períodos da Pré-História, apresentam-nos com seus limites temporais e as características de sua cultura material.

O Paleolítico, ou Antiga Idade da Pedra ou ainda Idade da Pedra Lascada, é identificado entre 500 mil e 18 mil antes de Cristo, por intermédio de “[...] expressões típicas da pedra lascada e da atividade predatória.” (SARONI e DARÓS, 1979, p. 9).

Certamente, porém, não foi o primeiro momento da existência humana, pois “[...] já existia vida humana antes dessa época, mas praticamente nada se sabe sobre ela.” O Neolítico, ou Nova Idade da Pedra ou Idade da Pedra Polida, com a duração entre 18 mil e 5 mil antes de Cristo, disponibiliza para análise instrumentos de pedra com polimento e corte afiado, portanto, de ‘melhor qualidade’. A Idade dos Metais, ocorrida entre 5 e 4 mil antes de Cristo é imediatamente anterior à invenção da escrita, portanto, ao início da História.

Os autores alertam, do mesmo modo, para o fato de que os termos utilizados para identificar os períodos, não representam a totalidade da vida pré-histórica, apenas as técnicas de trabalho sobre as matérias-primas utilizadas na confecção de seus artefatos. Essas denominações são, portanto, empregadas apenas para efeito de sistematização do estudo. Ao encerrar a Introdução, os autores acham importante destacar os conceitos de cultura e civilização, como introdução para a periodização da História propriamente dita.

Quando o homem primitivo aprendeu a lascar uma pedra e fazer dela um machado, ele fazia cultura. Quando o homem vergou a madeira e fez dela um arco, ele criava cultura. [...] Quando um povo chegava a acumular uma tradição significativa de valores culturais, não apenas pela variedade e quantidade de objetos e de técnicas, mas também pela unidade de conjunto e pela riqueza de valores sociais, econômicos, políticos, religiosos, já não se fala de cultura, mas deve-se falar de civilização [grifo nosso].(SARONI e DARÓS, 1979, p. 10).

A origem dessas construções é antiga e a configuração atual é fruto das discussões iluministas, especialmente no século XVIII, quando cultura é associada às

idéias de progresso, de evolução, de educação, de razão; e civilização evoca o processo que arranca a humanidade da ignorância e da irracionalidade, identificando a melhoria das instituições, da Legislação e da Educação.

Para Cuche,

O uso de “cultura” e de “civilização” no século XVIII marca então o aparecimento de uma nova concepção dessacralizada da história. A filosofia (da história) se libera da teologia (da história). As idéias otimistas de progresso, inscritas nas noções de “cultura” e “civilização” podem ser consideradas como uma forma de sucedâneo de esperança religiosa. A partir de então, o homem está colocado no centro da reflexão e no centro do universo. Aparece a idéia da possibilidade de uma “ciência do homem;”. [...] (CUCHE, 1999, p. 23).

Tanto Cuche (1999) como Elias (1994), buscam a origem e a tonalidade com que a palavra civilização é empregada em diferentes países. Para franceses e ingleses, por exemplo, civilização “[...] pode se referir a fatos políticos ou econômicos, religiosos ou técnicos, morais ou sociais.” E é, de fato, essa a conotação dada pelos autores do livro didático. (ELIAS, 1994, p. 24).

Nesse contexto e com esse novo olhar, a troca da ‘providência divina’ pela racionalidade possibilita definir civilização como o processo de controle da Natureza, desenvolvido a partir do ‘re-conhecimento’ das leis que lhe são próprias. Nesse processo de controle da Natureza, o conhecimento acerca da Pré-História interessa apenas porque possibilita perceber o desenvolvimento da tecnologia com esse fim.

Também a periodização da Pré-História é elaborada sob essa perspectiva de crescente domínio sobre as forças da Natureza. Na obra analisada ela aparece, ainda, num texto e num quadro (ver Figura 2), nos exercícios de fixação, ao final da Introdução, identificando as Eras geológicas, o tempo de duração e os principais acontecimentos em cada uma delas.

Figura 2 – Quadro-resumo para ‘auxiliar a memória’

Fonte: História das Civilizações - (SARONI e DARÓS, 1979, v.1, p. 12).

O quadro-resumo, proposto para auxiliar o aluno a construir um esquema dos períodos pré-histórico e histórico reúne, em forma de gráfico que sugere um ponto de interrogação, os períodos culturais, a tecnologia preponderante e as datações de início e fim de cada um.

Nele aparecem também os marcos divisórios entre Pré-História e História sem, no entanto, registrar seu motivo e o nascimento de Cristo, demarcando a.C. e d.C. Observando o quadro com mais atenção, percebe-se que a interrogação compreende o processo evolutivo do Homem e, conseqüentemente, a maior parte da Pré-História.

