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Perspectiva Construtivista de Estratégia: Contribuições da Teoria Neo-Institucional

2.3 Estratégia Organizacional: um campo sinestésico e ideológico

2.3.1 Perspectiva Construtivista de Estratégia: Contribuições da Teoria Neo-Institucional

Diante de sua complexidade, multidimensionalidade, dificuldade de estruturação e amplitude, percebe-se que a estratégia não pode ser explicada a partir de uma concepção determinística. A formulação estratégica não é o efeito de causas perfeitamente identificáveis, mas sim o resultado de um conjunto difuso de fatores distintos (SARAIVA; CARRIERI, 2007).

A perspectiva construtivista de estratégia, baseada na sociologia do conhecimento de Berger e Luckmann – o conhecimento é concomitantemente produto e fator de mudança social -, traz em seu bojo a premissa de que a estratégia só pode ser concebida no seu contexto de ação, “que resulta da construção social das relações entre ambiente e organização” (VASCONCELOS, 2004, p. 165).

A visão de imersão social das organizações está presente desde a adoção do modelo de sistema aberto em teoria das organizações, trazendo importantes conseqüências ao estudo da estratégia, pois além da racionalidade, sua compreensão passa pela maneira como uma organização responde às demandas do ambiente (MACHADO-DA-SILVA; FONSECA; FERNANDES, 1998).

Trata-se, na visão de Crubellate, Grave e Mendes (2004), de perspectiva menos voluntarista sobre a natureza do pensamento estratégico, procurando compreendê-lo como o “desenvolvimento de processos mais ou menos voluntários de cognição, de relacionamento cultural, de negociação política ou mesmo de respostas pouco padronizadas em relação às contingências imediatas de uma realidade complexa e mutável” (p. 38).

Para Whittington (2001), representa a abordagem sistêmica, segundo a qual os objetivos e práticas de estratégia são inseridos em sistema social específico, dele dependendo. A estratégia, assim, reflete o contexto social do qual faz parte. A partir da interpretação das demandas competitivas e institucionais de seu contexto de referência, a organização se estrutura e define suas estratégias de ação (MACHADO-DA-SILVA; COCHIA, 2004).

A perspectiva construtivista de estratégia, destarte, compreende, no todo ou em parte, as abordagens adaptativa e interpretativa (CHAFFEE, 1985 apud SARAIVA; CARRIERI, 2007), indeterminista (BIGNETTI; PAIVA, 2001), do aprendizado (CABRAL, 1998 apud CAMARGOS; DIAS, 2003), organizacional (MACHADO-DA-SILVA; FONSECA; FERNANDES, 1998), e descritiva e integradora (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000), dantes apresentadas.

As implicações de tal perspectiva em estratégia organizacional, no entendimento de Vasconcelos (2004), são de grande vulto, haja vista: (a) o abandono da premissa de que a relação ambiente-organização é de mão única, cabendo à organização o papel reativo; (b) a revisão de oportunidades, ameaças e restrições; (c) um repensar do papel da estratégia, a partir dos processos de tomada de decisão. Tais implicações, outrossim, estendem-se ao campo da pesquisa acadêmica em estratégia, porquanto desloca o foco epistemológico das relações de causa-efeito para o processo de interpretação e atribuição de sentido e em suas conseqüências. Desse modo, a relação produto-mercado é secundária. Passa a receber importância aspectos vinculados ao processo de tomada de decisão, como valores e símbolos, linguagem e interpretações (VASCONCELOS, 2004).

O ambiente, majoritariamente simbólico, é visto como a representação construída pelas crenças institucionais, influenciada reciprocamente pelas ações tomadas a partir de sua interpretação.

No contexto da perspectiva construtivista/determinista, estão as contribuições da teoria neo-institucional para a prática e o pensamento sobre estratégia.

Segundo Crubellate, Grave e Mendes (2004), o realce dado à teoria neo-institucional coincide com a já discutida confrontação entre escolha racional e modelos alternativos de explicação da decisão e da ação, presente no campo da estratégia organizacional. Todavia, embora erroneamente, estratégia e neo-institucionalismo foram e ainda são entendidos como campos de estudo incomunicáveis e excludentes.

