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Parte I – Enquadramento Teórico

1.3 Principais Problemáticas Existentes na Primeira Infância

1.3.2 Perturbação de Eliminação – Enurese

Para além da Perturbação de Mutismo Seletivo, houve outro caso clínico onde se pôde observar a Perturbação de Eliminação, nomeadamente a Enurese noturna, sendo por isso fulcral a sua compreensão. Desde muito cedo que esta problemática tem vindo a despertar interesse sobre a comunidade científica. Decorria o ano de 1544 quando Thomas Paer, pediatra inglês, descreve esta doença dando-lhe alguma relevância. Não só os pediatras como os psiquiatras achavam relevante prestar-se atenção a esta doença, no entanto só com o emergir da Segunda Guerra Mundial é que foi dada a devida relevância a este problema pois constatou-se que entre 1% a 2% dos recrutas do exército dos Estados Unidos tinham Enurese Noturna (Barros, 2004).

Segundo a APA (2013), pode-se definir como Perturbação de Eliminação a expulsão inapropriada de fezes (encoprese) ou urina (enurese).

No que se refere à enurese, para que seja diagnosticada, a pessoa em questão deve abranger os seguintes critérios (APA, 2013):

a) Urinar diversas vezes na própria roupa ou na cama, sendo este ato involuntário ou voluntário

b) Se este comportamento se verificar pelo menos duas vezes por semana em três meses seguidos ou causar sofrimento ou perturbações na vida social, escolar, entre outras áreas relevantes para a pessoa, considera-se que o comportamento é clinicamente considerável.

c) Para se diagnosticar a pessoa deve ter no mínimo cinco anos ou possuir um desenvolvimento idêntico a esta faixa etária.

d) Este tipo de comportamento não emerge devido ao consumo de substância ou de qualquer tipo de doença.

Existem três diferentes subtipos diferentes de enurese que divergem de acordo com a situação em que ocorre. Se a pessoa apenas tem este comportamento involuntário de urinar durante a noite e quando está a dormir, afirma-se que detém enurese monossintomática. Este é o tipo de enurese mais comum. Por outro lado, se a pessoa tiver este comportamento durante o dia e enquanto está acordada afirma-se que possui incontinência urinária. Este tipo de enurese que ocorre especificamente na fase diurna pode ainda ser dividido em adiamento da micção, quando guardam de forma consciente a urina até emergir no ato de incontinência, e em incontinência de urgência quando existe “sintomas de urgência urinária e instabilidade do detrusor”. Quando a enurese ocorre

tanto de dia como de noite denomina-se como enurese não monossintomática (APA, 2013, p.355).

Os dados fornecidos pela Associação Americana de Psiquiatria (2013) revelam que a prevalência desta problemática é mais acentuada nas crianças com idades compreendidas entre os cinco anos (entre 5% e 10%) do que com 10 anos (entre 3% e 5%). Em pessoas com 15 ou mais anos a prevalência ronda 1%.

Nos estudos visíveis na Tabela 1, verifica-se que a incidência da enurese é maior no género masculino do que no feminino e que os níveis de prevalência não ultrapassam os 17,5%.

Tabela 1

Estudos sobre prevalência da Perturbação de Enurese

Autores País Prevalência Género com

maior incidência Fonseca (2002) Portugal 6-18 anos– 15.6% Masculino (21,1%) Gür e colaboradores (2004) Turquia 6 - 16 anos– 12.4% Masculino

Bandeira, Barreira e Matos (2007) Portugal 5-13 anos – 6.9% Masculino (9,4%) Ozden, Ozdal, Altinova, Oguzulgen,

Urgancioglu e Memis (2007)

Turquia 6-12 anos– 17.5% Masculino

Shreeram, He, Kalaydjian,

Brothers e Merikangas (2009) EUA 8-11 anos – 4.45% Masculino (6,21%) Gomes, Henriques, Tavares e Fonseca

