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Capítulo I. – Breve enquadramento teórico sobre a violência doméstica

2. Principais modelos teóricos sobre a violência doméstica

2.4. Perspetiva dos sociólogos da família

Ao contrário do paradigma da violência de género, os sociólogos da família defendem que a violência atinge da mesma forma todas as relações familiares e que a sua origem pode estar na própria estrutura familiar (Kurz, 1989; Dias, 2008). A par deste argumento, a perspetiva da violência na família mostrou evidências de que as mulheres são tão violentas como os homens (Kurz, 1989; Dias, 2008; Machado e

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Matos, 2012). Para o efeito, Straus (1979), na década de 1970, aplicou nos seus estudos a chamada Conflict Tactic Scale (CTS) com vista a medir a extensão com que os parceiros numa relação de namoro, coabitação ou conjugal se envolvem em abusos físicos e psicológicos entre eles, mas também medir o uso de raciocínio ou de negociação dos indivíduos para lidar com os conflitos (Straus, Hamby, McCoy e Sugarman, 1996, p. 283).

Segundo Casimiro (2008), através das escalas de conflito é possível “revelar os meios utilizados com mais frequência por homens e mulheres para resolverem os conflitos, identificando e medindo três tácticas diferentes: o recurso à discussão racional e à argumentação, a agressão verbal, em que se incluem os insultos e as ameaças, e, finalmente, a violência, que se traduz no uso explícito de força física” (p. 583).

A partir deste instrumento, vários estudos1 chamaram à atenção para a existência de homens vítimas de violência e, ao mesmo tempo, que os abusos praticados sobre estes não devem ser ignorados (Dias, 2008). A violência contra os homens é um “fenómeno [que] passa muitas vezes despercebido, na medida em que os homens são menos propensos a denunciar tais incidentes por vergonha e medo do ridículo, bem como pela falta de serviços de apoio” (Machado e Matos, 2014, p. 727). Todavia, a partir do uso das CTS é possível depreender que “as agressões cometidas pelas mulheres sobre os homens constituem um fenómeno social comparável, na sua natureza e magnitude, ao das mulheres maltratadas” (Casimiro, 2008, p. 582).

Os homens enquanto vítimas de violência doméstica são vistos pela sociedade como “inaceitáveis”, uma vez que ainda persiste o ideal masculino socialmente construído, isto é, o género masculino é “encarado como económico, social e politicamente dominante” (Machado e Matos, 2012, p. 8).

Deste modo, os sociólogos da família argumentam que a desigualdade de género não é o único fator que produz a violência numa relação, mas que existem outros fatores, como os socioeconómicos e os ligados aos processos de socialização, que

1 Segundo Straus, Hamby, McCoy e Sugarman (1996), as escalas de conflito foram usadas, desde 1972,

em inúmeros estudos em vários países, que abrangem mais de 70 mil participantes com diferentes características culturais, e que deram origem a mais de 400 artigos baseados neste instrumento (Straus et

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podem explicar o fenómeno, até porque o patriarcalismo falha em explicar a violência nas relações entre casais homossexuais (Machado e Matos, 2014). Portanto, a violência doméstica, sejam os agressores homens ou mulheres, deve ser encarada como uma questão relacional e humana (Machado e Matos, 2012).

Os investigadores desta corrente identificam causas estruturais para a violência, nomeadamente a privacidade da família, a violência social, o desemprego, a insegurança financeira e ainda problemas de saúde, que aumentam a probabilidade de ocorrência de comportamentos violentos no seio da família (Keating, 2015).

No seu estudo, Felson e Cares (2005) referem que os agressores do sexo masculino apresentam uma maior probabilidade de ferir ou causar danos às vítimas durante um episódio violento do que os agressores do sexo feminino. Este argumento associa a força física ao género, tendo como principal premissa que a força adiciona ou subtrai poder físico aos agressores e às vítimas, ou seja, os homens agressores produzem mais dano e as vítimas do sexo feminino sofrem mais ferimentos (Felson e Cares, 2005, p. 1183).

