• Nenhum resultado encontrado

Geografia e meio ambiente: uma análise do pensamento geográfico e da problemática ambiental nos parâmetros curriculares nacionais

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Geografia e meio ambiente: uma análise do pensamento geográfico e da problemática ambiental nos parâmetros curriculares nacionais"

Copied!
200
0
0

Texto

(1)

G

EOGRAFIA E MEIO AMBIENTE

:

UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO E DA

PROBLEMÁTICA AMBIENTAL NOS

P

ARÂMETROS

C

URRICULARES

N

ACIONAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação - área de concentração Ensino na Educação Brasileira - da Universidade Estadual Paulista Campus de Marília, para obtenção do título de mestre.

Orientador: Profª. Drª. Sueli Andruccioli Felix

MARÍLIA 2003

(2)

FICHA CATALOGRÁFICA

M385g Martinez,. Rogério

Geografia e meio ambiente: uma análise do pensamento geográfico e da problemática ambiental nos parâmetros curriculares nacionais/ Rogério Martinez. -- Marília, 2003. 197 f.; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências – Universidade Estadual Paulista, 2003. Bibliografia: 197 f.

Orientadora: Prof. Dra. Sueli Andruccioli Felix

1. Ensino de Geografia. 2. Questão Ambiental. 3. Educação Ambiental. - I. Autor. II. Título.

(3)

GEOGRAFIA E MEIO AMBIENTE:

UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO E DA PROBLE MÁTICA AMBIENTAL NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS

_______________________________________ Profª. Drª. Sueli Andruccioli Felix (orientador)

_______________________________________ Profª. Drª. Mirian Cláudia Lourenção Simonetti

_______________________________________ Prof. Dr. Wilton Carlos Lima da Silva

(4)

D

EDICATÓRIA

Á SANDRA, m i n h a a d o r á v e l

e s p o s a , p e l o b r i l h o d e s e u a m o r .

Á EDUARDA, n o s s a q u e r i d a f i l h a ,

(5)

Este trabalho analisa a inserção da ciência geográfica e da temática ambiental no contexto das reformas educacionais implantadas recentemente em nosso país. Apontamos como essas reformas, que culm inaram com a elaboração dos chamados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), fazem parte de um contexto político -econômico associado às transformações que vem ocorrendo no cenário mundial. Discutimos a evolução histórica da Geografia passando pelas prin cipais correntes de pensamento que marcaram a trajetória dessa ciência. Analisamos detalhadamente os fundamentos teóricos propostos no documento dos PCN’s da área de Geografia, como forma de identificar a concepção de Geografia sugerida nessa proposta curricular. Procuramos analisar se os conteúdos sugeridos nessa proposta curricular refletem a concepção de Geografia nela adotada. Examinamos os fundamentos teóricos da atual crise ambiental, apontando como a degradação da natureza está intimamente relacionad a ao modelo da sociedade contemporânea. Ressaltamos a incorporação da temática ambiental no âmbito escolar, analisando o meio ambiente no âmbito dos PCN’, e destacando a relação entre o discurso ambiental contemporâneo e a abordagem do meio ambiente nessa proposta curricular. Por fim, manifestamos a nossa opinião a respeito das reflexões que realizamos sobre a incorporação da Geografia e da temática ambiental na referida proposta curricular. Em suma, é sobre a análise do pensamento geográfico e do meio a m b iente no contexto dos PCN’s que se dedicam às páginas desse trabalho.

(6)

This piece of work analyses the insertion of geographical science and the environmental thematic in the context of educational upgrades recently implanted in our country. We point out how these upgrades, which have culminated with the elaboration of what is called National Curricular Paramenters (PCN’s), are part of a political-economical context which is associated with the last changes in the general world scene. We discuss the historical evolution of the Geography going through the main thinking chains that have set the trajectory of this science. We accurately analyse the theorical fundaments proposed in the PCN’s documents in the Geography area, as a manner of identifying the conception of Geography suggested in this curricular proposal. We chose for analysing if the contents suggested in this curricular proposal exactly reflect the conception of Geography that has been adopted by it. We examine the theorical fundaments of the current environmental crisis, pointing out how the degradation of nature is deeply related to the current model of society. We highlight the incorporation of environmental thematic in the scholar atmosphere, analysing the environment in the PCN’s atmosphere, and highlighting the relationship between the current environmental speech and the way the environment is held in this curricular proposal. Finally, we manifest our opinion about the reflections we have achieved on the incorporation of Geography in the environmental thematic in the refered curricular proposal. In short, the pages of this work are dedicated to the analysis of the geographical thinking and the environment in the context of PCN’s.

(7)

A

P R E S E N T A Ç Ã O ... 09

I

N T R O D U Ç Ã O AS REFORMAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA EM SEU CONTEXTO HISTÓRICO-POLÍTICO E SUA RELAÇÃO COM A CONJUNTURA INTERNACIONAL... 12

PRIMEIRA PARTE

C

APÍTULO

1

OS FUNDAMENTOS TEÓRICO-M E T O D O L Ó G I C O S D A GEOGRAFIA EM SUAS DIVERSAS CORRENTES DE PENSAMENTO ... 31

1.1- A SISTEMATIZAÇÃO DA GEOGRAFIA... 33

1.2- O PENSAMENTO CIENTÍFICO NO CONTEXTO DO SÉCULO XIX E O NASCIMENTO DA GEOGRAFIA TRADICIONAL POSITIVISTA... 37

1.3 - A NOVA GEOGRAFIA E O NEOPOSITIVISMO... 48

1.4 - A GEOGRAFIA CRÍTICA E O MARXISMO... 55

(8)

CURRICULARES NACIONAIS DE GEOGRAFIA ... 78 2.1 – A ORIENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA DOS PCN’S DE

GEOGRAFIA: EM DEFESA DE UMA ABORDAGEM HUMANISTA... 79

2.2 – OS FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DOS PCN’S DE GEOGRAFIA: UMA PROPOSTA ECLÉTICA... 82

2.3 – DISSONÂNCIA E SUPERFICIALIDADE CONCEITUAIS APONTAM PARA A FRAGILIDADE DOS FUNDAMENTOS TEÓRICO-

METODOLÓGICOS DOS PCN’S DE GEOGRAFIA... 89 2.4 – QUESTÕES SOBRE OS MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO GEOGRÁFICOS

E SEUS REFLEXOS NOS PCN’S... 95 2.5 – PCN’S E A DESPOLITIZAÇÃO DO DISCURSO GEOGRÁFICO ... 101

SEGUNDA PARTE

C

APÍTULO

3

OS FUNDAMENTOS TEÓRICO-FILOSÓFICOS DA PROBLEMÁTICA

AMBIENTAL ... 109

3.1 – CIÊNCIA, SOCIEDADE E NATUREZA: A EMERGÊNCIA DAS

QUESTÕES AMBIENTAIS ... 110

3.2 – A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO ESCOLAR: DESAFIOS

(9)

NACIONAIS: UMA ANÁLISE PELO OLHAR DA GEOGRAFIA ... 133

4.1 A GEOGRAFIA E A TEMÁTICA AMBIENTAL ... 134

4.2 O MEIO AMBIENTE COMO TEMA TRANSVERSAL ... 142

4.3 A PERSPECTIVA AMBIENTAL NOS PCN’S: FRAGMENTOS DA CRISE AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA ... 149

C

O N C L U S Ã O

...

168

R

E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á FICAS

...

174

N

OTAS DE REFERÊNCIAS MENCIONADAS

...

182

(10)

O presente trabalho (realizado conjuntamente com o orientador), insere-se no contexto de minha experiência com o ensino de Geografia, pois, tão logo a conclusão da licenciatura, tive a oportunidade de trabalhar na elaboraç ão de uma cole ç ão d e livros didáticos de Geografia destinados às séries do ensino fundamental (5ª à 8ª séries). Durante a realizaç ão desse trabalho, que foi concluído em 2001, com o lan ç amento da cole ç ão G e o g r a f i a E s p a ç o e V i v ê n c i a (Atual Editora), pude acompanhar de p e r t o as mudan ç as que o governo federal começ ou a promover na educaç ão brasileira, especialmente com o lan ç amento dos chamados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), caracterizando a implantaç ã o d e u m n o v o currículo nacional.

Diante disso, interessei-me em estudar de perto o significado desse novo projeto educacional, sobretudo em rela ç ão à incorporaç ão da Geografia no contexto dos PCN’s. Além disso, como essa proposta curricular propõem um trabalho inovador com os chamados temas transversais, também julguei importante efetuar uma reflexão sobre o meio ambiente nos PCN´s, por se tratar do tema transversal que possui uma ligaç ão mais estreita com a Geografia.

Sendo assim, esse trabalho tem o objetivo principal de discutir a concep ç ão de Geografia (como área disciplinar) e de meio ambiente (como

(11)

tema transversal), especificamente nos PCN’s destinados ao Terceiro e Quarto ciclos (5ª à 8ª séries) do ensino fundamental.