A linha reta, na base da interrogação, identifica o período histórico. Linha reta, sem sinuosidades, passa a mensagem de segurança e continuidade. Uma afirmação subliminar da opção historiográfica dos autores? Para Paiva (2002), ao discorrer sobre a iconografia na História, “[...] o campo icônico e figurativo influencia, diretamente, nossos julgamentos; [...] de construirmos nossas práticas culturais e de novamente representarmos o mundo em que vivemos, em toda sua diversidade e complexidade.” (PAIVA, 2002, p. 26-7).

A imagem da interrogação, portanto, pode criar a sensação de insegurança e fragilidade em relação aos conhecimentos acerca da Pré-História.

Paiva (2002), afirma ainda que a sobrevivência da humanidade, em ambiente inóspito, só foi possível com a elaboração de um sistema de cooperação e organização social, que permitiu o desenvolvimento de tecnologia para exploração dos recursos naturais.

Dividido em cinco partes, trata das atividades para sobrevivência, das técnicas, utensílios e instrumentos desenvolvidos, do vestuário e da habitação, da organização familiar e social e, por fim, das manifestações artísticas e espirituais do Homem pré- histórico. Certamente por perceberem as imagens como instrumentos pedagógicos, o livro é e fartamente ilustrado, contribuindo para a elaboração do imaginário acerca do cotidiano do Homem primitivo.

Cenas de fabricação de instrumentos, de caça, de preparação do alimento com a utilização do fogo, de preparação do couro, de sepultamento, de pinturas em cavernas, de pesca, da domesticação de animais e plantas e, finalmente, da fabricação de instrumentos mais elaborados, inclusive de metal, fortalecem exatamente a idéia que é legendada na página: evolução, como exposto abaixo, na Figura 3. Assim, à medida que a leitura do capítulo vai avançando, vai se fortalecendo a idéia de uma melhoria continuada nas condições da vida primitiva.

Figura 3 – Cenas da evolução cultural na Pré-História

Fonte: História da Civilização (SARONI e DARÓS, 1979,v.1, p. 16).

Antes de apresentar as atividades de coleta, caça, pesca e agricultura, o texto esclarece que é possível recuperar o passado anterior à escrita, a partir do estudo dos vestígios da ação humana e, principalmente, dos fósseis. “Pelo conjunto desses vestígios é possível acompanhar o esforço do Homem pré-histórico em sua sobrevivência e a evolução observada, na medida em que ia incorporando novas descobertas às experiências anteriores.” (SARONI e DARÓS, 1979, p. 17).

Todas as atividades vão sendo descritas sem referência alguma a pesquisas arqueológicas ou à Historiografia que possibilitou tais sínteses, como se houvesse uma “[...] evolução dos hábitos alimentares do Homem pré-histórico, passando dos frutos e

raízes para o reino animal, [levando-o] à atividade da pesca.”(SARONI e DARÓS, 1979, p. 17).

Com o início do pastoreio e da agricultura, supera-se a vida nômade e inicia a fixação das comunidades em áreas apropriadas, com água em abundância. Os autores evidenciam, nessa fase, a evolução dos meios de sobrevivência, numa seqüência evolutiva de ações: coleta, caça, pesca, pecuária e agricultura.

Childe (1971) chega a usar de ironia ao tratar da pretensa uniformização do processo de desenvolvimento das comunidades primitivas. Apesar de acreditar, como Morgan (1976), na seqüência obrigatória das Idades da Pedra e dos Metais, reconhece a historicidade e relativiza essa temporalidade.

Em tôdas (sic) as regiões, as várias idades seguem-se na mesma ordem. Mas não começaram nem terminaram simultâneamente (sic) em todo o mundo. Não devemos imaginar que, num determinado momento da história mundial, soou a trombeta do céu, e todo caçador, da China ao Peru, deixou de lado suas armas e armadilhas e começou a plantar o trigo ou o arroz ou o milho, e a criar porcos, ovelhas e perus. (CHILDE, 1971, p. 57-8).

Essa observação pertinente de Childe (1971) não é apropriada pelos autores que seguem afirmando uma evolução de hábitos e um progresso nos acúmulos de experiências. Ao abordar as técnicas para confecção de utensílios na Pré-História, os autores seguem a mesma linha de argumentação: os artefatos mais antigos são produzidos com pedras, chifres e marfim, osso e madeira, destacando a importância da pedra que, de tão largamente utilizada, deu origem à denominação das subdivisões da Pré-História. A descoberta do fogo, a cerâmica e a cestaria receberam pequenos destaques no texto, registrando a importância de sua utilização e invenção. Já a Idade dos Metais mereceu mais atenção:

[...] a evolução continuava [...] pois, sabe-se que o primeiro foi o cobre, trabalhado a frio, depois fundido e modelado a fogo. [...] O domínio do uso do ferro constituiu um outro passo importantíssimo na evolução do homem e na sua luta pela sobrevivência. Coletor, caçador, pescador, criador, pastor, agricultor – agora o homem se torna artesão. Seu domínio sobre o meio ambiente, de início tão hostil, já era uma realidade. (SARONI e DARÓS, 1979, p. 21).