Segundo os autores, os indivíduos do sexo masculino que são agressivos numa relação de conjugalidade, agridem com mais frequência as vítimas do que as mulheres agressoras. Contudo, estas últimas agridem, de igual forma, quando nos referimos a uma violência intrafamiliar e não apenas à violência conjugal.

Subjacente a esta questão, importa referir o estudo levado a cabo por Archer (2000), no qual comparou os resultados das “investigações realizadas com mulheres refugiadas em casas-abrigo e mulheres provenientes da população em geral e chegou à conclusão de que as entrevistas realizadas às mulheres alojadas nestas casas se retiravam índices muito mais elevados de agressões por parte dos cônjuges” (Casimiro, 2008, p. 588).

Neste estudo meta-analítico, Archer (2000) comparou cerca de 82 estudos que tinham como principal conclusão a existência de simetria de género na violência doméstica, sendo que a maioria destes estudos analisados tinham como principal instrumento as escalas de conflito.

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Da análise efetuada Archer (2000) pôde retirar duas grandes conclusões, nomeadamente: as mulheres têm uma maior probabilidade do que os homens para colocarem em prática a violência física, e ainda, quanto mais jovem a amostra mais altos eram os níveis de violência feminina quando comparados com a violência masculina.

Segundo Hamberger e Guse (2002), as meta-análises de Archer (2000) sugerem que as mulheres usam, relatam e, até mesmo, iniciam a violência sobre os seus parceiros em níveis semelhantes com aqueles atingidos pelos homens (p. 1303).

Contudo, estes autores afirmam, as mulheres também apresentam uma maior probabilidade de denunciar terem sido feridas ou magoadas de forma mais severa, assim como procuram mais os serviços de saúde devido aos abusos sofridos (Idem, p. 1303).

Num estudo posterior, Archer (2002) analisa as diferenças em termos de género, no que diz respeito aos comportamentos físicos agressivos utilizados pelos agressores contra a vítima. Com esta meta-análise, o autor concluiu que os atos agressivos mais frequentes entre as mulheres agressoras, independentemente do instrumento de medida utilizado, são o "pontapear, morder, esmurrar" e "atingir com um objeto". O autor refere ainda que estes atos são classificados como “severos” (p. 333).

Por seu turno, os homens apresentam como comportamentos agressivos mais frequentes o "espancamento" e "estrangulamento" quando comparados com as mulheres. Deste modo, Archer (2002) conseguiu demonstrar que o "espancamento" e o "estrangulamento", mas também, em alguns casos, o ato de "puxar, agarrar, empurrar” são atos agressivos, predominantemente, masculinos (p. 333).

Uma das principais conclusões que se pode retirar dos estudos realizados por Archer (2000, 2002) é que a preocupação que existe em torno das vítimas femininas nos casos de violência doméstica não é de todo um equívoco. No entanto, considerá-las como as únicas vítimas de violência é uma visão muito redutora do fenómeno da violência doméstica (Archer, 2002, p. 340).

Num outro estudo, Mize e Shackleford (2008) afirmam que a violência doméstica tanto pode ser feminina como masculina, porém, as formas de expressão da violência

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entre homens e mulheres são distintas. Assim, na sua perspetiva, as mulheres colocam em prática, na maioria dos casos, uma violência de tipo emocional e psicológica enquanto os homens recorrem sobretudo à agressão física e sexual (p. 100).

Em suma, a perspetiva da violência na família afirma que existe simetria de género na violência doméstica. No entanto, a forma como as mulheres colocam em prática a violência difere e, em muitos casos, não é percebida como tal pelas vítimas, que na maioria dos casos não reportam os abusos que sofrem. Também se constata que além do género existem outros fatores explicativos da violência doméstica (e.g., estruturais, doenças psicológicas, abuso de álcool e/ou drogas, etc.).