Para tanto, partiremos de uma reflexão geral sobre a evolu ç ão da ciência geográfica, em suas diversas correntes de pensamento, para analisarmos o ensino de Geografia proposto nos PCN’s, resgatando toda a nossa análise à reflexão teórica sobre evolu ç ão epistemológica da ciência geográfica. Em seguida, efetuaremos uma análise sobre a incorporaç ão da t e m ática ambiental nos PCN’s, relacionando o ensino de meio ambiente proposto nos PCN’s aos fundamentos teórico -filosóficos da crise ambiental contemporânea.

Assim, esse trabalho foi estruturado da seguinte maneira:

Na Introduçã o, estabelecerei algumas consideraç ões gerais a respeito desse novo projeto da educaç ão brasileira, tendo como objetivo específico apontar as motivaç ões políticas que levaram à realizaç ão das reformas na educaç ão. Nesse sentido, é preciso deixar claro o nosso interesse em mostrar como essas reformas, que se concretizaram via implantaç ã o d o s PCN’s nas escolas públicas de todo o país, fazem parte de um contexto mais amplo, sendo influenciadas por interesses externos, face às transformaç ões ocorridas no cenário político -econômico mundial durante as últimas décadas.

Nos capítulos 1 e 2, que compõem a Primeira Parte d o trabalho, buscaremos analisar a inserç ão da Geografia no cerne dessa reforma curricular. No Capítulo 1 , teceremos consideraç ões sobre a evolu ç ã o d o pensamento geográfico, desde a sua sistematizaç ão nas universidades, até os mais recentes avan ç os teórico -metodológicos que condicionam a evolu ç ão

(12)

dessa ciência. Essa discussão servirá como referencial teórico, subsídio necessário para analisarmos a concep ç ão de Geografia disseminada n o s PCN’s. Diante desse referencial teórico, poderemos, então, no Capítulo 2 , efetuar uma análise específica da Geografia no contexto dos PCN’s, com a p r e o c u p aç ão de verificarmos as orientaç ões teórico -metodológicas e os fundamentos conceituais da ciência geográfica veiculados nessa proposta curricular.

Nos capítulos 3 e 4, que compõem a Segunda Parte d o trabalho, analisaremos a incorporaç ão da temática ambiental no contexto dos PCN’s. No Capítulo 3 , elaboraremos uma contextualizaç ão histórica a respeito das questões ambientais na sociedade contemporânea, abordando também a importância da escola no ensino de meio ambiente, sobretudo no que tange às questões ambientais de nossa época. No Capítulo 4 , analisaremos como a temática ambiental, em sua interface com a Geografia, aparece inserida nos PCN’s. Nesse sentido, buscarei verificar se os conteúdos propostos nos PCN’s sobre o meio ambiente são condizentes em discutir as razões que levaram ao intenso processo de degradaç ão da natureza, no intuito d e m o s t r a r s e a abordagem do meio ambiente nessa proposta curricular traduz de maneira concreta o grande dilema ambiental que atualmente afeta toda a sociedade.

Finalmente, na Conclusão, tentaremos contextualizar ao referencial teórico às reflexões pessoais, explicitando claramente a nossa concep ç ão sobre a Geografia e a temática ambiental nos PCN’s, considerando as análises realizadas ao longo do trabalho e nossa trajetória de vida dedicada às reflexões sobre o ensino de Geografia.

(13)

I

NTRODUÇÃO

AS REFORMAS NA EDUCAÇÃ O B R ASILEIRA EM SEU CONTEXTO HISTÓRICO -POLÍTICO E SUA RELAÇÃO COM A CONJUNTURA INTERNACIONAL

Nos últimos anos, a educaç ão brasileira vem passando por intenso processo de mudan ç as resultantes da política adotada pelo governo federal. Essas mudan ç as espelham o projeto de educaç ão concebido na gestão do governo Fernando Henrique Cardoso, colocado em prática ao longo dos mandatos vigentes entre 1995/1998 e 1999/2002, respectivamente.

As transformaç ões em curso são abrangentes, pois se estendem a todos os níveis da educaç ão, desde os primeiros anos de escolaridade até a f o r m aç ão superior.

Este trabalho tem como principal foco de análise as reformas que estão sendo implantadas em toda a educaç ão básica1 do país, o que vem ocorrendo mediante o estabelecimento de um currículo nacional, a implantaç ão do regime de ciclos de aprendizagem (que substitui o antigo sistema de progressão seriado), a instituiç ão de sistemas de avalia ç ão e desempenho, entre outras medidas.

1

A Lei Federal nº 9 394, de 1996 – chamada Lei de Diretrizes e Bases da Educação – determina como educação básica àquela formada pela educação infantil (oferecida em creches ou pré-escolas para crianças de até seis anos de idade); ensino fundamental (com duração mínima de oito anos); e ensino médio (etapa final da educação básica com duração mínima de três anos).

(14)

Essas reformas também têm sido realizadas por meio da im plementaç ão dos chamados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), que constituem um conjunto de documentos dirigidos à reformula ç ão da educaç ão básica brasileira.

As reformas educacionais em nosso país remetem a algumas consideraç ões e indagaç õ e s q u e n o s parecem pertinentes, caso se pretenda entender a sua significaç ã o .

Em primeiro lugar, as reformas tendem a concretizar um projeto de educaç ão em nível nacional. Qual é a concep ç ão de educaç ã o q u e essas reformas pretendem concretizar? Quais são os agentes promotores dessas reformas e quais os seus interesses?

Em segundo lugar, essas reformas têm sido justificadas sob o argumento da melhoria da qualidade da educaç ão brasileira. O que significa essa “qualidade” no âmbito da educaç ão, e em que sentido essa qualidade tem sido cogitada?

Em terceiro lugar, essas reformas vêm sendo pensadas e executadas de maneira centralizada pelo governo federal, excluindo ampla participaç ão dos professores no processo de reformas em andamento. Que implicaç ões essa centralizaç ão tende a gerar no sistema educacional do país? Quais são os efeitos decorrentes do estabelecimento de um currículo nacional c o m o o s P C N ’ s ?

Procurar as repostas para essas questões é o caminho necessário para se entender as reformas educacionais em curso, bem c o m o a s suas implicaç ões, tarefa que trilharemos a partir de agora.

(15)

As reformas da educaç ão básica brasileira estão sendo delineadas pela implantaç ão dos PCN’s, que expressam as propostas das reformas educacionais promovidas pelo governo federal.

A elaboraç ão dos PCN’s teve início em 1994, quando o Ministério da Educaç ão e Desporto (MEC) convocou uma equipe formada basicamente por algumas dezenas de professores de escolas, a maioria deles ligados à Escola da Vila2, sediada na cidade de São Paulo, que fico u responsável pela elaboraç ão dos PCN’s. Representantes da Espanha, Colômbia, Argentina, Bolívia e Chile, dentre outros países que também promoveram reformas curriculares recentemente, foram convocados para sugerir propostas visando a instituir as reformas via implantaç ã o d e u m currículo nacional. Devemos lembrar que as reformas no campo da educaç ão brasileira, via implantaç ão dos PCN’s, foi inspirada na experiência já promovida na Espanha, tendo como referencial básico os trabalhos do professor César Coll, catedrático da Universidade de Barcelona.

Em 1995, uma versão preliminar dos PCN’s foi apresentada a especialistas e professores de diversas áreas do conhecimento, encarregados de analisarem o conteúdo das reformas e oferecerem subsídios para a elaboraç ão final do texto. Em 1998, o Ministério da Educaç ão e do Desporto (MEC), juntamente com a Secretaria de Educaç ão Fundamental (SEF), publicou a versão final dos PCN’s, constituída por um conjunto de documentos assim organizados:

2

A proposta pedagógica da Escola da Vila sustenta-se em cinco valores: construção de competências, processos de investigação, formação de grupo e aprendizagem coletiva, interação da escola com o indivíduo e construção de projetos pedagógicos. Outras informações sobre essa proposta pedagógica podem ser encontradas em www.vila.com.br ou www.vila.org.br.

(16)

• Introduç ã o ( q u e a p r e s e n t a o perfil geral da educaç ão brasileira e justifica a necessidade de se implantarem as reformas via estabelecimento de Parâmetros Curriculares Nacionais);

• Documentos específicos para cada área de conhecimento (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte, Educaç ão Física e Língua Estrangeira);

• Documentos que apresentam os chamados temas transversais (Ética, Saúde, Meio Ambiente, Trabalho e Consumo, Orientaç ão Sexual e Pluralidade Cultural,).

O organograma da página seguinte apresenta a estruturaç ã o d o s PCN’s propostos para o ensino fundamental.

(17)

ESTRUTURA DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

1 ª P a r t e Ensino Fundamental ... 2 ª P a r t e Especificaç ão p o r C i c l o Fonte: BRASIL (1998b, p.9).