Tratando do vestuário e da habitação, Saroni e Darós (1979, p.21), registram que “[...] à medida que o tempo passava, o homem pré-histórico ia dominando com maior segurança os recursos da Natureza.” como se o simples passar do tempo assegurasse as mudanças de comportamento e de intervenção das sociedades primitivas. As mulheres entram em cena, explicitamente, pela primeira vez, responsáveis pela ‘arte da tecelagem’, trabalhando com a palha, as fibras, o linho, o cânhamo e a lã de cabras e ovelhas.

A bibliografia citada ao final da obra registra O que Aconteceu na História de Gordon Childe, que trabalha com os conceitos desenvolvidos por Morgan (1976) e Engels (1978), comparando “[...] as tribos selvagens contemporâneas [que] são geralmente grupos de clãs que, sendo mais estáveis, obscurecem e até mesmo substituem a família como instituição. (CHILDE, 1977, p.48).

A apropriação já é visível na leitura do índice com capítulos intitulados como: A Selvageria Paleolítica, A Barbárie Neolítica, A Barbárie Superior da Idade do Cobre, A Revolução Urbana na Mesopotâmia, A Primitiva Civilização na Idade do Bronze no Egito e Índia.

Friedrich Engels (1978), como o próprio subtítulo de sua obra A Origens da

Família, da Propriedade Privada e do Estado explicita, baseia-se nas investigações de

Morgan (1976) para construir sua interpretação acerca dos dois períodos pré-históricos: a selvageria e a barbárie. Apresenta a obra como sendo um testamento de Marx, com quem teria escrito o livro, não fosse seu falecimento. De toda forma, o pensamento de Engels percorre textos de vários outros estudiosos que se debruçaram sobre as sociedades primitivas, a fim de dar corpo e sustentação aos pressupostos levantados por Morgan (1976).

Na descrição da sociedade pré-histórica, Saroni e Darós (1979), destacam que a divisão de trabalho se acentuava, cabendo aos homens as atividades de caça e pesca, a fabricação de armas e instrumentos e a limpeza do terreno para a semeadura. Com a agricultura, coube também às mulheres, socar e cozinhar os cereais, fiar e tecer o vestuário, modelar a cerâmica, além de preparar os objetos de adorno e magia. “Ao chegar a Idade dos Metais, já se nota uma boa organização social.” O texto reforça a idéia de que, quanto mais evoluído, mais próximo da organização atual, mais aceitável se torna a sociedade primitiva. (SARONI e DARÓS, 1979, p. 27).

Em seu estudo sobre as “Manifestações Artísticas e Espirituais do Homem Pré-

Histórico”, ocorre o registro das pinturas, especialmente rupestres, ligadas à magia. “Os

caçadores pré-históricos acreditavam, certamente, que ao retratar os exemplares da caça pretendida, nas pinturas das cavernas, podiam dominá-los com maior facilidade e segurança.” (SARONI e DARÓS, 1979, p. 30).

O Painel de Anotações, ao final do capítulo, traz uma sucinta revisão das atividades econômicas na Pré-História e registra que os estudiosos apontam inicialmente para uma atividade predatória de caça e coleta, substituída, no processo evolutivo, pela vida sedentária, com o cultivo de cereais e a domesticação de animais. Essas transformações, que indicam o final da Pré-História, são identificadas como a revolução agrícola e a revolução urbana, conceitos importantes que não são explicados nem historicizados.

A percepção do tempo histórico na obra de Saroni e Darós (1979) está ligada aos avanços e recuos das geleiras, às alterações climáticas e faunísticas da terra

Do mesmo modo, questionam sobre outras glaciações no futuro e afirmam ser impossível saber, ao certo, sobre isso.

No entanto,

[...] uma coisa é certa: nosso planeta continua e continuará se transformando. Mas, em geral, são mudanças tão lentas, que são necessários milhares de anos para se tornarem perceptíveis. Em outras palavras: só daqui a milhares de anos as transformações geológicas de nossa época serão claramente perceptíveis para uma análise do homem de então (do mesmo modo como hoje analisamos o que ocorreu no tempo do homem pré-histórico...). (SARONI e DARÓS, 1979, p. 26).

A obra de Saroni e Darós (1979) está bastante atualizada para a época, uma vez que incorpora uma série de conhecimentos produzidos pelas ciências. Apesar de ter sido publicada por uma editora católica, a F.T.D., fica clara a postura dos autores em privilegiar a ação humana e seu aperfeiçoamento progressivo e contínuo em relação aos desafios que a natureza e a vida colocam para a sociedade humana da Pré- História, afastando-se, assim, da interpretação criacionista.

Documentos relacionados