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A PERSPECTIVA AMBIENTAL N O S PCN’ S : FRAGMENTOS DA CRISE AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA

S EGUNDA PARTE

4.3 A PERSPECTIVA AMBIENTAL N O S PCN’ S : FRAGMENTOS DA CRISE AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA

As reflexões já realizadas até o momento fornecem subsídios suficientes para efetuarmos uma análise co nclusiva a respeito da perspectiva ambiental adotada nos PCN’s. Com essa análise, esperamos poder avaliar como o meio ambiente e a questão ambiental estão abordados nessa proposta curricular.

Nesse sentido, é necessário avaliar o repertório teórico que os PCN’s fornecem no sentido de promover a realizaç ão de uma Educaç ão Ambiental que venha alterar significativamente a Educaç ão (REIGOTA, 1998), promover mudan ç as no pensamento moderno dominante (CASTRO; SPAZZIANI; SANTOS, 2000), dar respostas concretas à crise ambiental que vivenciamos na atualidade (BORTOLOZZI, 1997), e, enfim, romper com a postura antropocêntrica e pragmática do homem em sua rela ç ão com a natureza (GONÇALVES, 1998).

Para tanto, convém analisar se os conteúdos propostos no documento Tema Transversal Meio Ambiente são pertinentes no sentido de promoverem o conjunto de mudan ç as que envolvem as múltiplas dimensões de uma Educaç ão Ambiental verdadeiramente comprometida com a superaç ão da crise ambiental de nossa época.

Antes de procurar respostas para tal fato, pensamos ser necessário destacar alguns aspectos importantes no que tange à incorporaç ão da temática ambiental nos PCN’s.

De maneira geral, é preciso ressaltar que a incorporaç ão da temática ambiental proposta nos PCN’s contribui para o “en raizamento da temática ambiental na rede de ensino” (SEGURA, 2001, p.55), ao mesmo tempo em que “representa uma iniciativa positiva para inserir os professores no debate ambiental”.

Além disso, ao introduzir a discussão da temática ambiental a partir da transversalidade, essa proposta curricular reforç a de vez a idéia de que a Educaç ão Ambiental deva ser incorporada às escolas por meio de uma abordagem que envolva as diversas áreas do conhecimento, o que tem sido uma concep ç ão consensual entre aqueles que p ensam e discutem a problemática ambiental. Tal fato inibe a idéia equivocada de que as questões ambientais deveriam ser implantadas nas escolas a partir de uma disciplina específica de Educaç ão Ambiental, como, vez por outra, certos atores envolvidos com a burocracia estatal procuram difundir.

Outro aspecto a destacar refere-se ao fato de que os conteúdos40 relativos ao meio ambiente apresentam -se organizados em conceitos, atitudes e procedimentos, acompanhando a constru ç ão geral dos conteúdos vinculados nessa proposta curricular, conforme já destacado na página 103. De acordo com essa proposta curricular, o trabalho com o tema meio ambiente tem a

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O Tema Transversal Meio Ambiente, proposto para o Terceiro e Quarto ciclos do Ensino Fundamental, está organizado em três grandes blocos de conteúdos: A natureza “cíclica” da natureza; Sociedade e Meio Ambiente; e Manejo e Conservação Ambiental.

funç ão principal de formar cidadãos conscientes, capazes de adotarem um modo de vida comprometido com o bem estar individual e coletivo e, por isso, “é necessário que, mais do que informaç ões e conceitos, a escola se proponha a trabalhar com atitudes, com formaç ão de valores, com o ensino e a aprendizagem de procedimentos” (BRASIL, 1998c, p.187).

