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Antonio Candido, em seus dois volumes de Formação da Literatura Brasileira14, traça um panorama das principais influências, autores e obras que marcaram as primeiras manifestações literárias no Brasil, desde o Barroco e o Arcadismo até o pré-romantismo para, por fim, abordar a consolidação da literatura brasileira a partir do Romantismo. Com relação ao primeiro volume, destaquei três considerações feitas por Candido ⎯ que não necessariamente foram dispostas na mesma ordem que aparecem no texto ⎯, para nortear as discussões que serão desenvolvidas em parte desta tese: a primeira, é que o autor elege para se reportar à literatura brasileira o século XVIII, mais precisamente o ano de 1750. A segunda, é que, logo no início do texto, ele faz uma referência à tradição, definindo-a como a transmissão de algo entre “os homens” que formam padrões que se impõem ao comportamento ou ao pensamento e aos quais devemos nos referir para aceitar ou rejeitar. Assim, no contexto da sua argumentação, a formação da continuidade literária depende de uma espécie de pacto simbólico sem o qual a literatura não se consolida e, nesse ponto da tradição, entram os valores que são perpetuados nessa tradição literária para que as obras sejam representativas de um sistema, e não simplesmente manifestações literárias. A terceira, por sua vez, diz respeito à assertiva a seguir: para o autor, no que se refere à história literária, convém sempre “indagar qual o tipo, ou tipos ideias de homem invocado, explícita ou implicitamente, nas obras dos escritores porque ele nos dá quase sempre a chave para compreender a literatura ao momento ideológico e histórico” (CANDIDO, 2000, p. 56) — esta última, conforme argumentarei a seguir, será desenvolvida, ao longo deste capítulo, para pensar o tipo ou os tipos de família invocados, explícita ou implicitamente, nas obras de alguns escritoras e algumas escritoras brasileiros.

14No primeiro volume, Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos, Antonio Candido apresenta sua tese sobre sistema literário e faz uma minuciosa análise dos textos produzidos no país desde o século XVII. O autor, ao estabelecer diferenciações sobre manifestações literária e literatura, concebe a literatura brasileira como um “sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes de uma fase” (CANDIDO, 2000, p. 23), os quais, são, para ele, a tríade obra, autor e público.

Nesse sentido, essas três passagens destacadas serão relevantes porque, no que diz respeito à primeira, para Candido, a formação da literatura brasileira como sistema, entre os séculos 1750 e 1880, se dá, em correlação íntima com a elaboração de uma consciência nacional, contemplando quatro grandes temas, sendo um deles “a incorporação aos padrões europeus” (CANDIDO, 2000, p. 66-67), os quais, como nação colonizada, tentamos, em certa medida, assimilar tanto no nível estético quanto no nível social. A literatura se consolida como sistema no Brasil entre os séculos XVIII e XIX, isto é, nos mesmos períodos em que começa a surgir e, posteriormente, a se consolidar uma nova classe social para conformar as novas necessidades das famílias de elite: a classe burguesa. Portanto, adotar como marco temporal os séculos XVIII e XIX possibilitará tanto discutir, como iniciado anteriormente, os valores e as influências da classe emergente no contexto da sociedade brasileira quanto refletir sobre o modo como essa mesma classe social aparece representada na literatura nacional. A segunda, porque a questão da tradição, conforme a acepção do autor, será pensada nesta tese como um conceito que extrapola o âmbito literário e pode muito bem abranger o social, a exemplo do padrão de família ocidental. Na esteira da concepção do crítico, é possível pensar que as representações de modelos de família na literatura também dependem de uma espécie de pacto simbólico social sem o qual determinados modelos, assim como a literatura, não se edificariam no imaginário social, já que a ideia de um modelo de família ideal, como a família nuclear, é resultado de uma série de dispositivos jurídicos e discursivos que trabalham para que haja a assimilação e compreensão de determinado modelo de família como legítimo pelo corpo social. Por fim, quanto à terceira, ainda nessa perspectiva da tradição, considero importante entender e discutir valores que vêm ancorando a representação dos modelos de família que tem figurado na nossa literatura ao longo dos séculos.

