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Perspectivas Históricas da Legislação da Criança e do Adolescente

A história do atendimento à criança e ao adolescente no Brasil é marcada historicamente por ausências de direitos. Somente no ano de 1990, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é possível perceber que começam a ser criados vários programas de assistências e políticas públicas relativas à Infância e Juventude no Brasil. Segundo Rizzini (2004) antes da aprovação do ECA, havia uma intrigada rede de assistência mantida por setores públicos e privados da sociedade que acompanhava a situação da infância e da adolescência, onde seu principal objetivo era encaminhar crianças ao sistema de reclusão.

O que se evidencia, segundo Arantes (2009), é que no Brasil as políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes, somente passaram a ter o seu lugar a partir da República. Contudo, apesar dos avanços neste período, a prática da prisão de crianças e adolescentes por parte do poder público, ainda era uma realidade e visava controlar as novas gerações pertencentes às classes sociais menos favorecidas.

A legislação relacionada à criança e ao adolescente no Brasil era permeada de injustiças, violências e falta de reconhecimento de direitos. Desta forma, salienta-se que em 1871 foi promulgada a Lei do “Ventre Livre”, que determinava, em seu Art. 1º, que os filhos da mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, seriam considerados livres. Esta lei garantia aos negros, nascidos após aquela data, o direito a liberdade, fato esse, que encaminhou milhares de crianças às ruas, porque não interessava mais ao senhor de escravos manterem em suas propriedades indivíduos livres que não fizessem parte de seus bens. Esta situação paradoxal contribuiu para o aumento de abandono de crianças no Brasil. A partir de então ocorreu a proliferação de asilos, orfanatos e internatos particulares no intuito de não deixarem crianças e adolescentes expostas a miséria e à falta de condições humanas, numa tentativa de evitar, ou mesmo amenizar, as situações de exclusão social (RIZZINI, 1995; RIZZINI, 2008; BRASIL[c] e ALMEIDA, 2002).

A sociedade brasileira, mobilizada com a situação de exclusão social de crianças e adolescentes diligenciou-se para a realização de movimentos sociais, a partir do qual passou a requerer a criação de instituições governamentais de assistência a este público de crianças que, até então, recebiam assistências somente de instituições religiosas, cujas as atividades tinham um cunho caritativo. Desta forma, o Governo passou a traçar

políticas mais específicas para a criança e o adolescente em situação de exclusão social, como a Lei do Orçamento da República para o ano de 1921, a qual autorizava o Poder Executivo, a organizar “a assistência e a proteção à infância abandonada e delinquênte”, segundo determinadas normas que se constituíam num verdadeiro Código de Menores. Além disso, propunha a organização do serviço de assistência e proteção à infância “abandonada e delinquênte”, da imputabilidade ter sido fixada em 18 anos, o que foi mantido nas legislações posteriores até a implementação do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA em 1990 (BRASIL [c] e ALMEIDA, 2002; PIMENTEL, 2010).

Pelos constantes entraves pelo qual passava o Brasil em relação à exclusão social de crianças e adolescentes, em 1902, Mello Mattos propõe um “Projeto de Proteção ao Menor”, que se transformou em 1926 em Lei e em 1927 foi promulgado o Código de Menores no Brasil, onde a principal conseqüência foi a criação do cargo de juiz de menores da capital da República. Com a criação do juizado de menores, foram surgindo os primeiros estabelecimentos oficiais de proteção à infância: o Abrigo de Menores, a Casa Maternal Mello Matos, a Escola de Reforma João Luiz Alves entre outras (TÔRRES et al. 2006; CRUZ e HILLESHEIN, 2005).

Entre a proposta de Mello Mattos em 1902 e a publicação do Código de Menores em 1927, surgia em 1916, o primeiro Código Civil Brasileiro. Nele foram regularizados os direitos individuais como: o direito da propriedade e o direito da família. No direito da família estão especificadas as obrigações dos pais em relação aos filhos. Entre essas obrigações, está o direito à filiação, à sucessão no nome e na herança, à alimentação, à educação e à saúde. No caso da falta da proteção parental, o Estado passaria a ter a responsabilidade apenas complementar (BRASIL [f] CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, 1916; BRASIL [h] CÓDIGO DE MENORES, 1927).

O Código Mello Mattos de 1927 foi a primeira legislação voltada aos direitos das crianças. Ficou consagrado o sistema de atendimento à criança atuando, exclusivamente sobre os chamados efeitos da ausência da família, atribuindo ao Estado a tutela sobre o órfão, o abandonado e aqueles cujos pais fossem tidos como ausentes, disponibilizando seus direitos de pátrio poder (BRASIL[c] e ALMEIDA, 2002; CRUZ e HILLESHEIN, 2005).