OBJETIVOS GERAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Á r e a d e L í n g u a P o r t u g u e s a Á r e a d e M a t e m á t i c a Á r e a d e C i ê n c i a s N a t u r a i s Á r e a d e H i s t ó r i a Á r e a d e G e o g r a f i a Á r e a d e A r t e Á r e a d e E d u c a ç ã o F í s i c a Á r e a d e L í n g u a E s t r a n g e i r a

Ética – Saúde - Meio Ambiente – Orientação Sexual – Pluralidade Cultural – Trabalho e Consumo

Caracterizaç ã o d a Área

Objetivos Gerais da Área

1 º C i c l o (1ª e 2ª séries) 2 º C i c l o (3ª e 4ª séries) 3 º C i c l o (5ª e 6ª séries) 4 º C i c l o (7ª e 8ª séries) Objetivos da Área p a r a o C i c l o Objetivos da Área p a r a o C i c l o C r i t é r i o s d e Avaliaç ão da Área

p a r a o C i c l o

(18)

As reformas educacionais em curso no Brasil ganharam legitimidade com a instituiç ão de normas legais estabelecidas tanto pelo Plano Nacional de Educaç ão para Todos (1993-2003), prescrito no Artigo 214 da Constituiç ão Federal3, que enfatiza a melhoria da qualidade e a recuperaç ão do ensino fundamental, como também pela Lei de Diretrizes e Bases da Educaç ão Nacional (LDB), que coloca como competência do Estado o estabelecimento de diretrizes curriculares e conteúdos mínimos, como forma de assegurar a “formaç ão básica comum” para estados, Distrito Federal e municípios.4

O estabelecimento desse arcabouç o legal, longe de evocar a constru ç ão de um projeto genuinamente nacional, expressa a sintonia assumida pelo governo federal com as mudan ç as educacionais que estão ocorrendo em nível mundial.

Esse projeto tem sido delineado nos eventos internacionais, com a participaç ão de representantes do Brasil, como a Conferência Mundial sobre Educaç ão para Todos, ocorrida em Jomtien, na Tailândia, organizada pelo Unesco, Unicef, PNUD e Banco Mundial. Nessa Conferência, os países participantes se comprometeram a adotar políticas de u niversalizaç ão e melhoria na qualidade da educaç ão fundamental, no intuito de “satisfazer as

3

De acordo com a Constituição Federal, em seu Artigo 214, “A lei estabelecerá o Plano Nacional de Educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam a: I - erradicação do analfabetismo; II – universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade de ensino; IV – formação para o trabalho; V – promoção humanística, científica e tecnológica do País”.

4

A LDB estabelece que a “educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Lei nº 9.394 de 1996, Título IV – Da Organização Da Educação Nacional, Artigo 9º, Item IV).

(19)

necessidades básicas da aprendizagem de todas as crian ç as, jovens e adultos” (DECLARAÇÃO MUNDIAL SOBRE...1990).

Além disso, o Brasil também é signatário da Declaraç ão de Nova Delhi5, que, em seu item 2.2, “reconhece a educaç ão como instrumento proeminente da promoç ão dos valores humanos universais, da qualidade dos recursos humanos e do respeito pela diversidade cultural”.

Portanto, as reformas na educaç ão brasileir a seguem as determinaç ões de políticas mais amplas, cujos interesses extrapolam as fronteiras nacionais e, por isso, de acordo com Gonç alves (1999, p.74), essa proposta se coloca em escala supranacional, alcan ç ando uma territorialidade que se estende em nível planetário. Sendo assim, essas reformas têm sido articuladas por protagonistas que exercem grande poder de influência no cenário político -geográfico internacional, cujas determinaç ões, segundo Cacete (1999, p.36), “estão associadas a acordos, convênios com agências, instituiç ões ou organismos internacionais, e expressam uma subordinaç ão da realidade local aos modelos elaborados por essas instituiç ões”.

Dessa forma, para que possamos compreender as mudan ç as educacionais que estão sendo implantadas em nosso país, faz-se necessário discorrermos sobre a lógica que tem levado os agentes internacionais a assumirem tais interesses pela educaç ão brasileira no contexto mundial.

5

Essa declaração foi estabelecida em 1993 pelo Brasil, China, Bangladesh, Nigéria, México, Indonésia, Paquistão, Índia e Egito, que, juntos, assumiram compromissos no sentido de “atender às necessidades básicas de aprendizagem de todos os nossos povos, tornando universal a educação básica ampliando as oportunidades de aprendizagem para crianças, jovens e adultos” (DECLARAÇÃO DE NOVA DELHI... 2002).

(20)

A atual política educacional brasileira, conforme indicaç ões de teóricos mencionados anteriormente, parece estar diretamente relacionada à conjuntura internacional decorrente das transformaç ões político -econômicas ocorridas no sistema capitalista ao longo das últimas décadas do século XX. Por volta de meados da década de 1960, o capitalismo mostrava sinais claros de dificuldades, decorrentes do modelo fordista6 d e p r o d u ç ã o .

De acordo com Harvey (1992, p.135), o sistema fordista de p r o d u ç ão, a partir da metade da década de 1960, tornou-se incapaz de conter as contradiç ões inerentes do sistem a capitalista. Esse problema estava relacionado à “rigidez” dos investimentos de capital fixo de longa escala e de longo prazo em sistemas de produç ão em massa. Ao se referir a essa questão, Benko (1996, p.19) afirmou que a “rigidez” abalou o sistema de pro d u ç ão em massa devido ao “agravamento dos problemas estruturais de lucratividade”, o que acabou por provocar “a perda de eficácia do complexo modo de ‘regula ç ão’ fordista”.

Dessa forma, a “rigidez” do sistema fordista de produç ão deixou de se constituir em uma garantia para tornar-se um entrave ao regime de acumula ç ão capitalista, situaç ão que se agravou ainda mais com a recessão econômica do início da década de 1970, provocada pela crise do petróleo, em 1973, quando os países da OPEP (Organizaç ão dos Países Produtores de Petróleo) provocaram uma elevaç ão nos preç os do petróleo, o que fez

6

O fordismo tornou-se a base da organização empresarial moderna, caracterizada por um conjunto de métodos de racionalização da produção industrial implantada pelo norte-americano Henry Ford. Segundo Sandroni (1994), os princípios do fordismo são: verticalização da produção, na qual a empresa deve dominar desde as fontes de matérias-primas até os sistemas de transporte e das mercadorias; produção em massa e com tecnologia capaz de obter o máximo de produtividade; e especialização do trabalho, cabendo a cada operário a realização de tarefas específicas.

(21)

aumentar ainda mais os custos da produç ão industrial, comprometendo a geraç ão de lucros e a acumula ç ão do capital.

Diante da situaç ão de incertezas, uma série de mudan ç as c o m eç ou a ganhar fôlego no decorrer daquele período como forma de garantir maior sustentabilidade ao sistema de produç ão capitalista, por meio de uma “reestruturaç ão econômica e de reajustamento social e político” (HARVEY, 1992, p.140). Essas mudan ç as representaram a passagem para um modelo de acumula ç ão mais flexível que “se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo”.

A emergência desse modelo de acumula ç ão capitalista flexível também foi acompanhada pela redefiniç ão do papel do Estado, até então caracterizado pelo seu caráter intervencionista como regulamentador da economia, tanto por meio do controle de políticas fiscais e monetárias, como pela sua participaç ão nos setores produtivo e social. Diante do período de recessão econômica, o Estado-intervencionista passou a implantar um conjunto de medidas no sentido de reduzir seus investimentos nas áreas econômica e social, adotando políticas baseadas em princípios neoliberais, numa reaç ão veem ente ao Estado-intervencionista, sobretudo no que se refere à p r o m o ç ão de benefícios sociais como forma de garantir o chamado Estado de Bem -Estar Social (welfare state), caracterizado pela participaç ão estatal na execu ç ão de programas sociais, como moradia , educaç ão, saúde, seguran ç a, previdência social, etc.

O Estado neoliberal, ao mesmo tempo em que exerce um rígido controle dos gastos como forma de manter a estabilidade monetária, também

(22)

adota políticas para promover uma maior liberalizaç ão da economia mediante o estabelecimento de processos de privatizaç ão e abertura dos mercados, como forma de ampliar a mobilidade dos investimentos em nível internacional e, com isso, criar condiç ões favoráveis para garantir a acumula ç ão capitalista.

O modelo neoliberal c o m eç ou a ser implantado no final da década de 1970, na Inglaterra, durante o governo de Margareth Tatcher, e s t e n d e n d o -se logo em seguida para os Estados Unidos. Na década de 1980, o programa neoliberal já estava implantado na maioria dos países de capitalismo avan ç ado da Europa, assim como na Austrália e Nova Zelândia. No final dos anos 80, esse programa também se difunde pela América Latina, sendo adotado no Chile, Bolívia, Argentina, México, Peru, e no Brasil, já no início da década de 1990.