No contexto dessas proposições, diante da impossibilidade responder, em uma tese, a indagação dos tipos de famílias invocados nos romances brasileiros, a minha intenção é de apenas traçar, com base em uma ligação entre esses três pontos e a partir de estudos de pesquisadoras e pesquisadores sobre a literatura brasileira, um breve panorama do contexto histórico e de romances, de autoria masculina e feminina, publicados ao longo do tempo, para tentar identificar, ao menos, como as família são invocadas nessas narrativas e se há uma coerência nos modos de representação de família nas obras. Assim, com relação ao século XIX, trabalhado neste primeiro capítulo, parto do marco temporal

de Candido e discuto algumas obras de autoras/es canônicas/os e contra-canônicas/os, para discutir os modos de representação de família na literatura do período. No que se refere ao século XX, trabalho, no segundo capítulo, centralizando escritoras da literatura de autoria feminina tanto canônicas quanto as não canônicas bem como por aquelas que estão sendo centralizadas no campo literário brasileiro. Por fim, no século XXI, cujo foco são as conjugalidades não hegemônicas, comento sobre a impossibilidade de trabalhar somente com a representação desse tipo de conjugalidade, com base em dados da pesquisa coordenada por Regina Dalcastagnè, “A personagem do romance brasileiro contemporâneo: 2005-2014” — na qual, a partir da análise de 258 romances publicados pelas editoras centrais à época, foram identificados 59 romances nos quais apareciam personagens homossexuais —, e discuto a representação, na literatura, de arranjos familiares que subvertem, nos termos de Judith Butler, na estrutura compreendida como a matriz de inteligibilidade de gênero. Para esta filósofa, “as ‘pessoas’ só se tornam inteligíveis ao adquirir seu gênero em conformidade com padrões reconhecíveis de inteligibilidade de gênero” (BUTLER, 2003, p. 37) e, nessa perspectiva, as nossas práticas são reguladas por um sistema que instituiu a necessidade de haver coerência entre sexo, gênero e prática/desejo sexual, obrigatoriamente heterossexuais. Portanto, quando subvertemos a referida lógica e vivenciamos a sexualidade fora do sistema de heterossexualidade compulsória, rompemos com essa matriz de inteligibilidade de gênero.

No que diz respeito ao século XIX, é importante ressaltar que, com referência às relações entre tradição e modelos de famílias, que o próprio ideal de família burguesa europeu é, conforme salientado anteriormente, uma criação com pouco tempo de existência histórica. De acordo com Pedro Paulo de Oliveira (2004), apenas no século XVII começa a se formar o modelo de família ocidental em detrimento do modelo de família medieval. A formação e o fortalecimento do Estado moderno permitiram que, gradativamente, o sentimento da linhagem medieval fosse substituído pelo ideal burguês de família, que, por sua vez, estava sendo estabelecido em ideais culturalmente elaborados, que enfatizavam a diferenciação entre os sexos, a supervalorização dos laços entre mães e filhos e a ideia do pai como único provedor da família. Nesse contexto de surgimento do modelo de família burguesa, embora não se aplicassem a todos os segmentos sociais, “o novo ideal de família se impôs e operou mudanças significativas nos modos de sociabilidade medievais. Sexo, amor e família iriam agora andar juntos e

com isso ganharia destaque e supremacia na sociedade moderna o papel do patriarca” (OLIVEIRA, 2004, p. 51). No que se refere ao campo literário, incorporando as novas mudanças e indo ao encontro dos emergentes valores burgueses, entra em cena a literatura brasileira canônica, e também a não canônica, produzida no período. Por isso, com relação à terceira consideração, embora Antonio Candido tenha determinado o século XVIII para se referir à literatura brasileira como sistema, não mencionarei a produção literária anterior ao século XIX, já que me interessa, nesta discussão, realizar um breve panorama dos principais romances, de autoria masculina e feminina, publicados especialmente no século XIX no Brasil, para refletir, como mencionado anteriormente, sobre os modos de representação de família nessas primeiras obras, a partir da observação dos núcleos familiares das personagens principais.