Com essa legislação as crianças inseridas em famílias consideradas com comportamento adequado, “padrão normal”, continuaram com seus direitos resguardados no Código Civil. Mas se houvesse conduta “antissocial” da parte dos pais,

ou se houvesse descumprimento das normas estabelecidas, justificar-se-ia a passagem da tutela dos pais ao juiz e do Código Civil ao Código de Menores. A abrangência desse código era para crianças e adolescentes de 0 a 18 anos, órfãos e abandonados, que tivessem pais falecidos ou presos há mais de dois anos, mendigos, prostitutos, incapazes declarados ou que estivessem exercendo trabalhos proibidos, ou ainda que fossem economicamente inaptos para suprir as necessidades de seus filhos (BRASIL [f] CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, 1916).

Somente o artigo 68 do Código de Menores mencionou sobre o “menor delinquênte”, diferenciando as crianças de 14 anos daqueles com idade entre 14 anos completos e 18 anos incompletos, elegendo a competência do juiz para determinar todos os atos em relação a eles e aos pais.

Em 1940 foi promulgado o Código Penal Brasileiro (Decreto nº 2.848/1940), o qual consagrou a inimputabilidade criminal do “menor” de 18 anos, regulamentada em seguida pelo Decreto-Lei nº 3.914/1941 até hoje em vigor. Para os delinquêntes que fossem maiores de 16 anos, criou-se a possibilidade de Liberdade Vigiada, na qual as famílias ou tutores seriam responsáveis pela sua regeneração, com a obrigação de reparação dos danos causados e de apresentação mensal da criança em juízo. O Código de Menores estendeu a autoridade do juiz sobre os jovens de 18 a 21 anos (termo que ainda se mantém no Estatuto da Criança e Adolescente), concedendo-lhes atenuante frente ao Código Penal, mas determinando seu recolhimento em espaços correcionais pelo prazo de um a cinco anos.

Cumpre ressaltar que em 1941, foi criado o (SAM) Serviço de Assistência ao Menor, para dar atendimento aos infratores e desvalidos caracterizado por uma política desprezível, onde os internos ficavam amontoados em instalações físicas inadequadas, técnicos despreparados e que praticavam, contra as crianças, agressões físicas, frequentemente (FALEIROS, 1995). Numa tentativa de se extinguir essa situação de horror, foi proposto o fim do SAM, que era considerado por alguns juízes um sistema inútil, ineficaz e perverso. Eram considerados fábricas de delinquêntes e escolas do crime, tendo sido substituído, posteriormente, em 1964, pela Fundação Nacional do Bem Estar do Menor, a FUNABEM.

O problema da exclusão social com crianças e adolescentes se agravava a cada dia no país. Assim, em 10 de outubro de 1979, foi autorizada a publicação da Lei nº 6.697, à época, o novo Código de Menores, que por sua vez apresentou algumas

alterações em relação ao Código de Menores de 1927. O novo código (1979) foi fundamentado na doutrina da “situação irregular”, onde se constituiu uma cultura, a época, de compaixão-repressão. Entre as principais alterações estão: O Código de 1927, continha 95 artigos, já o Código de 1979 foi promulgado com 123 artigos. O novo Código (1979) deixou de referir-se às crianças e adolescentes como – abandonados e

delinquentes, passando a utilizar a expressão Menor em Situação Irregular. No código

de 1927 utilizava-se a expressão Liberdade Vigiada, já no Código de 1979 foi alterado para Liberdade Assistida. No novo Código de Menores (1979), o adolescente em situação irregular foi considerado como um doente que necessitava de tratamento, mas também como um desajustado que necessitava ser reintegrado à sociedade. Já no Código de 1927 as crianças e adolescentes eram consideradas como vadias, mendigas e libertinas. Outra alteração no novo Código (1979) foi a troca do termo irresponsáveis por inimputáveis (BRASIL [h] CÓDIGO DE MENORES DE 1927; BRASIL [i] CÓDIGO DE MENORES DE 1979).