O programa n eoliberal alcan ç ou grande êxito, tanto em nível político quanto ideológico, ao apresentar-se como cren ç a que serve ao controle de comportamentos coletivos, na medida em que consegue disseminar “a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se as suas normas” (ANDERSON, 1995).

Esse caráter político -ideológico tem sido capaz de sustentar a hegemonia, do projeto neoliberal em rela ç ão às demais ideologias com as quais compete. A manuten ç ão dessa hegemonia se estabelece em funç ão, principalmente, do próprio Estado, que atua como agente de disseminaç ão e implementaç ão desse projeto neoliberal, da qual a educaç ão é parte constitutiva das mudan ç as. Segundo Gonç alves (1999, p.74):

(23)

Se até aqu i o p r o c e s s o d e i n t e r n a c i o n a l i z a ç ão vinha se fazendo, s o b r e t u d o n o c a m p o d a e c o n o m i a , c o m a s p r o p o s t a s d e r e f o r m a s n o mundo da educaç ão vemos um aprofundamento desse processo que, através da educaç ão, tenta colocar as condi ç ões gerais de produ ç ã o s u b j e t i v a s (de que a educaç ã o é p r e s s u p o s t o ) p a r a u m s a l t o n o p r o c e s s o d e a c u m u l a ç ã o d o c a p i t a l .

As reformas neoliberais no campo da educaç ão brasileira, assim como em vários outros países do mundo, parecem estar sendo articuladas estrategicamente pelos grandes organismos supranacionais, em especial, pelo Banco Mundial.7

De acordo com Cacete (1999, p.38), o Banco Mundial tem justificado sua atuaç ão no campo da educaç ão como forma de atacar a pobreza, “destacando o investimento em educaç ão como a melhor forma de a u m entar o recurso dos pobres”. Segundo documentos de política educacional do próprio Banco Mundial:

A educaç ão determinará quem tem as chaves dos tesouros que o mundo pode fornecer. Isso é particularmente importante para os mais pobres, que têm que confiar no s e u c a p i t a l h u m a n o c o m o o principal, se não o único, meio para escapar da pobreza (WORLD BANK GROUP WORLD apud SIQUEIRA, 2001).

Como forma de promover as reformas educacionais nos mais diversos países do mundo, o Banco Mundial oferece desde recursos finan ceiros, via concessão de empréstimos, até serviç os de consultoria e assessoria, que se encarregam de elaborar as concep ç ões das reformas e as adaptaç ões jurídicas necessárias para a sua implementaç ã o .

7

O Banco Mundial foi criado em 1944, na Conferência de Bretton Woods, tendo como objetivo inicial financiar projetos destinados à recuperação econômica dos países assolados pela Segunda Guerra Mundial. O Banco é um grupo formado pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o Centro Internacional para Resolução de Disputas Internacionais (ICSID), a Associação Internacional de Desenvolvimento (IDA), o Organismo Multilateral de Garantia de Investimentos (MIGA), a Cooperação Financeira Internacional (IFC) e o Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF).

(24)

Portanto, a rela ç ão entre educaç ão e pobreza tem sido o principal argumento utilizado pelo Banco Mundial para ampliar sua influência sobre os países menos desenvolvidos socioeconomicamente. Em outras palavras, parece que o Banco Mundial utiliza a educaç ão como instrumento para adotar suas políticas externas, p ara garantir o estabelecimento do programa neoliberal em curso, de acordo com os interesses das grandes potências mundiais que determinam os rumos dessas mudan ç as conforme seus interesses. Como vários críticos asseguram, esse discurso do Banco Mundial serve para camuflar as reais conseqüências do ajuste econômico decorrentes das políticas neoliberais. Conforme afirma Corragio (apud CACETE, 1999, p.38):

[ . . . ] o q u e o B a n c o M u n d i a l t e m e é c o l o c a r e m r i s c o a s u s t e n t a ç ã o p o l í t i c a d o a j u s t e e s t r u t u r a l , e n t e n d i d o como caminho para retomar o c r e s c i m e n t o , e p o r i s s o l a n ç a m ã o d e p o l í t i c a s c o m p e n s a t ó r i a s n o campo da educaç ã o , c o m o f o r m a d e m i t i g a r o s i m p a c t o s d o a j u s t e s o b r e a p o p u l a ç ão mais empobrecida.

Isso mostra, evidentemente, que o Banco Mundial se constitui n u m agente econômico que atua como instrumento de dominaç ão política e econômica, que, sob o respaldo e cooperaç ão do Estado, passa a determinar as “exigências” da acumula ç ão capitalista e as “necessidades” da classe trabalhadora (OFFE apud KRUPPA, 2001). Es se fato reforç a, mais uma vez, a finalidade da educaç ão tida como um meio de garantir a implantaç ão e a hegemonia das políticas neoliberais.

Portanto, as reformas educacionais adotadas no Brasil, assim como em outros países do mundo, via monitoramento do Banco Mundial, vêm conduzindo ao estabelecimento de um novo modelo à educaç ão, relacionado

(25)

aos princípios neoliberais que se fundamentam na busca da competitividade, lucratividade e rentabilidade.

Segundo Aguiar (1996, p.510), esse paradigma neoliberal se caracteriza pela chamada posiç ão produtivista que, “coerente com os pressupostos que configuram [as reformas] leva à competiç ão desvairada, à ânsia de ser melhor a todo preç o, despreza a ética e estimula os sabidos em detrimento dos sábios”.8

Essas idéias também são compartilhadas por Moreira (1996, p.12), que, assumindo a posiç ão de Lapati, afirmou que a ênfase das propostas curriculares em questão:

[...] caminham na direç ã o d a v a l o r i z a ç ã o d o i n d i v í d u o , d e s u a capacidade de iniciativa e de seu espírito de competitividade. Deseja- se formar, em síntese, uma mentalidade econômica, pragmática e realizadora, orientada para a produtividade, para o l u c r o e p a r a o c o n s u m o .

Com isso, a escola pública passou a se constituir em um meio para ocultar a lógica da acumula ç ão capitalista ao culpar o indivíduo pela sua própria condiç ão, como sendo incapaz de competir no mercado e, ao mesmo tempo, inocentar o Estado pela sua incapacidade de dar respostas às demandas que a sociedade exige. Isso se verifica, por exemplo, ao constatarmos que as reformas têm o propósito de promover a adequaç ão econômica, o chamado enxugamento dos Estados via conten ç ão dos gastos públicos, o que, sob a ótica das políticas neoliberais, é condiç ão necessária para se ampliar a

8

Em oposição ao paradigma produtivista, Aguiar se refere à chamada posição cívica democrática cujo projeto educativo “revela a opção pela qualidade inspirada na ética e nos valores da justiça e no reconhecimento dos direitos sociais. A qualidade não se revela como um fim em si mesmo ou como um meio de formar robôs para o mercado ou favorecer a alienação” (AGUIAR, 1996, p. 511).

(26)

capacidade de investimentos em outros setores e tornar as economias mais competitivas em nível mundial.

Ao se referir a essa questão, Spósito (1999, p.22) argumentou que as reformas educacionais ocorridas em nosso país parecem estar mais direcionadas à conten ç ão dos gastos público s do que à amplia ç ã o d o s investimentos na área educacional. Essa mesma opinião também é partilhada por Aguiar (1996, p.512), que, além de criticar a falta de investimentos maciç os na educaç ão, aponta que o governo federal tem procurado transferir as responsabilidades que lhe são atribuídas no campo da educaç ã o .

Isso explica a recomendaç ão do Banco Mundial a favor da privatizaç ão do setor, ou seja, da transferência do sistema educacional para a iniciativa privada, defendida como forma de diminuir gastos públicos, melhorar a qualidade e expandir a abrangência da educaç ão, o que segundo o Banco não tem ocorrido pela falta de recursos dos governos. O documento do Banco Mundial intitulado Descentralizaç ão da Educa ç ã o : f i n a n c i a m e n t o

b a s e a d o n a d e m a n d a aponta vário s pontos favoráveis à transferência da

educaç ão à iniciativa privada:

[A] escolha gerará maior competiç ão e, então, melhorará a eficiência e o desempenho escolar; a maioria dos estudos indicam que a educaç ão pública é mais cara do que a privada; o sistema de mercado satisfaz aos interesses privados e é ligeiramente superior em termos de desempenho estudantil (PATRINOS; ARIASINGAM apud SIQUEIRA, 2001).9

Ainda de acordo com um outro relatório divulgado por um serviç o do Banco Mundial chamado E d u c a t i o n I n v e s t ment (Investimento em

9

(27)

Educaç ão) observa-se a posiç ão favorável à transferência da educaç ão à iniciativa privada face a falta de recursos financeiros dos governos, pois:

A habilidade financeira dos governos para expandir e melhorar a educaç ão é limitada. Ao m e s m o t e m p o , o i n t e r e s s e d o s e t o r p r i v a d o em investir em educaç ão está crescendo. Hoje, muitos países em desenvolvimento dão boas- vindas ao investimento estrangeiro em educaç ão, especialmente quando se traz tecnologias inovadoras e novos enfoques. Os invest i m e n t o s d o s e t o r p r i v a d o e m e d u c a ç ã o estão crescendo em todas as regiões do mundo, especialmente nos países de baixa- renda (EDINVEST apud SIQUEIRA, 2001).10

Assim, vislumbram -se os verdadeiros interesses do Banco Mundial: a abertura do sistema educacional às empresas privadas, o que reforç a claramente a visão estritamente comercial do Banco em rela ç ão à educaç ã o .

