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O plano Real e suas consequências para as relações com a Venezuela

2 APOIO MÚTUO À DEMOCRACIA E REFORMAS (1989-1992)

3 ADENSAMENTO DAS RELAÇÕES BILATERAIS A PARTIR DE NOVAS BASES (1994-1998)

3.1 PRIMEIROS RESULTADOS DO ENCONTRO DA GUZMANIA

3.1.1 O plano Real e suas consequências para as relações com a Venezuela

Os meses de maio, junho e julho também foram marcados pela aplicação de uma nova

política econômica no Brasil, inspirada pelo ex-Chanceler e então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. O Plano Real, como foi chamado, consistiu na troca da moeda brasileira, que deixava de ser o Cruzeiro Real para chamar-se apenas Real, a partir de julho. A nova taxa de câmbio foi mantida valorizada para facilitar as importações, aumentando a oferta de produtos no mercado brasileiro como forma de forçar a diminuição dos preços e, consequentemente, da taxa de inflação. Para reforçar essa estratégia, a liberalização do comércio exterior continuou, mediante a diminuição das tarifas. Ademais, procedeu-se à diminuição dos gastos do governo, por um lado, e à retomada das privatizações, de outro lado, para gerar receitas e reduzir os gastos com as estatais. O Plano foi bem sucedido em seu objetivo principal que era conter a inflação, além de gerar euforia pelo barateamento dos produtos importados em decorrência da valorização do câmbio.

Até 1999, quando o governo brasileiro se viu forçado a desvalorizar a moeda para conter déficits, o Plano Real foi considerado uma referência de sucesso na aplicação de várias premissas neoliberais. Ele possibilitou a retomada dos empréstimos e investimentos no Brasil, marcando assim a superação da crise de financiamento causada pelas dificuldades de pagamento da dívida externa. No entanto, é importante notar que o mecanismo de alívio da crise representou na realidade uma ampliação daquela dívida, cujos pagamentos continuara m

a ser feitos mediante a contratação de novos empréstimos.314

Daquele momento em diante, o Brasil se tornou um modelo de superação da crise, reforçando sua capacidade de atração diplomática mediante o assessoramento das autoridades venezuelanas para a reforma de sua economia. Os grupos de trabalho continuaram se reunindo: o que era responsável pelo tema do desenvolvimento fronteiriço se reuniu pela primeira vez em Puerto Ordaz, no dia 25 de agosto, com a presença do ministro Burelli Rivas, atestando a importância conferida pelos venezuelanos às atividades dos grupos de trabalho. Os temas que nortearam os trabalhos desse grupo versaram sobre o comércio na região de

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CA RDOSO, op. cit.

fronteira, o monitoramento das atividades de mineradores ilegais na região e o compartilhamento da experiência brasileira de zoneamento econômico e ecológico. Mais especificamente, os venezuelanos manifestaram mais uma vez o seu interesse em

compartilhar com o Brasil as experiências de tecnologia para vigilância da Amazônia.315

Ainda naquele mês, a Cervejaria Brahma inaugurou, no dia 12, sua primeira fábrica na Venezuela, na cidade de Barquisimeto, a 300 quilômetros de Caracas. A inauguração contou com a presença de personalidades importantes como o Ministro do Fomento e Comércio Exterior, e do Presidente do Congresso Nacional. Em relato feito pelo Embaixador para o Ministério das Relações Exteriores, o evento foi avaliado de maneira bastante positiva, sobretudo em relação ao impacto que se poderia esperar desse tipo de negócio:

Para o Brasil, a vinda da Brahma para a Vene zuela reveste-se de importância por ser o prime iro investimento brasileiro de peso e estar sendo feito por uma empresa do porte e tradição da Brah ma, capa z de criar u ma image m positiva que fac ilitará outros investimentos. As exportações para o Caribe, antes feitas a partir do Brasil, e a possibilidade de e xportação para a Colô mbia são també m fatores capazes de viabilizar e consolidar o e mpreendimento.316

Em setembro Rafael Caldera fez uma visita oficial ao Brasil, onde copresidiu as

comemorações pela Independência na condição de convidado de honra.317 O presidente

venezuelano cumpriu extensa agenda entre os dias 6 e 10 daquele mês e recebeu convite do presidente Itamar Franco para que a Venezuela se associasse ao Mercosul. Em um movimento pouco usual, Rafael Caldera se entrevistou com os dois principais candidatos à Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Esse encontro foi entendido na Venezuela como uma sinalização de um consenso entre os brasileiros em relação

à importância da aproximação do Brasil com o país vizinho.318

A presença de Marcel Granier, diretor-presidente do O Diário de Caracas, na comitiva que acompanhou o presidente Rafael Caldera na viagem ao Brasil, contribuiu muito para a disseminação dessa interpretação sobre as benesses das relações bilaterais. O Diario era um dos maiores jornais venezuelanos à época e se destacava por ser o mais favorável, dentre os

315

Libro Amarillo referente ao ano 1994, p. 390.