O que se evidencia é que tanto o Código de Menores de 1927, quanto o de 1979, não protegiam satisfatoriamente a criança e o adolescente, nem se levava em consideração o seu estado de indivíduo em formação. Ao contrário, esses jovens eram responsabilizados por se encontrarem abandonados por seus familiares. Por isso, foi necessária a mobilização da sociedade civil e de diversos segmentos profissionais como psicólogos, pedagogos, psiquiatras, operadores do direito, assistentes sociais, dentre outros, para se promulgar uma nova Lei, o “Estatuto da Criança e do Adolescente” em 1990, para serem editadas normas que realmente pudessem proteger todas as crianças, mas, especialmente, crianças abandonadas, pobres, em sua maioria de etnia negra e mestiça, das arbitrariedades a que eram submetidas pelas FEBEMs, que trancafiavam e maltratavam as crianças e adolescentes, por estarem nas ruas à procura de sobrevivência física e emocional (INESC, 2009).

Assim, após muitos clamores de movimentos sociais por uma justiça que atingisse esse contingente juvenil, foi promulgada em 1988 a Constituição Federal, que trouxe em seu bojo o art. 227 “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e

opressão.” Nesse contexto surgiu a necessidade de se criar uma lei específica, mais detalhada, de modo que em 1990 foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Esta nova lei distanciou-se das legislações anteriores, cuja doutrina se baseava na situação irregular que separava crianças e “menores”. Por outro lado o Estatuto da criança e do adolescente baseia-se na doutrina de proteção integral, buscando assegurar às crianças e adolescentes, direitos e proteções. Em relação ao ato infracional, no caso de adolescentes em conflito com a lei. O Estatuto prevê medidas de caráter socioeducativo e, também protetivas (ZAMORA, 2008).

1.4 Adolescente em Conflito com a Lei: A Situação do Brasil e do Distrito Federal

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define adolescente em conflito com a lei, quando há uma prática de conduta antijurídica, ou seja, “a conduta descrita como crime ou contravenção penal”, que na esfera da infância e da juventude é chamada de ato infracional, sendo considerada criança o indivíduo com doze anos incompletos e adolescentes pessoas entre doze e dezoito anos incompletos. (BRASIL [e] ECA – arts. 103 e 104).

Segundo Zamora (2008), a literatura revelou o perfil do adolescente infrator, que em sua grande maioria são meninos na faixa etária entre 16 a 18 anos de cor parda ou negros e que não concluíram o Ensino Fundamental. A autora chama a atenção para a situação do uso de drogas entre os adolescentes infratores, pois nove a cada dez adolescentes que estão em medidas socioeducativas no Brasil encontravam-se drogados quando cometeram a infração.

Vale à pena destacar que o fator preponderante da situação dos jovens em conflito com a lei no Brasil se refere à desigualdade econômica e social, o que dificulta sobremaneira o pleno crescimento e desenvolvimento de muitos adolescentes que se encontram aprisionados a comunidades excluídas de consumo e de bens e serviços (educação, saúde e segurança), moradias adequadas, além de estarem expostas aos preconceitos e vulneráveis aos desajustes familiares e interpessoais, o que acarreta dificuldades de convivência em todas as esferas (NUNES, 2006; ASSIS e CONSTANTINO, 2004; PRIULI e MORAIS, 2006).

É notória que a criminalidade infanto-juvenil vem tomando grandes proporções em todas as camadas sociais. Conforme Assis e Constantino (2004), o crescimento das

infrações praticadas por adolescentes não é um fenômeno isolado, nem específico do nosso país, sendo evidente também em outras nações, com diferentes níveis de desigualdade econômica e social. Esta situação é semelhante em países em desenvolvimento como o Brasil e países desenvolvidos como os EUA e Canadá, de modo, que a população jovem envolvida na prática de infrações diversas, pertence privilegiadamente às classes sociais menos favorecidas. Percebe-se ainda, que aliadas à situação de penúria econômica, os adolescentes em conflito com a lei, não tem acesso à produção cultural de qualidade, vivenciam situações de violência, além de não contarem com equipamentos sociais e políticas públicas adequadas (ZAMORA, 2008).

As famílias desses jovens revelam um extremo grau de fragilidade, tendo em vista, à precária situação socioeconomica, que algumas delas se encontram e, apesar do desenvolvimento de políticas públicas voltadas para essas famílias, a situação de violência nas comunidades carentes precisa de um empenho da sociedade como um todo e, particularmente, dos órgãos públicos (Nunes, 2006; Assis e Constantino, 2004). Cumpre esclarecer ainda que essas famílias são, em sua grande maioria, monoparentais, cuja chefia é de responsabilidade das mulheres. Invariavelmente, as mulheres chefes de família nas classes menos favorecidas têm baixa escolaridade, pois 45,7% apresentaram escolaridade até a 5ª série e desempenham trabalhos com funções desqualificadas e com baixa remuneração. Diante dessa situação, essas mulheres sofrem pelas dificuldades pelas quais atravessam o que lhes provoca um grande estado de apreensão emocional. As dificuldades experimentadas nessas famílias contribuem para a vivência de situações de violência, desajustes no comportamento do adolescente e uso de álcool (NUNES, 2006; ASSIS e CONSTANTINO, 2004; GALLO e WILLIAMS, 2008; BRASIL [n] MPDFT, 2011; PIMENTEL, 2010).