De acordo com Kruppa (2001), os discursos privatizantes na área da educaç ão “provam a tese do encolhimento da esfera pública e do Estado brasileir o , p o r u m a aç ão catalizadora do Banco Mundial em favor da lógica privada”. A lógica da privatizaç ão, por sua vez, coloca em jogo a concep ç ão de escola pública, aquela que, organizada a partir dos interesses das classes sociais menos favorecidas e calcada nos ideais de solidariedade e igualdade, coloca-s e c o m o c o n d iç ão primordial para o exercício da cidadania e a transformaç ão social.

As reformas educacionais, como parte integrante das políticas neoliberais, caminham no sentido contrário, pois ao ser transferida da esfera

10

O EdInvest – Education Investment - (Informação de Investimento em Educação) é um serviço do Banco Mundial voltado à inserção da educação na lógica do mercado. O próprio EdInvest reconhece que os seus principais beneficiários são “empresas de educação que exploram oportunidades de investimentos globais; escolas e instituições de treinamento que procuram por investidores; corporações, inclusive firmas de tecnologia, que almejam aumentar sua presença nos países em desenvolvimento; organizações não-governamentais; bancos internacionais; e investidores” (apud SIQUEIRA, 2001).

(28)

pública para a privada, a educaç ão passa a se constituir em uma mercadoria. Dessa forma, a educaç ão insere-se em um processo de mercantilizaç ão, recebendo, de acordo com Siqueira (2001), “enfoque varejista/ mercadológica/ comercial na qual é negociada como um novo artigo no mercado de serviç os privados”. Segundo Corrêa (2001), o modelo neoliberal, ao promover a mercantilizaç ão generalizada, inclusive da educaç ão, tende a “atingir as consciências no sentido de introjetar o valor mercantil e as rela ç ões mercantes como padrão dominante para solu ç ões e práticas sociais”.

No intuito de reduzir a sua participaç ão na área da educaç ão, o governo federal passou a conceder maior autonomia e responsabilidade às escolas. Isso, de certa forma, revela uma contradiç ão clara no âmbito das reformas, pois, se de um lado o governo federal centraliza as diretrizes gerais da política educacional, por outro lado, esse mesmo governo promove a descentralizaç ão ao delegar a implantaç ão e o gerenciamento dessas reformas no âmbito escolar. Diante dessa contradiç ão, Spósito (1999, p.21) afirmou que a atual política educacional brasileira vem sendo realizada por meio de uma “descentralizaç ão centralizada”.

A centralizaç ão das reformas educacionais tem sido justificada s o b o argumento da melhoria da qualidade do ensino, vista como condiç ão necessária ao desenvolvimento econômico. De acordo com Paiva (apud AGUIAR, 1996, p.510), a centralidade das reformas passa a ser respaldada “por estudos que apontam a baixa produtividade do sistema educacional brasileiro, medido mais uma vez em termos de eficiência e eficácia e demonstrado por índices considerados insuficientes”.

(29)

O d o c u m e n t o Introduçã o dos Parâmetros Curriculares Nacionais, após tecer consideraç õ e s s o b r e o d e s e m p e n h o d a e d u caç ão brasileira nas últimas décadas, enfatizando os avan ç os decorrentes da queda da taxa de analfabetismo, aumento do número de matrículas e crescimento da taxa de escolaridade ressalta que:

[ . . . ] s e a t ô n i c a d a p o l í t i c a e d u c a c i o n a l b r a s i l e i r a r e c a i u , d u r a nte anos, sobre a expansão das oportunidades de escolarizaç ã o , h o j e e l a é posta na necessidade de revisão do projeto educacional do país, de modo a concentrar a atenç ão na qualidade do ensino e da aprendizagem (BRASIL, 1998a, p.36).

Mas a questão da qualid ade inspirada na ótica neoliberal é apontada pelos críticos como tendo um caráter estritamente mercantil, por meio da aplicaç ão de critérios empresariais, como rentabilidade, produtividade e competitividade. Nesse sentido, Corrêa (2001) argumentou q u e a q u estão da qualidade em educaç ão acaba sendo “deslocada para um outro patamar, sendo tratada como um problema técnico e desideologizado, ou seja, uma qualidade dos produtos educacionais e, não, uma qualidade dos processos educacionais”.

Portanto, faz-se necessário determinar a concep ç ão de qualidade que se deseja implantar na educaç ão para que sejamos capazes de “contrapor qualidade política e não técnica, sociológica e não gerencial, crítica e não pragmática” (CORRÊA, 2001).

A excessiva centralizaç ão das reformas educacionais no Brasil também gera implicaç ões decorrentes da implantaç ão de um currículo nacional. O “termo” currículo assume significados distintos conforme os

(30)

diferentes contextos da pedagogia, mas que de acordo com os PCN’s significa:

[...] a expr e s s ã o d e p r i n c í p i o s e m e t a s d o p r o j e t o e d u c a t i v o , q u e precisam ser flexíveis para promover discussões e reelaboraç õ e s q u a n d o r e a l i z a d o e m s a l a d e a u l a , p o i s é o p r o f e s s o r q u e t r a d u z o s princípios elencados em prática didática (BRASIL, 1998a, p.49).

De man eira geral, essa idéia de currículo nacional está de acordo com aquela em que Moreira (1996, p.12) afirmou servir “para indicar os padrões a serem atingidos nacionalmente, as estruturas básicas das disciplinas, assim como o conjunto formado por metas, padrões, processo institucional e avalia ç ão”.

Além desse caráter centralizador, o estabelecimento de um currículo nacional também constitui, segundo vários críticos, um instrumento d e d o m i n aç ão na medida em que tende a estabelecer uma padronizaç ão da cultura n acional e, assim, legitimar apenas as idéias de um determinado segmento da sociedade. De acordo com Apple (apud CACETE, 1999, p.39), a determinaç ão de um currículo nacional:

[ . . . ] s i g n i f i c a d e f i n i r o c o n h e c i m e n t o d e u m g r u p o c o m o o m a i s l e g í t i m o , c o m o c o n h e c i m e n t o o f i c i a l , i s s o p o r q u e n ã o e x i s t e consenso acerca do que os alunos devem aprender, autorizando, p o r t a n t o , n e s s e p r o c e s s o , a l g u n s g r u p o s e d e s a u t o r i z a n d o o u t r o s .

Isso significa dizer que o estabelecimento de um currículo nacional caminha na contramão de uma sociedade democrática, pois tende a manter em condiç ões de subordinaç ão os segmentos já marginalizados e excluídos da sociedade. Nas palavras de Moreira (1996, p.13):

(31)

[ . . . ] o c u r r í c u l o n a c i o n a l , a o s e r j u s t i f i c a d o c o m o v i s a n d o à c o n s t r u ç ão e a preservaç ã o d e u m a c u l t u r a c o m u m , t i d a c o m b á s i c a para o desenvolvimento de um sentimento de identidade nacional, tende a privilegiar os discursos dominantes e a excluir, das salas de a u l a , o s d i s c u r s o s e a s v o z e s d o s g r u p o s s o c i a i s o p r i m i d o s , v i s t o s como não merecedores de serem ouvidos no espaç o e s c o l a r .

As consideraç ões que tecemos ao longo deste capítulo nos mostraram que a política educacional promovida em nosso país nos últimos anos tem sido realizada de maneira extremamente centralizada pela esfera federal em subordinaç ão aos ditames dos organismos e instituiç ões internacionais. Portanto, isso nos permite concluir que essa política representa muito mais um “ajustamento” de nossa educaç ão face às novas exigências impostas pela reestruturaç ão econômica e ajustamento social ditadas pelo capitalismo mundial, do que a execu ç ão de um projeto que atendam às necessidades que hoje se colocam à esfera da educaç ã o e m n o s s o p a í s .