(2012) Portugal 5-6 anos – 16.4% Masculino

Görür (2013) Turquia 6-18 anos – 9% Masculino

Com o aumento da idade, a prevalência da enurese tende a decrescer. Existem fatores que estão relacionados com o surgimento da enurese, podendo ser pessoais ou externos. O sono profundo, o mau desempenho escolar, constipações, asma, alergia, atraso ao nível do crescimento e a existência de infeções urinárias, são fatores pessoais que podem propiciar o desenvolvimento da enurese. Como fatores externos existem os antecedentes familiares como o facto de ter irmãos com o mesmo problema, baixo nível escolar dos pais, grande número de irmãos, a partilha de quarto e o ingerir de líquidos antes de dormir (Ozden, et al., 2007).

Outra conclusão interessante que o estudo de Shreeram e os seus colaboradores (2009) chegaram foi o facto de que os pais de etnia negra reportaram mais casos de

enurese nos seus filhos do que os pais caucasianos, logo pode-se aferir que as características demográficas podem ser um fator preditor desta Perturbação.

Existem vários tipos de intervenções para esta problemática. É o caso de programas parentais, da farmacologia e da intervenção psicológica e psicoterapia.

Alguns profissionais de saúde recomendam aos pais a tomada de algumas atitudes que já vieram a ser desacreditadas pelos estudos nesta área. As atitudes podem passar por: levantar o filho(a) para o mesmo(a) urinar sem que acordasse, abdicar a criança de beber qualquer tipo de líquidos a partir de uma determinada hora, ou então manter o uso de fraldas. Todas estas atitudes em vez de solucionarem o problema, tendem a intensificá-lo pois estas estratégias são tudo menos eficazes (Barros, 2004).

O tratamento farmacológico pode passar pelo uso de anti-depressivos tricíclicos (imipramina, desimipramina e clomipramina), pela hormona diurética de substituição (desmopressina), e a oxibutina pertencente à família dos anticolinérgicos. Contudo, o tratamento farmacológico revela uma elevada taxa de recaída (Barros, 2004; Silva, Freitas, Oliveira, & Machado, 2004). Mais uma vez pensamos que este tipo de tratamento deve ser deliberado de forma consciente, observando todos os prós e contras que a farmacoterapia pode ter na criança em questão.

Algo importante para um bom tratamento da Perturbação é o estabelecimento de uma boa relação terapêutica com os pais e com a criança, devendo esta ser de cumplicidade e confiança (Costa, 2006). Esta é uma das condições normalmente implícitas na ACP, sendo por isso uma forma terapêutica que pode demonstrar resultados positivos na Perturbação em questão.

Um estudo de caso efetuado por Cuddy-Casey (1997) relata a intervenção terapêutica efetuada a um rapaz de oito anos que sofria de enurese e encoprese. A autora optou por um tratamento ludoterapêutico com base na ACP. Através do lúdico, a criança pôde expressar livremente os seus sentimentos de raiva, medo, embaraço. Tal acontece porque o brincar num ambiente que lhe transmita segurança permite que a criança reconstrua, reviva e reencene as experiências pessoais da sua vida e que, à posteriori, altere o comportamento problemático em questão.

Os resultados do estudo de caso revelam que a criança conseguiu aumentar a sua autoconsciência, o que proporcionou uma maior autorrealização e incremento na sua autoestima. Para além disso, a criança demonstrou uma melhor capacidade em explorar o ambiente que a rodeia sem demonstrar ansiedade ou receio em ser ridicularizada ou

julgada. O foco da problemática vivenciada por a criança, a enurese e a encoprese, foi igualmente colmatada (Cuddy-Casey, 1997).

É fundamental que antes de se dar início ao tratamento, se perceba qual a etiologia da enurese e encoprese, isto é, tem que se averiguar se a mesma é primária ou secundária, para que depois se escolha o tratamento mais adequado (Cuddy-Casey, 1997). Por tudo isto, e caso a Perturbação esteja a ser provocada por problemas do foro emocional, a LCC parece ser uma boa escolha de tratamento para este tipo de Perturbação.