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2 APOIO MÚTUO À DEMOCRACIA E REFORMAS (1989-1992)

3 ADENSAMENTO DAS RELAÇÕES BILATERAIS A PARTIR DE NOVAS BASES (1994-1998)

3.2 A SEGUNDA FASE DO NEOLIBERALISMO: NOVAS DIRETRIZES ECONÔMICAS

3.2.1 A Venezuela frente ao FM

Em decorrência da falta de subsídio, o preço da gasolina se multiplicou por 10. Houve corrida aos bancos e supermercados motivada pela apreensão frente ao novo plano. As taxas de juros e de câmbio foram liberadas do controle exercido, anteriormente, pelo governo e passaram a ser determinadas por critérios de mercado. O Ministro sugeriu ainda a demissão de 500 mil funcionários públicos, a serem realizadas ao longo dos três anos seguintes. Ao Jornal

do Brasil, o ministro Petkoff declarou: “Já se foi o tempo em que poderíamos tomar medidas

graduais. Vamos ter uma liberação total do mercado cambial, seja na conta corrente, seja na

conta de capital”.355

Enquanto a população seguia se manifestando nas ruas, o Secretário-Geral da Confederação dos Trabalhadores da Venezuela (CTV), principal representação sindical, declarou uma tímida oposição ao novo plano econômico. Segundo ele, o custo social era muito elevado, mas a situação caótica da economia do país não permitiria que a CTV confrontasse o governo. Dessa forma, a Confederação, que era ligada ao partido da Ação Democrática, se descolava dos anseios das ruas, o que contribuiu para o desgaste final do sistema político venezuelano. Também o Copei apoiou a Agenda Venezuela, assim como a entidade empresarial Fedecámaras. Os apoios mais importantes, porém, do ponto de vista da estratégia do governo, vieram do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do FMI, que anunciaram um pacote de ajuda à Venezuela como reconhecimento pela adesão do governo ao Consenso de Washington. A mudança de atitude do presidente Caldera frente ao neoliberalismo e ao FMI não escapou à Gazeta Mercantil, que

publicou reportagem na qual apontava a necessidade do Presidente recuar de sua “plataforma populista”, com a qual prometera, em campanha eleitoral, não aumentar o preço da gasolina

nem recorrer ao FMI.356

A implementação da Agenda Venezuela e a assinatura de um acordo com o FMI, que foram anunciados pelo Presidente em cadeia nacional de rádio e televisão no dia 15 de abril de 1996, marcaram um segundo momento chave da trajetória venezuelana de busca pela saída da crise econômica que se abateu sobre aquele país desde a elevação dos juros da dívida e

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Jornal do Brasil, 11/04/1996. Gazeta Mercantil, 13/05/1996.

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redução dos preços internacionais do petróleo. 357 Lembramos que o primeiro momento ocorreu quando Carlos Andrés Pérez aderiu às reformas neoliberais e aos acordos com o FMI, em contradição com a sua trajetória de político nacionalista e com as expectativas que criou durante sua campanha eleitoral de 1988. As reformas acabaram sendo desaceleradas em razão da forte resistência da sociedade venezuelana entre os anos de 1989 e 1992, que acabaram inviabilizando politicamente o governo de Carlos Andrés Pérez. Nesse segundo momento, Rafael Caldera repetiu a trajetória de seu antecessor, abandonando antigas promessas de campanha e aderindo ao receituário do Consenso de Washington. A forma como essa adesão se processou na Venezuela marca flagrante contraste com o processo brasileiro, onde o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, crítico do neolibera lismo, foi derrotado nas eleições de 1989 e 1994 por candidatos identificados com a modernização neoliberal.

O caso brasileiro e o caso venezuelano guardam semelhanças quanto aos seus resultados: por um caminho ou por outro, chegou-se à adesão (voluntária ou forçada) às condições que os representantes das agências financeiras internacionais impuseram para a retomada dos fluxos financeiros, empréstimos e investimentos. Esses movimentos, que também ocorreram na maioria dos países latino-americanos no período, desautorizam a interpretação de que a adesão ao neoliberalismo foi uma decisão de submissão voluntária ou servilismo de determinados grupos políticos nesses países em oposição ao que seria entendido

como “verdadeiro interesse nacional”.358

O fato de que, tanto políticos comprometidos ideologicamente com o Consenso de Washington, como os refratários a ele, tenham finalizado por reformar as economias de seus países demonstra que o determinante para essa decisão não era decorrente do comprometimento pessoal dos governantes com aquela agenda externa, mas sim das relações de poder marcadamente assimétricas entre países com escassez de capital e de capacidade de geração interna de capital, de um lado, e países detentores dos recursos necessários para o funcionamento das economias capitalistas, de outro.

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Telegra ma nº 341, 17/04/1996. De Clodoaldo Hugueney Filho, Embaixador do Brasil e m Caracas, ao Ministério de Relações Exteriores. Ano 1996 Dig italizado.

358 Exemplos desse tipo de interpretação podem ser encontrado em CERVO, Amado. L. “A ação internacional do

Brasil e m u m mundo em transformação: conceitos, objetivos e resultados (1990 -2005)”. In: ALTEMANI, Henrique; LESSA, Antonio C. Relações Internacionais do Brasil: temas e agendas. São Paulo: Sara iva, 2006, e també m CERVO, A mado L. Relações Internacionais da América Latina – velhos e novos paradigmas. Brasília: IBRI, 2001.

As elites governantes dos países latino-americanos, incluindo os grupos de apoio a Carlos Andrés Pérez, Rafael Caldera, Fernando Collor ou Fernando Henrique Cardoso, não podiam contestar a legitimidade da posição que os credores mantinham nesse processo sem questionar a própria relação de propriedade entre os bancos internacionais e os recursos que eles haviam emprestado aos países latino-americanos, ou seja, sem contestar o sistema capitalista. O rechaço ao capitalismo, condição necessária para a recusa consequente dos termos de negociação impostos pelos credores e pelo FMI, era uma posição que não estava ao alcance daqueles políticos, por mais críticos que pudessem parecer em relação às instituições da economia internacional, uma vez que suas trajetórias pessoais e suas bases de apoio eram construídas a partir de ligações com interesses do empresariado em seus próprios países, incluindo os proprietários dos meios de comunicação q ue defendiam, ardorosamente, a modernização neoliberal através das mídias sob seus comandos.

A adesão da Venezuela às negociações com o FMI selou o enquadramento da cooperação bilateral dentro dos preceitos do Consenso de Washington, o que significou o abandono de qualquer intenção de transformá- la em eixo de contestação ao sistema econômico internacional, tal como se aventou tantas vezes na década de 1980; lembramos que, nesse período, a formação de unidade de devedores na América Latina era uma ideia em voga.