(32)

P

RIMEIRA

PARTE

C

APÍTULO

1

OS FUNDAMENTOS TEÓRICO-M E T O D O L Ó G I C O S D A GEOGRAFIA EM SUAS DIVERSAS CORRENTES DE PENSAMENTO

A implantaç ão de uma proposta curricular em nível nacional, tal como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), tende a provocar mudan ç as em todo o ensino fundamental, o que acaba, inevitavelmente, por tornar-se alvo d e discussões e críticas entre especialistas e estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento. Isso não foi diferente no caso da Geografia. Apreensivos com os rumos que o ensino da ciência geográfica possa a tomar com a implantaç ão dos PCN’s, inúmeros estudiosos têm realizado reflexões com o objetivo de elucidar as várias questões que permeiam a referida proposta de ensino para a área da Geografia.

Uma preocupaç ão central que muito se tem discutido refere-se à questão teórico -metodológica presente nos PCN’s de Geografia. Afinal, que concep ç ão de Geografia está explicitada no referido documento? Qual o direcionamento dado ao ensino fundamental de Geografia segundo os conteúdos e as abordagens sugeridas por essa nova proposta de ensino? Essa

(33)

proposta de ensino sugerida pelos PCN’s possui uma fundamentaç ão teórico -metodológica coerente com a abordagem adotada?

As respostas para essas indagaç ões podem ser encontradas por meio de uma investigaç ão da proposta de ensino que os PCN’s determinam para a área de Geografia. Antes de realizar tal análise, faz-se necessário, em primeiro lugar, discorrer sobre a evolu ç ão do pensamento geográfico, para que se possam identificar as mudan ç as epistemológicas e os avan ç os teórico -metodológicos pelas quais a Geografia passou desde a sua sistematizaç ão nas universidades, quando se tornou, reconhecidamente, um campo de conhecimento independente.

Desde então, a história do pensamento geográfico foi marcada pela influência de diversas correntes filosóficas, que, ao longo do tempo, levaram à incorporaç ão de tendências diversas e até mesmo antagônicas, com bases teóricas e metodológicas específicas. Mesmo que essas diferentes correntes filosóficas tenham surgido em uma certa ordem cronológica, o aparecimento de uma nova tendência não s ignificou, necessariamente, o desaparecimento da (s) anterior (es). Em certos momentos, inclusive, houve até mesmo a coexistência de duas ou mais tendências.

A partir de seus respectivos enfoques filosóficos, cada uma dessas tendências, apesar de muitas vezes apresentarem diferen ç as internas significativas, podem ser agrupadas da seguinte maneira: a Geografia Tradicional, marcada pelo positivismo; a Nova Geografia, influenciada pelo neopositivismo; a Geografia Crítica, fundada no marxismo; e a Geografia H u m anista, amparada, sobretudo, na fenomenologia.

(34)

1.1 A SISTEMATIZA ÇÃO DA GEOGRAFIA

A Geografia tornou-se uma ciência autônoma somente por volta do início do século XIX, com os estudos de dois prussianos, o naturalista Alexandre von Humboldt (1769-1859) e o filósofo e historiador Karl Ritter (1779-1831), ambos ligados à aristocracia.11 Até aquela época, não havia uma mínima padronizaç ão do conhecimento geográfico, em torno do qual se reuniam:

[...] relatos de viagem, escritos em tom literário, compêndios de c u r i o s i d a d e s , s o b r e l u g a r e s e x ó t i c o s , á r i d o s r e l a t ó r i o s e s t a t í s t i c o s de órgãos de administraç ão; obras sintéticas, agrupando os conhecimentos existentes a respeito dos fenômenos naturais; c a t á l o g o s s i s t e m á t i c o s , s o b r e o s c o n t i n e n t e s e o s p a í s e s d o G l o b o e t c . ( M O R A E S , 1 9 9 0 , p . 3 4 ) .

As obras de Humboldt e Ritter formaram a base da Geografia moderna, sendo referências para os estudos que se sucederam, estando em concordância ou não com as idéias daqueles respectivos precursores. Além de criar uma linha de continuidade no pensamento geográfico, Humboldt e Ritter também desempenharam um importante papel institucional na formaç ão das primeiras cátedras dessa ciência (MORAES, 1990, p.50). Por meio de suas contribuiç ões, a Geografia foi progressivamente ganhando statu s d e conhecimento científico organizado, o que pôde gerar uma maior uniformizaç ão dos estudos geográficos que, ainda na metade do século XIX, apresentavam -se com uma multiplicidade de enfoques.

11

Os principais estudos que serviram como referência fundamental para a ascensão da Geografia enquanto ciência foram Quadros da Natureza, publicado em 1808, e Cosmos – ensaios de descrição física do mundo, escrito entre 1845 e 1862, de Humboldt; e Geografia Comparada, de Ritter, escrita entre 1817 e 1858.

(35)

Havia uma Geografia dos exploradores, desenvolvida pelas s o c i edades exploradoras, e que continha uma série de ricas i n f o r m a ç ões sobre áreas pouco conhecidas; ao seu lado havia uma geografia vulgar, popular, em que se detalhava, em mapas e compêndios, uma relaç ão de acidentes e de divisões políticas e i n f o r m a ç ões eco nômicas de grande interesse para curiosos; e uma terceira, a Geografia dita científica, cultivada nas Universidades, em que havia disciplinas específicas de Geografia, que procuravam para esta ciência o seu paradigma, a sua caracterizaç ã o ( A N D R A D E , 1 9 8 7 , p . 1 3 ) .

A sistematizaç ão da Geografia nas universidades ocorreu relativamente tardia, se comparada com as demais ciências como a Física, a História, a Economia e a Antropologia. Isso se explica pelo fato das c o n d iç ões históricas necessárias para a autonomia do conhecimento geográfico se encontrarem suficientemente amadurecidas somente nas primeiras décadas do século XIX.

De acordo com Moraes (1990), os principais pressupostos históricos que contribuíram para a sistematizaç ão da Geografia foram:

· a necessidad e de se ter o conhecimento real de toda a extensão da superfície terrestre, condiç ão necessária para que a Terra fosse estudada de maneira unitária;

· a existência de um vasto acervo de informações sobre os mais diversos lugares do planeta, condiç ão necessária para a realizaç ão de estudos que discorressem sobre a diversidade da superfície terrestre;

· o aperfeiçoamento das técnicas cartográficas, condição necessária para a representaç ão mais exata dos territórios na

(36)

superfície terrestre, assim como para a espacializaç ã o d o s fenômenos sobre o globo;

· a valorização do temário geográfico na própria evolu ção do pensamento, seja pelos filósofos da época, que procuravam explicaç ões mais abrangentes do mundo; pelos pensadores do Iluminismo, interessados na discussão do estado e do poder; pelos economistas políticos, que discutiam questões geográficas como a distribuiç ão das riquezas, dos recursos naturais, etc; e, finalmente, pelos teóricos evolucionistas, que, ao enfatizarem as condiç ões ambientais na evolu ç ão das espécies, garantiram um suporte científico bastante sólido aos estudos geográficos.

O estabelecimento desses pressupostos gerou as condiç ões necessárias para a organizaç ão da ciência geográfica, o que, de acordo com James (apud JOHNSTON, 1986, p.55), ocorrera em torno de 1874, após a cria ç ão dos primeiros departamentos universitários de Geografia na Alemanha. Em outros países, como na Fran ç a e na Rússia, também existiam importantes trabalhos geográficos, mas era na Alemanha, pelas contribuiç ões de Humboldt e Ritter, que a discussão em torno da ciência geográfica se tornava muito mais intensa.

Desde o seu nascimento, como ciência oficial, a Geografia esteve ligada aos interesses dos Estados modernos, tendo se colocado como instrumento de conquista de povos e territórios durante a empreitada colonial. De acordo com Santos (1990, p.14), a utilizaç ão da Geografia a serviç o d o

(37)

expansionismo colonial mostra o caráter ideológico que essa ciência assumiu desde o seu princípio, pois a “utilizaç ão da geografia como in strumento de conquista colonial não foi uma orientaç ão isolada, particular a um país [pois] em todos os países colonizadores houve geógrafos empenhados nessa tarefa”.

Ao discorrer sobre a história da Geografia, Freeman (apud JOHNSTON, 1986, p.56-57) identificou várias tendências principais na literatura geográfica, sendo que algumas dessas tendências estão relacionadas ao projeto colonialista, como aquela “associada com a coleta de informaç ões sobre o mundo, particularmente de áreas pouco conhecidas dos hab itantes da Europa Ocidental e América do Norte”, e outra tendência ligada aos interesses dos grandes impérios que “requeria uma grande quantidade de informaç ões sobre os vários países envolvidos, cujo fornecimento veio a ser a maior tarefa da pesquisa geográfica [...]”. Por fim, uma tendência relacionada à “habilidade do geógrafo” no campo geopolítico e ideológico largamente utilizada, por exemplo, na definiç ão de fronteiras e limites territoriais. Diante disso, Freeman (apud SANTOS, 1990, p.14-15) chegou a afirmar que “existe mesmo uma rela ç ão entre a expansão da geografia e a da colonizaç ão. [e que] o ímpeto dado à colonizaç ão e o papel nela representado por nossa disciplina teria sido um fator de seu desenvolvimento”.

