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Perspectiva Histórica do Terceiro Sector em Portugal

Terceiro Sector

2. O Terceiro Sector em Portugal

2.2. Perspectiva Histórica do Terceiro Sector em Portugal

Segundo o relatório da Universidade John Hopkins (2005), as características do sector da sociedade civil em Portugal estão relacionados com quatro aspectos marcantes da História do país:

“Incluídos estarão primeiro a Igreja Católica; segundo, a longa tradição de mutualidade e auto-ajuda do país; terceiro, a sua igualmente longa história de controlo político; e quarto, o desenvolvimento nas décadas recentes de elementos- chave de um Estado de bem-estar moderno e uma relegação crescente do Estado nas organizações não lucrativas. Em conjunto, estes impulsos criaram uma tensão histórica entre o Estado e a acção voluntária, estimulando a emergência de instituições não lucrativas mas limitando a sua independência e confinando-as a um campo de actuação relativamente limitado até recentemente.” (Franco, Sokolowski, Hairel, & Salamon, 2005, p.22).

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É provável que uma análise em pormenor destes conceitos, o que nos foi impossível neste trabalho, demonstre que nem todos estes termos apresentados são sinónimos.

18 A Igreja Católica Romana é uma das grandes influências no Terceiro Sector português, tanto pela transmissão da ideia máxima de que as pessoas devem actuar de forma a merecerem a misericórdia de Deus, através das denominadas Obras de Misericórdia, como pela implementação de diversas instituições regidas por estes princípios. Ensinar, perdoar, ajudar, apoiar, dar de comer e vestir, eram, por isso, as grandes palavras de ordem. Neste seguimento, várias instituições foram fundadas em Portugal, sob a tutela de Ordens Religiosas, desde Hospedarias, Mercearias, Casas para pobres, Gafarias e Hospitais de meninos.

No século XV, o século dos Descobrimentos, surgem as Misericórdias, como resposta ao aumento da pobreza no país, sobretudo entre mulheres e crianças, cujos maridos e pais partiam para o mar. Também na área da saúde a Igreja exerceu a sua influência, com a criação de escolas Capitulares e “escolas conventuais dos Beneditinos, dos Cistercienses, e desde o século XIII, das Ordens Mendicantes”. (Franco, Sokolowski, Hairel, & Salamon, 2005, p.23).

Em segundo lugar, o mutualismo, cooperação e solidariedade para com os mais necessitados, são também uma constante na história portuguesa. Desde os séculos XII e XIII que existem cooperações de mesteres e confrarias, destinados a proteger os membros de uma profissão e confrades, respectivamente. Surgiram, também, diversas organizações de ajuda mútua para vítimas de desastres marítimos e para os mais pobres, e celeiros comuns nas zonas rurais.

Mas é no século XIX que a mutualidade assume novas proporções, sobretudo devido à falta de apoios por parte do Estado. Surgiram Associações de Trabalhadores, Associações de Socorro Mútuo, nas áreas da saúde, educação e cultura, Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários, Mútuas Agrícolas, Sindicatos Agrícolas, entre outros. No entanto, devido à falta de recursos e apoio estatal, a maioria destas instituições estava condenada ao fracasso.

Mais sucesso tiveram “as organizações mutualistas que emergiram da classe média, nomeadamente pela iniciativa de funcionários do Estado, profissionais liberais, e comerciantes”, como os Montepios e as Caixas Económicas. (Franco, Sokolowski, Hairel, & Salamon, 2005, p.24) Ao mesmo tempo, emergiram as duas grandes primeiras

19 associações empresariais fortes: a Associação Comercial de Lisboa e a Associação Comercial do Porto.

Por sua vez, o forte domínio governamental português é outra grande influência nas organizações do Terceiro Sector, sempre com uma forte ligação à Igreja. Até 1910, Portugal viveu em Monarquia e duas décadas depois instalava-se o regime autoritário de Salazar. Ao longo de todo o século XIX, o movimento mutualista foi visto como uma ameaça à aliança Estado-Igreja, “dando poder aos pobres e a uma classe média de profissionais, fora dos domínios da Igreja e do Estado” (Franco, Sokolowski, Hairel, & Salamon, 2005, p.24). A Igreja procurou, então, unir capitalistas e trabalhadores, criando os Círculos Católicos Operários em 1879, que depressa perderam importância.

Com o Estado Novo, marcado por um “nacionalismo sólido, prudente e conciliador”, surgiram as Casas do Povo, Casas dos Pescadores e Grémios. (Franco, Sokolowski, Hairel, & Salamon, 2005, p.25) Trabalhadores, agricultores, operários e homens de negócios estavam obrigados a associarem-se à sua respectiva organização e a ser por ela representados, sempre sujeitos a um forte controlo por parte das autoridades governamentais. Formaram-se diversas cooperativas, no entanto, sempre fortemente controladas e limitadas. Proibiu-se a criação de Federações e, de uma forma geral, a livre associação era proibida, pois era encarada como uma ameaça à nação.

“Em consequência, o Estado Novo resultou num declínio das organizações não lucrativas em geral, e do movimento mutualista em particular, especialmente depois de 1930, quando a resistência dos mutualistas à nova ordem política passou a ser combatida com perseguição política e policial. Os líderes e promotores do mutualismo eram presos como “activistas comunistas”. Associado à extensão da segurança social promovida pelo Governo, que foi retirando aos mutualistas uma das suas principais funções, as auditorias públicas realizadas às associações mutualistas, e a promoção das instituições corporativistas da “nova ordem” resultaram no enorme enfraquecimento do movimento mutualista.” (Franco, Sokolowski, Hairel, & Salamon, 2005, p.26).

Por último, surge-nos a influência da democratização, quando, no final dos anos 60 do século XIX se vive um novo impulso político que revitalizou e fortaleceu as organizações da sociedade civil. Depois do fim do Estado Novo, em 1974 e da adopção da Constituição da República, assiste-se ao “restabelecimento da liberdade de expressão e de associação”, o que desencadeou “uma explosão de movimentos associativos

20 preocupados com todos os aspectos da vida social” (Franco, Sokolowski, Hairel, & Salamon, 2005, p.26).

“Ao mesmo tempo, o novo regime pós-Salazar não foi totalmente apoiante da sociedade civil, e a entrada de Portugal na União Europeia em 1986 teve implicações ambíguas para a sociedade civil portuguesa. (…) Lentamente, contudo, o Estado português foi reconhecendo a importância de forjar uma parceria com o sector da sociedade civil. Assim, em 1981, foi criada uma lei que autorizou a devolução às Misericórdias dos hospitais que lhes tinham sido retirados, numa base caso a caso. O Estado promoveu também o fortalecimento das Associações Particulares de Assistência, hoje conhecidas como Instituições Particulares de Solidariedade Social, IPSS. Em 1979, o estatuto das IPSS foi aprovado, e foi dirigido para todas as instituições que forneciam serviços de segurança social. Em 1983, com a revisão deste estatuto, a acção das IPSS foi alargada para incluir saúde, educação, formação profissional, e habitação (Franco, Sokolowski, Hairel, & Salamon, 2005, pp.26,27).