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Persistência da crise econômica na Venezuela

2 APOIO MÚTUO À DEMOCRACIA E REFORMAS (1989-1992)

3 ADENSAMENTO DAS RELAÇÕES BILATERAIS A PARTIR DE NOVAS BASES (1994-1998)

3.1 PRIMEIROS RESULTADOS DO ENCONTRO DA GUZMANIA

3.1.3 Persistência da crise econômica na Venezuela

Enquanto as relações bilaterais evoluíam, o cenário político e econômico na Venezuela permanecia instável. Durante todo o ano de 1994 e primeiro semestre de 1995, a Venezuela acumulou atrasos nos pagamentos da dívida externa, e em agosto aventava a possibilidade de declarar moratória por insuficiência de reservas. Os governos dos países credores, contudo, organizados no Clube de Paris, pressionavam a Venezuela, advertindo que a moratória, que

não estava de acordo com o FMI, não seria bem vista e acarretaria “graves problemas de crédito” para o país.346

Esta situação contrastava sensivelmente com o cenário brasileiro no qual a estabilização econômica proporcionada pelo Plano Real garantiu ao governo índices satisfatórios de popularidade.

A Comissão Mista Venezuelano-Brasileira sobre Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas se reuniu em Caracas entre os dias 19 e 20 de setembro, cumprindo decisão que fora tomada na reunião da COBAN, em julho. As delegações trocaram conhecimento a respeito da legislação sobre a matéria vigente nos dois países, e concordaram em que a abordagem do problema deveria ser feita de maneira mais ampla, envolvendo também a cooperação na difusão de informações concernentes ao sigilo bancário e no combate à lavagem de dinheiro. Além disso, as delegações também concordaram em relação à necessidade de serem realizadas atividades conjuntas de repressão e policiamento das fronteiras. Essa reunião marcou a evolução da cooperação policial fronteiriça que ultrapassava as questões que envolviam o problema do garimpo clandestino, passando então a se

responsabilizar pelos problemas relacionados ao tráfico de drogas.347

Ainda naquele mês, as autoridades venezuelanas realizaram um seminário sobre as relações bilaterais, em Caracas. A iniciativa consistiu em uma contrapartida ao seminário que se realizou em Brasília, durante o mês de junho. O seminário venezuelano foi organizado pela Comissão Presidencial para a Reforma do Estado (Copre) e pelo Centro de Estudos sobre o Desenvolvimento (CENDES), ligado à Universidade Central da Venezuela. Os organizadores do Seminário se empenharam em garantir igual sucesso em relação ao do seminário brasileiro e, para tanto, envolveram funcionários do Estado, acadêmicos e empresários no evento que

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O Estado de S. Paulo, 30/08/1995.

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discutiu os projetos bilaterais. Em relatório sobre esse evento, o Embaixador brasileiro ressaltou o prestígio conferido pelo discurso de abertura pronunciado pelo chanceler Burelli Rivas e pela presença de veículos de comunicação (jornais e televisão). Para o Embaixador, tanto a iniciativa de organizar o seminário quanto o sucesso com que ele foi conduzido demonstravam que, na Venezuela, o interesse pelas relações com o Brasil se ampliara muito

além do âmbito governamental.348

Entre os dias 5 e 6 de outubro, uma delegação brasileira chefiada por um funcionário do Ministério da Agricultura visitou Caracas, onde se reuniu com o Ministro venezuelano de Agricultura, Raúl Alegrett, para criar o décimo grupo bilateral de trabalho, cujas negociações versariam sobre aquele tema. Este foi o último grupo de trabalho a ser instalado, dentre todos os que resultaram do novo fôlego de cooperação iniciado na reunião de Guzmania. Era objetivo do grupo propiciar a cooperação técnica para programas de produção e controle de insumos pecuários e diagnósticos de laboratórios; para harmonização de normas, procedimentos e requisitos legais das atividades agropecuárias; para realização de campanhas sanitárias e preventivas na região e fronteira e para estabelecer acordos para importação e

exportação de materiais de multiplicação animal e produtos químicos e biológicos.349