Tudo indica que o sofismo tenha gênese em dois principais fatores: (a) a já propalada tradição racionalista dos estudos e prática de estratégia; e (b) o entendimento mais difundido

de institucionalismo (velho institucionalismo), que enaltece a passividade das organizações frente aos ambientes institucionais.

Acrescente-se a isto, como bem coloca Bignetti (2008), as duas alternativas teóricas do neo-institucionalismo: aquela que trata o contexto como instituição, na qual os processos de institucionalização vinculam-se ao poder coercitivo da sociedade e do Estado, propiciando o isomorfismo; e aquela que concebe a organização como instituição, de forma que a institucionalização é construída no interior das organizações. O predomínio na agenda de pesquisa acadêmica é do primeiro caso, não obstante inexistir contradição ou antagonismo entre ambas as alternativas. O que ocorre, no caso, é complementaridade.

O revés, então, surge de recentes estudos em neo-institucionalismo, que tentam estabelecer uma conversação entre padrões institucionais e agência estratégica (CRUBELLATE; GRAVE; MENDES, 2004).

A mediação é plenamente factível, especialmente quando se atenta para o pilar cognitivo (predominante no neo-institucionalismo) da teoria institucional. Machado-da-Silva

et al. (2000 apud PACHECO, 2001, p. 4) resumem com maestria a interligação:

os esquemas interpretativos podem, devido às pressões do ambiente externo, perder o apoio ambiental e, com isso, ter sua legitimidade questionada, fazendo-se necessária a emergência de novos esquemas interpretativos que respondam novas questões ambientais, provocando, então, a mudança organizacional

Tal entendimento faz parte de uma tendência macro em teoria das organizações, de conversação entre diferentes concepções, permitindo uma explicação mais real da dinâmica organizacional (REED, 1996 apud FONSECA; MACHADO-DA-SILVA, 2002).

A teoria institucional, aplicada ao estudo e prática em estratégia, representa um híbrido entre as escolas do poder, cognitiva e ambiental, dentro da taxonomia proposta por Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000). Seu poder de integração é, portanto, significativo (MINTZBERG; LAMPEL, 2002; MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000).

De acordo com Fonseca e Machado-da-Silva (2002, p. 92), a própria essência do fenômeno da estratégia impõe que, além do pressuposto racional-instrumental, avente-se “a influência na ação dos sistemas de significados objetivos e externos ao indivíduo”, algo que pode ser imputado à teoria neo-institucional.

Aludida teoria incorpora à estratégia elementos ambientais, culturais, cognitivos e sistêmicos, sendo as estratégias emergidas da ação de indivíduos e organizações socialmente imersas que, em parte, conservam seu caráter distintivo em relação ao contexto (CRUBELLATE; GRAVE; MENDES, 2004).

A estratégia, assim, passa a ser condicionada pela imbricada relação entre instituição, interpretação e ação de atores sociais (organizações), dados contexto e tempo definidos (MACHADO-DA-SILVA; VIZEU, 2007). O pensamento estratégico, como decorrência, surge da imersão social dos atores institucionais, que, por sua vez, é condicionada por padrões (coercitivos, miméticos, normativos, indutivos) predominantes naquele campo organizacional (CRUBELLATE, GRAVE; MENDES, 2004).

Dito de outra forma, o comportamento organizacional é canalizado por padrões criados e compartilhados nas diversas interações entre congêneres e incorporados na forma de normas e regras objetivas, legitimadas pela sociedade em geral como a maneira mais eficaz de agir (FONSECA; MACHADO-DA-SILVA, 2002).

Compreendida assim, como alertam Fonseca e Machado-da-Silva (2002), a ação resume-se, embora nem sempre, em aprovação. Na dinâmica organizacional, há confronto de alternativas de ação, mas estas tanto quanto os cursos de ação são definidos com base em critérios de referência avalizados por estruturas e sistemas sociais.

Como coloca Schommer (2003), a institucionalização não necessariamente corresponde a um contexto imutável, mas sim a algo que requer menor grau de mobilização e intervenção para se sustentar.

A noção de agência estratégica nos estudos neo-institucionais está presente em Oliver (1991 apud FONSECA, 2003), que vislumbra cinco possíveis respostas estratégicas aos processos institucionais, conforme quadro 8.

