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Eun e Lim (2009) chamam a atenção para as diferenças existentes entre os estudantes de hoje em relação aos de gerações anteriores em termos de perspectiva cultural, linguagem, circunstâncias familiares, valores e outros aspectos. Eles lembram que tais mudanças são trazidas pelos alunos para dentro de sala de aula, demandando dos professores o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades que os possibilitem lidar com esses novos desafios (Ibid.). No âmbito do ensino de línguas, esse cenário abre espaço para uma abordagem teórica que enfatiza o contexto, isto é, a perspectiva sociocultural, que leva em conta a integração entre os elementos individuais (psicológicos) e os elementos sociais no processo de aprendizagem. Por essa concepção de ensino, o indivíduo não pode ser considerado fora de seu contexto histórico e cultural, pois ele é tanto um agente quanto um produto deste meio.

A perspectiva sociocultural tem origem nas teorizações de Lev Vygotsky (1978) e, diferentemente das teorias behavioristas, postula que as funções mentais superiores, isto é, a atenção voluntária, a memória intencional, o planejamento, o pensamento lógico, a solução de problemas, a aprendizagem e a avaliação da eficácia desses processos, se formam a partir da interação social, da cultura e da história (GOMES, 2016). O fator biológico não é, portanto, o único determinante para o desenvolvimento cognitivo de um indivíduo, pois as práticas sociais também atuam de forma contundente nesse sentido.

Além da interação, um outro conceito importante da teoria de Vygotsky é o conceito de mediação, segundo a qual o homem adquire essas funções mentais superiores pela mediação de diferentes artefatos, sendo o principal deles a linguagem (VYGOTSKY, 1996). Por essa perspectiva, a língua, um desses instrumentos de mediação, é considerada tanto em seus aspectos linguísticos quanto discursivos e pragmáticos. Ela, a língua, não detém um sentido em si mesma, mas em seu uso social no qual medeia as relações do homem com o mundo e, principalmente, com o outro (FERREIRA, 2010). Salomão (2013) dá exemplos de instrumentos de mediação ao tratar sobre a perspectiva sociocultural:

De acordo com a perspectiva sociocultural, a cognição humana é formada por meio do engajamento em atividades sociais, e são as relações sociais e os materiais, signos e símbolos culturalmente construídos, denominados artefatos semióticos, que medeiam as relações que criam formas de pensamento humano superiores. (p. 60)

Podemos perceber, pela citação acima, que o processo de desenvolvimento, de acordo com a perspectiva de Vygotsky, sempre se inicia pela interação entre as pessoas, que

acontece, principalmente, por meio da linguagem. Neste processo, a língua e o comportamento são internalizados resultando no desenvolvimento das capacidades mentais do indivíduo.

Outro conceito central na teoria de Vygotsky é o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), isto é, “a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela resolução de problemas de forma independente, e o nível potencial de desenvolvimento, determinado pela solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com pares mais competentes” (VYGOTSKY, 1978, p. 86). Este conceito, novamente, enfatiza a relevância das interações sociais através das quais os aprendizes são movidos para um nível superior de desenvolvimento ao interagir com pares um pouco mais desenvolvidos. Dessa forma, de acordo com a visão de Vygotsky, o conhecimento é primeiramente construído externamente, à medida que é negociado com o outro e só depois é internalizado pelo aprendiz a partir do momento em que ele se apropria desse entendimento.

As implicações da perspectiva sociocultural para o ensino-aprendizagem de LE incluem organizar o ambiente de sala de aula de modo a facilitar as interações sociais entre os participantes para que o aprendizado aconteça de forma efetiva. Isso implica, entre outras coisas, na diminuição do tempo de fala do professor e na realização de mais tarefas em grupos nas quais os alunos interajam por meio da língua com o intuito de completá-las. Outra aplicação dessa teoria envolve considerar o contexto sociocultural ao qual os alunos pertencem, trazendo para a sala de aula elementos da vivência deles fora do ambiente escolar (FERREIRA, 2010). As interações nas redes sociais por meio de gêneros digitais multimodais, por exemplo, são frequentemente elementos familiares aos alunos que podem ser trazidos para a sala de aula. Esses mesmos gêneros digitais serviriam de instrumentos de mediação por meio do qual os alunos iriam interagir e, por conseguinte, estimular o desenvolvimento de suas capacidades cognitivas.

Com relação à contribuição da ZDP para a sala de aula, o próprio Vygotsky (1998:117) afirma que o “bom aprendizado” é aquele que se adianta ao desenvolvimento. Por esse ponto de vista, o aluno deve ser estimulado a alcançar o conhecimento potencial, ou seja, aquele que ele não domina ainda, com a ajuda de um par que esteja um pouco mais avançado. Novamente, as atividades em grupos que incluam diferentes níveis de conhecimentos e as interações sociais devem ser estimuladas.

Levando-se em consideração o ensino de LE no contexto da escola regular, as contribuições da teoria sociocultural são ainda mais evidentes, tendo em vista o fato de que, nesse contexto, as salas de aulas têm um número grande de alunos que, por sua vez, possuem

uma diversidade de conhecimentos e experiências que não podem ser ignorados, mas sim aproveitados para que haja um melhor envolvimento e interação entre seus participantes. Além disso, o ensino deve ser contextualizado e mediado pelos recursos semióticos que incluem o material impresso, a comunicação professor-aluno e aluno-aluno, o espaço de sala de aula, os gêneros digitais, dentre outros. Em resumo, o ensino sob essa perspectiva deve promover atividades interativas que levem em consideração o contexto sociocultural ao qual os alunos pertencem a fim de potencializar o aprendizado.

Esta teoria se insere em nossa proposta na medida em que propomos atividades interativas envolvendo o uso da LM e da LE em exercícios tradutórios a partir do meme da internet, gênero usado com frequência pelos alunos nas interações virtuais. Nesse contexto, a LM, a LE e os memes da internet são os instrumentos de mediação por meio dos quais os alunos interagem a fim de desenvolver o aprendizado em LE, especialmente no que tange ao conhecimento lexical.

Assim, encerramos este capítulo, no qual reunimos todo o arcabouço teórico que serve de base para nossa pesquisa. Abordamos as principais questões que dizem respeito ao uso da tradução no ensino de LE, área na qual essa pesquisa se situa e definimos a tradução pedagógica enquanto recurso para o ensino de LE e sua implementação em sala de aula através da tradução explicativa e das atividades de tradução. Além disso, abordamos aspectos relevantes sobre a aquisição de vocabulário. Discutimos, ainda, o uso da imagem no ensino de LE, abordando os conceitos de multimodalidade, multiletramentos, letramento visual e o gênero meme. Por fim, reunimos alguns estudos que abordam a sequência didática e a perspectiva sociocultural no ensino de LE. Todos esses pontos estão implicados no objetivo de nosso estudo que consiste em propor e aplicar uma SD envolvendo atividades de tradução a partir do gênero meme que contribua para a aquisição de vocabulário pelos alunos do ensino médio.