No entanto, a instabilidade na Venezuela aumentara naqueles meses finais de 1995. Em outubro, o FMI passou a exigir flexibilização da taxa de câmbio, que estava sendo mantida em 170 bolívares por dólar. A perspectiva de que a Venezuela não teria co ndições de honrar o pagamento de US$ 2 bilhões em serviço da dívida agravava a pressão contra a economia venezuelana. Nas ruas, os protestos se intensificavam e uma manifestação de estudantes e professores universitários redundou em confrontos que envolveram cerca de 10 mil manifestantes e dois mil soldados da Guarda Nacional. O confronto foi o pior desde que Caldera assumira o governo, e fez com que os noticiários recordassem os eventos de 1989 e 1992. Na falta de perspectivas para a elevação dos preços internacionais do petróleo, único motor da economia venezuelana, o governo admitiu, em novembro, a disposição em recorrer ao FMI para receber ajuda financeira. No mês seguinte, as eleições que elegeram prefeitos,

348 Telegra ma nº 882, 29/09/1995. De Clodoaldo Hugueney Filho, Embaixador do Brasil e m Caracas, ao

Ministério de Relações Exteriores. Ano 1995 Dig italizado.

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Libro Amarillo referente ao ano 1995, p. 586-592. No documento, não foi identificado o nome ne m o cargo do funcionário do Ministério da Agricu ltura do Brasil.

governadores e deputados foram marcadas pela abstenção recorde de 65% dos eleitores,

refletindo a descrença dos venezuelanos em relação ao sistema político de seu país.350

Nesse contexto, mais uma vez a aproximação com o Brasil, que Rafael Caldera estimulara, foi de grande ajuda para o governo. Para responder à crise econômica, o governo preparava um plano de estabilização, a ser apresentado no ano seguinte, para o qual solicitou, seguidas vezes, ao longo do ano, a assistência do governo brasileiro. Caldera se reunira com Fernando Henrique Cardoso em Nova York e, nessa ocasião, solicitou que o mandatário brasileiro enviasse à Venezuela membros da equipe econômica para relatarem a experiência brasileira de combate à crise; o Presidente brasileiro acedeu a essa demanda, prometendo que enviaria para o país vizinho, o Ministro da Fazenda, Pedro Malan e o Presidente do Banco Central, Gustavo Loyola. Os venezuelanos consideravam a assistência brasileira especialmente importante porque estavam em negociações com o FMI para a implementação

de um ajuste “duro” na economia do país.351

Nos dias 15 e 16 de janeiro, o Presidente do Banco Central do Brasil, Gustavo Loyola, reuniu-se com o Presidente do Banco Central da Venezuela, Antonio Casas González, e com o Ministro da Fazenda, Luis Raúl Matos Azócar. Em decorrência dessa reunião, as autoridades venezuelanas enviaram uma missão técnica ao Brasil, entre os dias 4 e 6 de março, para avançar nas negociações em matéria de cooperação financeira e assistência para um novo programa econômico, inspirado no Plano Real. A missão venezuelana recebeu tratamento especial no Brasil: foi recebida pelo Ministro da Fazenda do Brasil, Pedro Malan, e pelo Presidente da Comissão de Política Exterior da Câmara dos Deputados, Franco

Montoro. Quase dois anos após o “estouro” da crise bancária de 1994, o governo venezuelano

havia nacionalizado sete grandes bancos no país, e naquele momento buscava a cooperação

brasileira para novamente privatizá- los.352

Entre os dias 1º e 2 de fevereiro, celebrou-se, em Brasília, a quinta reunião do Mecanismo de Consulta, cuja finalidade era preparar a próxima reunião da COBAN. As negociações para formação de uma área de livre comércio entre a Venezuela e o Mercosul

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O Globo, 04/12/1995. Ve r ta mbé m O Estado de S. Paulo, 04/ 10/ 1995 e 13/10/1995, a lé m de Jornal do Brasil, 05/ 11/ 1995.

351 Telegra ma nº 1100, 29/ 11/ 1995. De Piragibe dos Santos Tarragô, Min istro Conselheiro na Embaixada do

Brasil e m Caracas, ao Min istério de Re lações Exte riores. Ano 1995 Digita lizado.

352 Re latório publicado no Libro Amarillo referente ao ano 1996, p. 151, d iz que a visita de Gustavo Loyola

aconteceu em fevereiro, o que constitui um erro, uma vez que O Globo publicou reportagem no dia 15 de janeiro noticiando a visita.

foram destacadas na reunião do Mecanismo. Também foram analisados os resultados dos encontros mantidos por cada um dos grupos de trabalho. Os dois Vice-Ministros, que chefiaram as delegações presentes ao encontro, ressaltaram a coincidência de pontos de vista entre a diplomacia dos dois países no que dizia respeito à agenda de liberalização das relações