316

Telegra ma nº 714, 19/08/1994. De Clodoaldo Hugueney Filho, Embaixador do Brasil e m Caracas, ao Ministério de Relações Exteriores. Ano 1994 Te legra mas Recebidos Caixa 11.

317 O convite a que Rafael Ca ldera copatrocinasse as comemo rações de 7 de setembro de 1994 só teve como

antecedente a participação do presidente argentino, na mes ma condição, no ano anterior. EM BAIXADA DA VENEZUELA NO BRASIL, Abriendo caminos para la historia: los viajes del presidente Caldera al Brasil. Caracas: Ed itoria l Panapo, 1997, p. 13.

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periódicos de maior circulação no país, à política de aproximação com o Brasil pro movida pelo Presidente venezuelano. Como Granier também era dirigente da Radio Caracas TV, a segunda maior rede de televisão do país, sua presença na comitiva foi muito importante para a divulgação da visita. Essa divulgação contribuiu para a aceitação da opinião pública em

relação à importância da aproximação com o país vizinho.319

Na entrevista coletiva que concedeu à imprensa, Caldera afirmou crer que as relações entre os dois países estavam no ponto mais alto da história e com perspectivas de melhorar ainda mais. Também se referiu ao problema da atuação dos garimpeiros brasileiros na região de fronteira, procurando minimizar esse problema, alegando que não eram apenas garimpeiros brasileiros que atuavam na fronteira venezuelana, mas sim de várias nacionalidades. Além disso, explicitou a maneira pela qual esperava que a questão fosse definitivamente superada, ao afirmar que se deveriam explorar as riquezas minerais da região com atividade industrial

tecnologicamente capacitada, mas “que respete y garantice la ecología ambiental y la ecología humana, con la protección adecuada a las etnias indígenas que viven en la región”.320

Ainda por ocasião da entrevista coletiva, Caldera declarou seu distanciamento da ideologia neoliberal, salientando:

Está demostrado que las medidas del a juste económico que se han adoptado en las corrientes de la globalizac ión, por si solas, no resuelven el problema de la pobre za, sino que más bien, los países que han aplicado estas medidas de ajuste, el porcentaje de personas, de población, que vive en situación de pobreza y más gravemente aún, de pobreza crít ica, ha aumentado en todos los países, en vez de haber disminuido, como consecuencia de las medidas de mejora miento macroeconómico.321

Paralelamente à visita presidencial aconteceu a terceira reunião da COBAN. Um dos resultados dessa reunião foi a decisão conjunta de implementar estudos sobre a viabilidade para a criação de linhas aéreas regionais que conectassem o sul da Venezuela com o norte do Brasil. A reunião foi presidida pelos Ministros de Relações Exteriores, que consideraram satisfatório o avanço nas obras de pavimentação da estrada BR-174, cujo trecho entre a fronteira e Boa Vista estava para ser inaugurado. Ficou patente, porém, que nenhum dos dois

319 Telegra ma nº 574, 21/06/1995. De Clodoaldo Hugueney Filho, Embaixador do Brasil e m Caracas, ao

Ministério de Relações Exteriores. Ano 1995 Dig italizado.

320

Libro Amarillo referente ao ano 1994, p. 608.

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países teria recursos suficientes, nem possibilidade de consegui- los no exterior, para financiar

a extensão das obras ao trecho que ligava Boa Vista a Manaus.322

Dessa forma, se completou o primeiro ciclo de um modus operandi mais institucionalizado para as relações bilaterais, em comparação com a prática desenvolvida nos anos anteriores. Os grupos de trabalho encaminhavam as negociações específicas de cada área temática, e as delegações que ali se reuniam eram chefiadas por diplomatas e composta por técnicos e representantes da iniciativa privada. Suas deliberações deram origem a recomendações de políticas públicas que eram submetidas à análise das delegações presentes nas reuniões do Mecanismo de Consulta Política, chefiadas pelos Vice-Ministros das Relações Exteriores. Esse Mecanismo, por sua vez, estava subordinado às reuniões da COBAN, cujas delegações eram presididas pelos Ministros das Relações Exteriores. Nessas reuniões, os Ministros avaliavam os relatórios das instâncias inferiores e sugeriam as adequações à política de cooperação que seriam implementadas por ocasião dos encontros presidenciais.