O empreendimento colonialista, por sua vez, refletia a grande revolu ç ão econômica e cultural que se processava na Europa daquela época, marcada pela ascensão da burguesia e pela expansão do modo de produç ão capitalista que se estendia em todas as direç ões do globo. Essa revolu ç ão também se caracterizava pela maior valorizaç ão do pensamento científico, que, ao consagrar a racionalidade humana, aumentava o domínio do homem

(38)

sobre a natureza mediante o desenvolvimento das condiç ões técnicas e da formula ç ão de leis universais que explicavam os mecanismos de f u n c i o n a m e n t o d o m u n d o .

Portanto, ao discorrer sobre as origens da Geografia, bem como as primeiras correntes de pensamento dessa ciência, faz-se necessário que se contextualize a inserç ão dessa disciplina no pensamento científico da época, o q u e será tratado a seguir.

1.2 O PENSAMENTO CIENTÍFICO N O C O N T E X T O D O S É C U L O XIX E O NASCIMENTO DA GEOGRAFIA TRADICIONAL POSITIVISTA

O panorama científico do século XIX, fruto das condiç ões econômicas, políticas e culturais daquela época, foi fortemente influenciado pelas idéias do positivismo filosófico formulado pelo francês Augusto Comte (1798-1875), publicadas com o título C u r s o d e F i l o s o f i a P o s i t i v a , elaborado entre 1830 e 1842. Segundo Comte (1996), a sociedade da época deveria reorganizar suas idéia s, o saber e a opinião para criar um novo sistema de filosofia, calcado na substituiç ão das explicaç ões teológicas e metafísicas da realidade, pela explicaç ão positiva, ou seja, pelas leis científicas (COMTE. ENCICLOPÉDIA ... 1987, p.2687).

A filosofia positivista disseminou-se pelo mundo ocidental e suas premissas difundiram -se entre todas as ciências, tendo influenciado

(39)

diretamente o desenvolvimento teórico e metodológico de todos os ramos do saber, em especial o da Geografia.

Dessa forma, a ascensão das idéias positivistas significou a busca de uma compreensão mais racionalista da realidade que, conforme Moraes (1990, p.37), propõe “explicaç ões mais abrangentes do mundo, formula sistemas que buscam a compreensão de todos os fenômenos do real”. Para tanto, o positivismo se estabeleceu a partir das seguintes teses fundamentais:

A ciência é o único conhecimento possível e o método da ciência é o ú n i c o v á l i d o [ . . . ] ; o m é t o d o d a c i ê n c i a é p u r a m e n t e d e s c r i t i v o , n o sentido que descreve os fatos e mostra aquelas relaç ões constantes entre os fatos que são expressas pelas leis e consentem a previsão d o s m e s m o s f a t o s [ . . . ] ; o m é t o d o d a c i ê n c i a , e n q u a n t o é o ú n i c o válido, deve ser estendido a todos os campos de indagaç ão e da atividade humana [...] (ABBAGNANO, 1982, p.7 4 6 ) .

A primeira tese enumerada acima define que a estrutura da ciência positivista “é um meio de alcan ç ar conhecimento objetivo sobre o mundo, conhecimento que é independente dos cientistas” (JOHNSTON apud HOLZER, 1992, p.310). Para atingir esse conhecimento objetivo do mundo, o positivismo comtiano privilegia a observaç ão em detrimento da imaginaç ão e da argumentaç ão, ao invés de procurar as causas primeiras e finais dos fenômenos como ocorre nos procedimentos teológico e metafísico (COMTE, 1996, p.9-10). Ao pressupor a eliminaç ão da metafísica, a abordagem positivista se estabelece apenas com “o estudo do que é empiricamente conhecível” (JOHNSTON apud HOLZER, 1992, p.310).

A segunda tese enumerada, o método descritivo, indica que esse estudo deve se pautar em procedimentos convencionados para se entender

(40)

os fenômenos a partir de leis que possam comprovar o conhecimento tido como verdadeiro. Ao discorrer sobre essa tese positivista, Moraes (1990, p.21-22) considera que o caráter estritamente descritivo não conseguiu mais que uma visão limitada e empobrecida da realidade. Segundo ele, essa filiaç ão positivista manifesta:

[uma] redu ç ão da realidade ao mundo dos sentidos, isto é, em c i r c u n s c r e v e r t o d o t r a b a l h o c i e n t í f i c o a o d o m í n i o d a a p a r ê n c i a d o s f e n ô m e n o s . As s i m , p a r a o p o s i t i v i s m o , o s e s t u d o s d e v e m r e s t r i n g i r -se aos aspectos visíveis do real, mensuráveis, palpáveis. Como -se os fenômenos se demonstrassem diretamente ao cientista, o qual s e r i a m e r o o b s e r v a d o r . D a í a l i m i t a ç ã o d e t o d o s o s p r o c e d i m e n t o s de análise à indu ç ão, [processo de pensamento que procede do particular para se chegar a princípios gerais e universais] posta como a única via de qualquer explicaç ã o c i e n t í f i c a .

Esse aspecto da ciência positivista influenciou a própria definiç ão de Geografia, que acabaria se tornando rótulo generalizante dos estudos geográficos, vistos como “a ciência que faz a descriç ão da superfície da Terra” (ANDRADE, 1987, p.13), o que explica o caráter meramente informativo dos primeiros estudos geográficos, que, em sua fase inicial, limitava-se a “informar a respeito das várias áreas do globo terrestre, catalogando nomes de montanhas, de rios, de mares, de cidades, de países e de recursos produzidos [o] que não estimulava a reflexão mais profunda”.

A terceira tese enumerada anteriormente, aquela que reconhece a existência de um único método de pesquisa para todos os ramos de investigaç ão, revela a unidade da ciência positivista. De acordo com Holzer (1992, p.311), o método, por ter uma aplicaç ão concreta e inseparável nas diversas ciências particulares, produz a unidade geral de toda a ciência.

(41)

De certo modo, a existência de apenas um método de investigaç ão repercutiu mais intensamente na Geografia do que nas demais ciências, isto porque os estudos geográficos se dedicavam tanto à análise dos fenômenos naturais, quanto dos fenômenos humanos, reunindo, ao mesmo tempo, as ciências naturais e as ciências humanas. Tal peculiaridade gerou uma dicotomia no cerne dessa própria ciência, entre a Geografia Física, voltada para os estudos do quadro natural, e a Geografia Humana, preocupada como os estudos relacionados às atividades humanas.

Como naquela época, as ciências naturais se encontravam mais desenvolvidas e melhor organizadas teórica e metodologicamente, todas as ciências, inclusive a Geografia, deveriam se orientar pelo método de interpretaç ão originário dos estudos da natureza (MORAES,1990, p.23). Diante disso, enquanto a Geografia Física ganhava maior status científico, a Geografia Humana não progrediu o bastante, ficando relegad a a um segundo plano. Conforme Christofoletti (1982, p.13) escreveu:

E m v i r t u d e d o a p a r a t o m e t o d o l ó g i c o m a i s e f i c i e n t e d a s c i ê n c i a s físicas [...], a Geografia Física ganhou imagem de ser a parte cientificamente mais bem consolidada e executada. Praticament e, não havia mais necessidade de preocupaç õ e s m e t o d o l ó g i c a s e c o n c e i t u a i s a s e u p r o p ó s i t o . D e s t i t u í d a d e a p a r a t o t e ó r i c o e explicativo para as atividades humanas, assim como da imprecisão dos procedimentos metodológicos, a Geografia Humana sempre se debatia n a p r o c u r a d e j u s t i f i c a r o s e u g a b a r i t o c i e n t í f i c o , e e m estabelecer sua defini ç ão e finalidades como ciência.

A aproximaç ão dos geógrafos com as ciências naturais se deu pela influência recebida das teorias evolucionistas de Darwin12 e também

12

O inglês Charles Darwin (1809-1882) destacou a luta pela vida como base de sua teoria evolucionista, em que somente os mais aptos poderiam sobreviver na concorrência entre as espécies. Seu trabalho mais clássico foi A

origem das espécies através de meios naturais de seleção ou a conservação das raças favorecidas na luta pela vida (1859).

(42)

pelas idéia s naturalistas de Lamarck.13 O filósofo inglês Herbert Spencer foi o grande defensor das teorias naturalistas e evolucionistas nas ciências sociais. Ao propor a explicaç ão da sociedade pelos mecanismos que regem a dinâmica natural, o evolucionismo, tido como o “complexo das doutrinas filosóficas que vêem na evolu ç ão a nota fundamental de todo tipo ou forma de realidade e, por isso, o princípio adequado para explicar a realidade no seu conjunto” (ABBAGNANO, 1982, p.375), adquiriu uma forte conotaç ão ideológic a, pois:

Se a seleç ão natural, como ensinava Darwin, se realizava através da luta entre as espécies, vencendo os mais capazes, transportado este a x i o m a p a r a a s c i ê n c i a s s o c i a i s p o d e r i a m o s c a p i t a l i s t a s j u s t i f i c a r a v i t ó r i a d o s b e m - s u c e d i d o s c o m o o r e s u l t a d o de sua capacidade superior e a derrota dos demais em face da sua incapacidade natural ( A N D R A D E , 1 9 8 7 , p . 5 0 ) .