Candido, ao traçar a historiografia literária, aponta O filho do pescador, de 1843, escrita por Teixeira e Sousa, e A moreninha, de 1844, escrita por Joaquim Manoel de Macedo, como as primeiras publicações cujas características marcariam o início das narrativas em prosa do Romantismo brasileiro. Como é impossível abarcar toda a produção literária neste trabalho, fui selecionando, no caso das obras de autoria masculina, àquelas que estão mais centralizadas no campo literário, como é o caso do romance A moreninha. Essa primeira narrativa de Macedo é ambientada em um período em que, de acordo com Sérgio Buarque de Holanda, se observava no Brasil um esforço desproporcional que as pessoas faziam para se adaptar a um modelo de burguesia urbana em uma sociedade na qual continuava predominado os valores do velho sistema senhorial. Como, de acordo com Buarque (1995, p. 73), “toda a estrutura da nossa sociedade colonial teve suas bases fora dos meios urbanos”, ainda no período da publicação desse romance a cidade figurava como apêndice do campo, o que perdurou até a abolição em 1888 que, para este sociólogo, foi o acontecimento que marcou a divisão entre duas épocas. Portanto, podemos presumir que as representações de família nesse romance, cujas personagens principais pertencem à elite agrária, estejam muito próximas do modelo de família que imperou no Brasil colônia, que era o clã e/ou a família patriarcal. Nesse sentido, volto a Gilberto Freyre (2003) que, em seu trabalho, informa ao leitor de que aqueles que se interessarem pela vida íntima e da moral sexual no Brasil dos tempos de escravização poderá recorrer à literatura como uma importante fonte de informação.

Machado de Assis em Helena, Memórias póstumas de Brás Cubas, Iaiá

Garcia, Dom Casmurro e em outros de seus romances e dos seus livros

de contos, principalmente em Casa Velha, publicado recentemente com introdução escrita pela Sra. Lúcia Miguel Pereira; Joaquim Manuel de

Macedo n'As vítimas algozes, A moreninha, O moço louro, As mulheres

de mantilha, romances cheios de sinhazinhas, de iaiás, de mucamas;

José de Alencar em Mãe, Lucíola, Senhora, Demônio familiar, Tronco

do ipê, Sonhos de ouro, Pata da gazela; Francisco Pinheiro Guimarães

na História de uma moça rica e Punição, Manuel Antônio de Almeida nas Memórias de um sargento de milícias; Raul Pompéia n'0 ateneu; Júlio Ribeiro n/A carne; Franklin Távora, Agrário de Meneses, Martins Pena, Américo Werneck, França Júnior são romancistas, folhetinistas ou escritores de teatro que fixaram com maior ou menor realismo aspectos característicos da vida doméstica e sexual do brasileiro; das relações entre senhores e escravos; do trabalho nos engenhos; das festas e procissões. (FREYRE, 2003, p. 49-50)

Nesse sentido, em A moreninha, uma prosa caracteristicamente romântica, o valor que dá a tônica da narrativa são as venturas e desventuras de dois jovens durante o percurso de descoberta do amor verdadeiro, nos moldes do ideal romântico. O amor de Augusto e Carolina, idealizado ainda na tenra infância, será o tema central dessa narrativa que se desenvolve em uma Rio de Janeiro que está começando a absorver os modos de sociabilidade burguesa, sobretudo no que se refere aos valores de família preconizados para caracterizar a nova classe emergente. Esse momento vem acompanhado na mudança de novos valores que deverão se inculcados no imaginário social: a definição de novos papéis femininos e masculinos, o cultivo da domesticidade, da privacidade doméstica e da ideia de livre escolha no casamento por amor que, conforme já salientado, eram os principais elementos que norteavam o novo ideal de família burguesa.