Outro aspecto relevante dessa proposta reside na coerente e bem articulada fundamentaç ão teórica da temática ambiental, que relaciona a crise ambiental de nossa época ao modelo de civilizaç ão gerado pela lógica desenvolvimentista do capitalismo em suas mais diversas implicaç õ es. Nesse sentido, destaca-se a preocupaç ão que se teve nos PCN’s de se abordar as causas mais intrínsecas da chamada crise ambiental ou civilizatória, condiç ão básica para o entendimento e a superaç ão dos problemas ambientais que passam, necessariamente, p o r “ m u d a n ç as profundas na concep ç ã o d e m u n d o , de natureza, de poder, de bem -estar tendo por base novos valores (BRASIL, 1998c, p.179), o que, por sua vez, também pressupõe entender os limites da razão instrumental e da ciência moderna, reconhecendo “a necessidade de validar a procura de novas explicaç ões e saídas que faz emergir novas possibilidades por intermédio de conceitos filosóficos, [...] ou simplesmente do apego a idéias religiosas” (BRASIL, 1998c, p.180).

Isso significa, portanto, questionar as questões mais intrínsecas da rela ç ão homem natureza, indagar sobre a desantropomorfizaç ão (GRÜN, 1994), a objetificaç ão e a desumanizaç ão (GONÇALVES, 1998) da natureza, levando ao estabelecimento de uma nova visão do mundo baseada, agora, na:

[...] percepç ão de que o ser humano não é o centro da natureza, e deveria se comportar não como seu dono, mas percebendo - s e c o m o parte dela, e resgatar a no ç ão de sua sacralidade, respeitada e

celebrada por diversas culturas tradicionais antigas e contemporâneas (BRASIL, 1 9 9 8 c , p . 1 7 9 ) .

Há que se destacar ainda a articula ç ão entre as esferas global e local para o entendimento das questões ambientais (BRASIL, 1998c, p. 189- 191), em suas diferentes escalas, tanto sobre os problemas que afetam a comunidade imediata, assumindo um significado prático para os alunos, quanto a respeito dos problemas que atingem indistintamente todos os países do mundo, o que leva a compreender as várias dimensões que essa problemática assume. Nesse sentido, convém destacar a preocupaç ão em aproxim ar a vida escolar e a comunidade, o que, além de envolver a escola com os problemas locais, também serve para despertar a comunidade na busca pela solu ç ão dos problemas que lhe são próprios, mediante reivindicaç ões junto às várias instâncias do poder público (BRASIL, 1998c, p.191-192).

Convém ressaltar ainda a identificaç ão de alguns pontos polêmicos que geralmente acabam por veicular idéias preconceituosas e distorcidas a respeito da questão ambiental, que, muitas vezes, acabam se reproduzindo em virtude da falta de conhecimento sobre essa temática. Esses pontos polêmicos são os seguintes:

· a concep ç ão de que é preciso, primeiramente, cuidar dos problemas sociais, como a mortalidade de crian ç as;

· a visão restrita de que a questão ambiental refere-se tão s omente à preservaç ão dos ambientes, desconsiderando aspectos mais abrangentes como a pobreza, o saneamento básico, a saúde e a educaç ão;

· a idéia de que as pessoas que se preocupam com o meio ambiente são radicais e privilegiadas economicamente, não precisando de trabalho para sobreviver;

· a n o ç ão naturalizada de que a poluiç ão é algo normal imposto pela necessidade de progresso econômico para combater a pobreza;

· e, finalmente, a idéia idealizada da natureza, sobretudo ao se falar em harmonia ambiental diante da existência de uma natureza selvagem onde os animais se atacam e devoram (BRASIL, 1998c, p.182-185).

Todos os aspectos apresentados acima mostram que, de modo geral, a temática ambiental nos PCN’s possui uma fundamentaç ão teórica abrangente, destac a n d o -se por estar em estreita sintonia com o discurso ambiental. A partir de agora, procuraremos identificar como esse repertório teórico se traduz nos conteúdos dirigidos para o Terceiro e Quarto ciclos do ensino fundamental.

4.3.1 DA FUNDAMENTAÇÃ O T E Ó RICA AOS BLOCOS DE CO N T E Ú D O S: A