Essas idéias contribuíram para o estabelecimento do primeiro paradigma da Geografia Tradicional, o determinismo ambiental, por meio do qual os geógrafos afirmavam que o comportamento humano, bem como a sua capacidade de progredir, seriam diretamente determinados pelas condiç ões naturais, especialmente as climáticas (CORRÊA, 1990, p.9).

O alemão Friderick Ratzel foi o grande precursor e divulgador d o determinismo ambiental na Geografia, cujas idéias foram publicadas em seu principal livro intitulado A n t r o p o g e o g r a f i a – f u n d a m e n t o s d a a p l i c a ç ã o

d a G e o g r a f i a à H i s t ó r i a, de 1882. Nesse trabalho, Ratzel definiu o objeto da

ciência geográfica como:

13

O francês Jean Baptiste Lamarck (1744-1829) desenvolveu uma teoria no campo das ciências naturais, na qual preconizava que os animais desenvolviam com mais intensidade os órgãos mais freqüentemente utilizados e provocavam a atrofia nos sub-utilizados, e onde as variações biológicas adquiridas são conservadas através das gerações desde que estejam presentes nos dois sexos.

(43)

[ . . . ] o estudo da influência que as condi ç ões naturais exercem sobre a h u m a n i d a d e . E s t a s i n f l u ê n c i a s a t u a r i a m , p r i m e i r o n a f i s i o l o g i a ( s o m a t i s m o ) e n a p s i c o l o g i a ( c a r á t e r ) d o s i n d i v í d u o s , e , a t r a v é s destes, na sociedade. Em segundo lugar, a natureza influenciaria a p r ó p r i a c o n s t i t u i ç ão social, pela riqueza em que está localizada a s o c i e d a d e ( M O R A E S , 1 9 9 0 , p . 5 5 ) .

Mesmo que tenha privilegiado o elemento humano, com enfoque sobre a difusão dos seres humanos no planeta e temas como migraç ão, colonizaç ã o , o c u p aç ã o e p o voamento dos territórios, a abordagem de Ratzel:

[ . . . ] m a n t e v e a v i s ã o n a t u r a l i s t a : r e d u z i u o h o m e m a u m a n i m a l , a o não diferenciar as suas qualidades específicas; assim, propunha o método geográfico como análogo ao das demais ciências da natureza; e concebia a causalidade dos fenômenos humanos como i d ê n t i c a a d o s n a t u r a i s ( M O R A E S , 1 9 9 0 , p . 5 7 ) .

Visto em seu contexto histórico, surgido numa época marcada pela expansão colonialista das metrópoles européias, que, além de ainda manterem domínios territoriais na África e na Ásia, também tratavam de ampliar sua influência imperialista em nível mundial, o determinismo ambiental serviu para legitimar a ideologia dos países dominantes sobre os dominados. Andrade (1987, p.50) argumentou que o pensamento determinista s ervia para justificar, ao mesmo tempo, “as desigualdades sociais no plano interno”, o que dissimulava os grandes desníveis sociais, e a “dominaç ão colonial no plano externo”, o que legitimava a rela ç ão de dependência e exploraç ão estabelecida em nível mundial.

Por volta do final do século XIX e início do século XX, surgiu, na Fran ç a, uma outra escola geográfica que, em oposiç ão ao determinismo ambiental, adotou um outro paradigma – o possibilismo – t e n d o c o m o

(44)

principal divulgador o francês Paul Vidal de La Blache. Para os possibilistas, o homem se apresentava como um agente ativo em rela ç ão ao ambiente, ao contrário dos deterministas que o colocavam como passivo, pois, “à semelhan ç a do determinismo ambiental, a visão possibilista focaliza as rela ç ões entre o homem e o meio natural, mas não o faz considerando a natureza determinante do comportamento humano” (CORRÊA, 1990, p.11).

O possibilismo francês, a exemplo do determinismo ambiental alemão, também nasceu como uma ideologia em face das diferen ç as que existiam entre a Fran ç a e a Alemanha. Enquanto os franceses já dispunham de um vasto império colonial, sobretudo na África e na Ásia, os alemães chegaram tardiamente à corrida colonialista, e, em virtude de sua unificaç ão ter ocorrido somente em 1871, lan ç aram os seus interesses expansionistas para a própria Europa.

Para Corrêa (1990, p.12), o possibilismo francês teria que cumprir a funç ão de “desmascarar o expansionismo germânico” por meio das teses lablachianas que criticavam abertamente o discurso político de Ratzel, e que propunham, sob um manto de objetividade, a neutralidade e a despolitizaç ão do discurso científico. Desse modo, as teses lablachianas cumpriam um duplo papel ao “abolir qualquer forma de determinaç ão, da natureza ou não, a idéia de que a aç ão humana é marcada pela contingência” e ao “enfatizar a fixidez do homem, criada através de um longo processo de transformaç ão da natureza”. Sustentava-se, assim, que a aç ã o h u m a n a n ã o seria apenas uma resposta às condiç ões da natureza.

As divergências entre deterministas e possibilistas permaneceram ligadas basicamente ao plano ideológico, tendo prosseguido até

(45)

a década de 1960 (JOHNSTON, 1986, p.61), fato que desviou a discussão geográfica do plano filosófico, epistemológico e metodológico. Moraes (1990, p.71) escreveu que:

Em termos de método, a proposta de Vidal de La Blache não r o m p e u c o m a s f o r m u l a ç õ e s d e R a t z e l , f o i a n t e s u m p r o s s e g u i m e n t o destas.[...] o fundamento positivista aproxima as concepç õ e s d o s dois autores, e, vincula a este, a aceitaç ão de u m a m e t o d o l o g i a d e pesquisa oriunda das ciências naturais.

Além do determinismo ambiental e do possibilismo, o método regional constitui o terceiro paradigma da Geografia Tradicional. Embora a região tenha sido objeto de estudos geográficos com Varenius, n o século XVII, e Karl Ritter, nos séculos XVIII e XIX, a Geografia Regional assumiu maior expressão somente a partir da década de 1940, nos Estados Unidos, com os trabalhos de Richard Hartshorne, com as publicaç ões A N a t u r e z a d a

G e o g r a f i a , de 1939, e Quest õ e s s o b r e a n a t u r e z a d a G e o g r a f i a , de 1959. Para

Hartshorne (apud JOHNSTON, 1986, p.63), o principal foco de interesse geográfico é a diferencia ç ão de áreas, sendo a Geografia:

[...] uma ciência que interpreta as realidades da diferenciaç ão de á r e a s d o m u ndo, tais como elas são encontradas, não somente em termos das diferenç as de certos elementos de lugar para lugar, mas também em termos da combinaç ã o t o t a l d o s f e n ô m e n o s e m c a d a lugar, diferente daquelas que se verificam em cada um dos outros lugares.

A perspectiva regional significou um distanciamento do debate entre deterministas e possibilistas a respeito das rela ç ões entre o homem e a natureza, pois a diferencia ç ão de áreas passou a ser vista a partir da integraç ão heterogênea dos fenômenos existentes em determinadas porç ões da superfície terrestre. Wooldridge (apud JOHNSTON, 1986, p.69) escreveu que a Geografia Regional tem por objetivo:

Referências

Documentos relacionados

Betton (apud Guerini, 1999) traz à tona mais dificuldades da adaptação, como a necessidade de tornar a narrativa perfeitamente inteligível à primeira vista e trabalhar

Sua história se constrói também com seus pares, produzindo e partilhando uma cultura da infância, constituída por ideias, valores, códigos próprios, formas

Seu vampiro é um adolescente que frequenta salas de aulas, adora velocidade, não dorme em caixões, anda de dia, e, principalmente, irá amadurecer (mesmo tendo

Para tentar explicar essas transformações, procuramos suporte em conceitos necessários para a compreensão das transformações do espaço regional e local: o estudo da localização

curricular em rede temática, no II segmento da EJA, na Rede pública municipal de educação de Maceió; ii À receptividade, envolvendo a acolhida dos estudantes para essa

Podemos concluir que, na Constituição de 1988, o debate acerca das distorções encontra-se não mais, como em 1946, na tirania dos estados mais populosos, mas no aumento da

1 Doutor em Educação em Ciências, Universidade Federal do Rio Grande, felipao.rg@hotmail.com. 2 Estudante de Educação Física, Universidade Federal do Rio

No resultado de 2017, apesar das dificuldades econômicas e políticas enfrentadas e das adversidades e riscos inerentes ao negócio, destacamos os seguintes feitos alcançados