Dos valores preconizados no texto, destaca-se a idealização das relações amorosas e das perspectivas de casamento, regulados, por sua vez, pelos critérios que, conforme argumenta Cláudia Maia, em o seu livro A invenção da solteirona, deveriam orientar a escolha dos futuros maridos e das futuras esposas, como a idade, a eugenia e a posição social dos pretendentes, ou seja, a escolha deveria ser realizada conforme critérios previamente definidos. Nesse sentido, sobre as famílias dos nubentes, depreende-se apenas que ambas são abastadas, dadas as descrições dos ambientes, dos modos e dos costumes das personagens, e que não residem na Corte. Da parte de Carolina, temos uma matriarca, a avó D. Ana, que, na ilha, responde pelo futuro da neta; da parte de Augusto, um patriarca, que, transitando entre a fazenda e a Corte, deposita todas as suas esperanças no filho. A narrativa finda com os principais representantes das duas famílias dando as bênçãos para o casamento do casal apaixonado. Esse romance será o primeiro de um período cujas narrativas se ocuparão, principalmente, de disseminar a ideia e o desejo de casar como uma vocação inata de todos, especialmente das mulheres.

Interessante que é possível notar, ainda que sutilmente, a reverberação, nessa obra, das ideias da primeira onda do feminismo sobre determinados valores e costumes. Conforme já salientado por pesquisadoras da crítica literária feminista, como Norma Telles, há a referência, em um dos capítulos desse romance, à escritora inglesa Mary Wollstonecraft, que, em 1792, escreveu “As reivindicações do direito da mulher”, um dos grandes clássicos da literatura feminista. Na passagem em que é feita a menção à escritora, Leopoldo confessa a Augusto seu interesse por Carolina e a inclinação da personagem a questões como a defesa dos direitos das mulheres.

Então, como a achas agora?... disse Leopoldo, apontando para a irmã de Filipe.

[...]

Tu ainda não lhe disseste nada? - Cousas vãs... e palavras da tarifa. [...]

- Pois é opinião geral que ela te prefere a todos nós. - Tanto melhor para mim.

- E pior para ela, mas... adeus! o meu lindo par se levanta do banco de relva em que descansava; vou tomar-lhe o braço; tenho-me singularmente divertido: a bela senhora é filósofa!... faze idéia! Já leu Mary de Wollstonecraft e, como esta defende os direitos das mulheres, agastou-se comigo, porque lhe pedi uma comenda para quando fosse Ministra de Estado, e a patente de cirurgião do exército, no caso de chegar a ser general; mas, enfim, fez as pazes, pois lhe prometi que, apenas me formasse, trabalharia para encartar-me na Assembléia Provincial e lá, em lugar das maçadas de pontes, estradas e canais, promoveria a discussão de uma mensagem ao governo-geral, em prol dos tais direitos das mulheres [...] (MACEDO, 1972, p. 60)

De acordo com Lúcia Zolin (2009b, p. 221), em seu artigo “Crítica Feminista”, embora o feminismo como movimento organizado só tenha entrado no cenário das políticas públicas nos Estados Unidos e na Inglaterra na segunda metade do século XIX, antes desse período as mulheres já haviam começado a questionar a posição de inferioridade a que eram destinadas na sociedade. Além de Mary Wollstonecraft, destacaram-se ainda na Europa, nomes como o de Mary Astell, que, em 1730, escreveu o documento “Algumas reflexões sobre o casamento”; e Marie Olympe Gouges, que, em 1791, apresentou à Assembleia Nacional francesa um texto intitulado “Declaração dos direitos da mulher e da cidadã”. Essas escritoras que, incialmente, escreveram motivadas pelas manifestações voltadas para estender o direito de voto às mulheres, ficou conhecido como “primeira onda” do feminismo. Também se destacaram escritoras como a inglesa Amandine Aurore Lucile Dupin, autora, entre outros textos, de Valentine, de 1831, que utilizava o pseudônimo George Sand, e Mary Ann Evans, que, entre outros escritos,

publicou The mill on the floss, em 1860, e de Middlemarch, em 1871 e 1872, utilizando o pseudônimo de George Eliot. No Brasil, entre os nomes de mulheres que se destacaram nesse período incluem-se Nísia Floresta Brasileira Augusta, que traduziu livremente a obra de Mary Wollstonecraft e, em 1832, publicou a sua versão com o título “Direitos das mulheres e injustiça dos homens”, e Ana Eurídice Eufrosina de Barandas, que, em 1836, escreveu Ramalhetes ou flores escolhidas no jardim da imaginação, obra que apresenta ideias muito próximas daquelas defendidas por Nísia Floresta.