Estratégias Táticas Exemplos

Aquiescência Hábito Imitar Aceder

Seguir normas invisíveis, dadas como certas Imitar modelos institucionais

Obedecer às regras e aceitar as normas Compromisso Equilibrar

Pacificar Barganhar

Equilibrar as expectativas de públicos múltiplos Aplacar e acomodar elementos institucionais Negociar com grupos de interesse institucionais Esquivança Ocultar

Amortecer Escapar

Disfarçar a não-conformidade Afrouxar as ligações institucionais Mudar objetivos, atividades ou domínios

Desafio Rejeitar

Provocar Atacar

Desconsiderar normas e valores explícitos Contestar regras e exigências

Violar as fontes de pressão institucional Manipulação Cooptar

Influenciar Controlar

Importar pessoas influentes Moldar valores e critérios

Dominar públicos e processos institucionais

Quadro 8 – Respostas estratégicas aos processos institucionais

Fonte: Fonseca (2003, p. 60 conforme OLIVER, 1991, p. 152)

O compromisso é traduzido na possibilidade de resistência às exigências ambientais; a esquivança é refletida na tentativa cerimoniosa de elaboração de planos e procedimentos

destituídos da real intenção de efetivação; o desafio é uma espécie de compromisso fortalecido, uma resistência levada aos extremos; e a manipulação é a tentativa de cooptar, influenciar ou mesmo controlar as fontes de pressão institucional (FONSECA, 2003).

Percebe-se claramente que as estruturas ou referências institucionais não são elementos supressores da capacidade de agência. Segundo Crubellate, Pascucci e Grave (2008, p. 13), elas:

próprias incorporam as intenções que são, por sua vez, aspectos fundamentais da ação. A circularidade entre escolha estratégica e estruturas institucionais decorre do processo de interpretação que necessariamente se interpõe entre as pressões ambientais e as respostas estratégicas elaboradas no âmbito das organizações Ademais, a partir das contribuições de Oliver, é de se reconhecer que o isomorfismo (aquiescência) é apenas uma das alternativas colocadas à submissão da organização no contexto institucional, um dos pontos do continuum da agência estratégia dos atores institucionais. Por outro lado, sua recorrência e predominância nas pesquisas acadêmicas mantêm íntima relação com sua freqüência no contexto organizacional. Logo, a importância do estudo deste fenômeno institucional resta caracterizada.

Para Machado-da-Silva e Cochia (2004), com base no pilar cognitivo da teoria institucional, não obstante a especificidade dos esquemas interpretativos para cada organização, o campo organizacional manifesta um sistema de interpretação compartilhado, do que decorre o isomorfismo estratégico.

Tal isomorfismo, uma explicação sociológica do comportamento estratégico organizacional (VASCONCELOS, 2004), é refletido no fato de que elaboração e escolha estratégica seguem padrões institucionalizados no ambiente de natureza coercitiva, mimética, normativa e indutiva (CRUBELLATE; GRAVE; MENDES, 2004). O agente organizacional decide racionalmente; contudo, trata-se de uma racionalidade limitadas pelos padrões mencionados.

Do ponto de vista da concorrência por recursos, sejam técnicos ou institucionais, a organização fundamenta suas estratégias a partir do gerenciamento da imagem institucional, buscando legitimidade. A procura resulta em homogeneidade do conhecimento e interpretação da realidade. Disto, por sua vez, resulta não apenas conformidade na formulação de estratégia, mas também nas formas estruturais e características processuais (MACHADO-DA-SILVA; BARBOSA, 2002).

O isomorfismo estratégico concretiza-se em uma homogeneidade de escolhas estratégicas, da qual resulta padrões estratégicos semelhantes em organizações atuantes no mesmo campo organizacional (GIMENEZ; JUNIOR; GRAVE, 2007).

Tem-se, portanto, de forma bastante evidente, que a sua compreensão traz contribuições relevantes ao campo da estratégia.

Como se não bastasse ser a organização pública o alvo primeiro dos neo- institucionalistas, verifica-se de forma amiúde na administração pública um processo isomórfico que se materializa por padrões coercitivos, miméticos e normativos, fomentados por elementos de conformidade, como o planejamento estratégico.