Nunes (2006) em sua pesquisa demonstra que independe da classe social em que esteja inserido o adolescente, este pode se envolver com atos ilícitos e comportamentos violentos, contudo, a autora destaca que os adolescentes pertencentes às famílias de classes sociais desfavorecidas são aqueles que mais cumprem medidas socioeducativas. Portanto, a renda familiar pode ser considerada como um fator de proteção em relação aos atos infracionais. Esta constatação não exime o envolvimento do jovem de classe social favorecida com atos infracionais, mas revela uma situação que precisa ser enfrentada pelo poder público.

Outra observação da autora é que a violência atinge os adolescentes e jovens não somente em grandes centros urbanos, as cidades do interior são, também, palco para a ocorrência de violência. Os dados da pesquisa de Nunes (2006) ajudam a ilustrar esta situação. Entre os adolescentes que participaram da pesquisa, 62% dos que cometeram atos infracionais eram oriundos da capital e 38% do interior de São Paulo. Desse modo, o que se evidencia a partir desta pesquisa é que apesar do estigma de que a violência está relacionada aos grandes centros urbanos, os dados apontam para a existência de um alto índice de violência entre os adolescentes fora das grandes cidades.

Gallo e Williams, (2008) complementam o quadro da violência entre adolescentes e jovens brasileiros e chamam a atenção para o fato de que a maioria dos adolescentes que praticam ato infracional é do sexo masculino. Na pesquisa realizada pelos autores, ficou evidenciado que 87,9% dos adolescentes que cometem delitos são do sexo masculino, enquanto apenas 12,1% são do sexo feminino.

Em relação aos atos infracionais praticados no Brasil, constatou-se que o furto foi a infração mais incidente, seguido pelo roubo e pelo tráfico de droga. Comparando- se o gênero dos participantes autores de ato infracional, verificou-se que a maioria das meninas praticou furto e tráfico, enquanto os meninos cometeram todos os tipos de infrações como, homicídio, dano, pichação, lesão corporal (GALLO e WILLIAMS, 2008).

Considerando-se que os adolescentes estão em desenvolvimento e, não tendo alcançado a plenitude do discernimento ou maturidade, quando esses cometem ato infracional, lhes são aplicados, segundo está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, medidas socioeducativas. Essas medidas são providências aplicadas com o fim de corrigir e ressocializar adolescentes (VOLPI, 1997; PIMENTEL, 2010). Não obstante, a lei prevê equipes multidisciplinares compostas por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos para o acompanhamento desses jovens, porém, é nítida a precariedade de recursos humanos nas equipes multidisciplinares, assim como a falta de estrutura (salas para atendimentos, carros etc.). Esses fatores dificultam, sobremaneira, os trabalhos de acompanhamento de adolescentes em situação de liberdade assistida, contrariando a previsão legal contida no ECA e na Constituição Federal/1988.

Em relação aos adolescentes em conflito com a lei do Distrito Federal, Pimentel, (2010) pontua que esses possuem um perfil bastante similar aos adolescentes em conflito com a lei dos outros estados brasileiros. Os adolescentes que estão em situação

de medida socioeducativa em meio aberto no DF, assim como a média dos adolescentes que cumprem as mesmas medidas no Brasil, são em sua maioria do sexo masculino, estudaram aproximadamente até a 5ª ou a 6ª série, convivem em famílias monoparentais, em especial, com a mãe e a renda familiar gira em torno de 01 a 04 salários mínimos mensais, seguido de renda de menos de 01 salário mínimo. Esclarecemos ainda que, as medidas de meio aberto mais aplicadas no DF são as de prestação de serviço e Liberdade Assistida, significando, desta forma, que esse percentual representa, em tese, os adolescentes em conflito com a lei no DF (PIMENTEL, 2010).

Segundo dados da Coordenação do Sistema Socioeducativo, órgão ligado à Secretaria da Criança do Distrito Federal, em 2010, 1.709 adolescentes estavam em situação de Liberdade Assistida (LA) no DF. Na Supervisão das Medidas Socioeducativas está a 1ª Vara da Infância e Juventude do DF, constando vinte e um mil processos relativos à Liberdade Assistida, destes, 80% se referem a atos infracionais (BRASIL [m] MPDFT, 2008).