Voltando aos romances, a historiografia literária canônica aponta que, na esteira do romance A moreninha veio Memórias de um Sargento de Milícias (1853), de Manuel Antônio de Almeida, que, diferentemente do seu antecessor, rompe com a lógica romântica na medida em que o personagem principal, Leonardo, está mais próximo de um anti-herói do que de um herói romântico, assim como sua família pobre, que não coaduna com os valores, sobretudo os morais, preconizados pelo ideal de família burguesa, como o da mulher e o seu papel de esposa e mãe devotada e casta ou, ainda, a vivência da sexualidade restrita ao casamento socialmente legitimado. No caso de Leonardo, nenhum desses ideais se aplicou ao seu núcleo familiar: sua mãe, por exemplo, não se preocupou em seguir a máxima que preconizava a interdependência entre sexualidade e casamento ⎯ a qual estava sendo cada vez mais reforçada pelos discursos religioso e jurídico, já que para os ideais de moralidade burgueses “o sexo é o coração do casamento e o casamento a base fundamental da família” (OLIVEIRA, 2004, p. 52) ⎯, já que, além de não serem formalmente casados, quando o garoto tinha sete anos, ela não hesitou em abandonar o companheiro e filho para fugir do país com um dos seus amantes. Nessa narrativa, um possível modelo de família burguês perde espaço para representação de arranjos familiares múltiplos. Ao longo da narrativa, Leonardo integra diferentes tipos de arranjos familiares: primeiro, ele vive, com os pais que apenas foram morar juntos após a gravidez, até os sete anos (família nuclear constituída ilicitamente por meio do concunbinato); depois da separação dos pais, da fuga da mãe e de ser enjeitado pelo pai, ele passa a passa a viver como filho adotivo do padrinho barbeiro (família socioafetiva15); após a morte do barbeiro, muda-se para a casa do pai, onde este habita com Chiquinha,

15 No texto “Filiação socioafetiva”, constante do sítio do Ministério Público do Paraná, família socioafetiva diz respeito ao “[...] reconhecimento jurídico da maternidade e/ou paternidade com base no afeto, sem que haja vínculo de sangue entre as pessoas, ou seja, quando um homem e/ou uma mulher cria um filho como seu, mesmo não sendo o pai ou mãe biológica da criança ou adolescente.”

com quem ele “vivia em santa e honesta paz” e de cuja relação havia nascido uma filha, e com a sogra dona Maria (família extensa16); após algum tempo, desentende-se com Chiquinha e muda-se para a casa da nova namorada, cujo núcleo familiar, em que não há menção a maridos, é chefiado pela mãe da garota, uma mulher que tem mais duas filhas, e por uma tia, que tem três filhos (família monoparental/família matrifocal17); e, no final da narrativa, o ciclo se fecha com o casamento de Leonardo e Luizinha, união que, dada as condições sociais das personagens que terminam a narrativas ricas, sinaliza que, talvez, esta última família se conformará, ao menos no ideal, de acordo com o modelo de família nuclear burguesa.

Entre os autores canônicos, um outro escritor de grande destaque do período foi José de Alencar. De seus vinte e um romances publicados, para Candido, merecem releitura, em uma primeira linha, Lucíola (1862), Iracema (1865) e Senhora (1875), e, em uma segunda linha, O guarani (1857). Devido à vastidão da obra do escritor, optei por comentar, em uma ordem cronológica e focando no núcleo familiar das personagens principais, primeiramente este último, cuja trama central desenvolve-se em torno da relação de Peri, um índio brasileiro, e a filha de um fidalgo português, a jovem Cecília; e, em um segundo momento, Senhora, já que este, ao lado de A pata da gazela, de 1870, e Sonhos d’ouro, de 1872, são, para Candido, “romances da burguesia carioca” (b, 201).

Ambientado no início do século XVII, em O guarani está centralizado um modelo de família cujos valores estão muito próximos daquele que Caio Prado Júnior chama de “clã patriarcal”: o pai D. Antônio de Mariz, que é o patriarca, habita, junto com a família,