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Quando falamos em pesquisa, muitas vezes nos vem à mente a ideia de que o pesquisador deve observar de longe seu objeto de pesquisa. Essa crença é bastante recorrente e parte do princípio que o pesquisador está em uma posição privilegiada, enquanto o objeto é subalterno e descartável.

A crença numa perfeita separação entre o sujeito da pesquisa, o pesquisador, seu objeto de estudo. Acreditava-se então que em sua atividade investigativa o pesquisador deveria manter-se o mais separado possível do objeto que estava estudando, para que suas ideias, valores e preferências não influenciassem o seu ato de conhecer. (LÜDKE; ANDRÉ 1986, p. 4).

Com o passar do tempo, porém, percebeu-se que o processo pode se dar de outras formas, visto que muitos “fatos não se revelam gratuita e diretamente aos olhos do pesquisador” (LÜDKE; ANDRÉ 1986, p. 4) e nem separadamente do meio e do indivíduo em si.

As mesmas autoras ainda afirmam que outra há crença sobre pesquisa que se mantém ao longo do tempo: a que considera que os fenômenos permanecem inalteráveis, ou seja, que os conhecimentos levantados a seu respeito se mantêm de forma definitiva. (LÜDKE; ANDRÉ 1986). Porém, esse julgamento caiu por terra quando, em razão do desenvolvimento das pesquisas em ciências humanas e sociais, esta começa a ser vista dentro de um contexto social que se encontra em movimento, passando, então, a ser vista sob uma nova perspectiva. De acordo com

Carvalho (2007, p. 13), “esta modalidade de pesquisa enfatiza a sistematização e o rigor aliados à observação, interpretação e descrição do pesquisador.”

As características acima citadas (que ainda se encontram presentes no cenário de pesquisa científica devido à grande influência dos modelos positivistas9) se aproximam do que denominamos de pesquisa quantitativa, que por muito tempo foi (e ainda é) a base das pesquisas realizadas em diversas áreas, especialmente nas ciências exatas e naturais.

O modelo quantitativo, utilizado com sucesso em larga escala pelas ciências exatas e naturais, motivou um repensar sobre qual seria o modelo metodológico adequado às pesquisas na área das humanidades, pois se questionava até que ponto seria relevante investigar a vida social por este mesmo viés. André (2005, p. 30) afirma que, nas décadas de 80-90, visava-se ao exame de situações “reais” do cotidiano, as quais procurava observar o sujeito in vivo, e não artificialmente. Carvalho (2007) também afirma que:

A metodologia qualitativa exige a superação da lógica da linearidade diacrônica e requer a construção de um modelo sincrônico historicamente fundado. Em outros termos, exige a “diacronia” do sincrônico que comporta individuar as variáveis ou identidades dinâmicas constitutivas, isto é, constitui-se a partir das características estruturais objetivas nas quais os indivíduos e os grupos vivem e atuam. (CARVALHO, 2007, p.13).

Dessa forma, o modelo de pesquisa de base estritamente positivista já não satisfazia a alguns pesquisadores da época, pois estes já “não [os] estavam levando a resultados que ajudassem a descobrir soluções para os problemas prementes, que se acumulavam na área da educação, especialmente em nosso país.” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 6).

Devido às mudanças no modo como se concebia a pesquisa no âmbito social, passou-se a enxergar a importância de se verificar, além dos ambientes macro, também os microssociais. Em virtude dessa diferente forma de pensar o meio, dessa aparente insatisfação por parte dos pesquisadores, e da possibilidade de o pesquisador passar a fazer parte do meio a ser investigado, começam a surgir novos métodos de investigação e abordagens que diferem dos tradicionais (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). É aí que nascem os modelos da “pesquisa participante, ou participativa, ou ainda emancipatória, a pesquisa-ação, a pesquisa etnográfica, ou

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naturalística, o estudo de caso” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 7), dentre outras que abordaremos mais detidamente a seguir.

Desse modo, em se tratando do campo das ciências humanas, começa-se a se desvencilhar do modelo estritamente quantitativo e passa-se a uma abordagem mais quanti-qualitativa, que considera tanto o indivíduo quanto o ambiente do qual este faz parte. Isto posto, passamos a seguir a tratar mais detidamente das características de ambas as abordagens.

Segundo Aparecido Silva:

Um estudo quantitativo „usa instrumentos objetivos e análise estatísticas apropriadas para a verificação de uma hipótese‟ (LARSEN-FREEMAN e LONG, 1991) e os métodos qualitativos consistem „de diferentes tipos de coleta de dados, apresentando entrevistas abertas e que buscam aprofundamento das respostas, observação direta e documentos escritos‟. (PATTON, 1990). Esses métodos podem ser usados isoladamente, ou podem se associar para fornecer maior profundidade no tópico sob investigação. (APARECIDO SILVA, 2005, p. 35).

O referido autor ainda afirma que houve, recentemente, um aumento crescente no número de pesquisadores que dá preferência a pesquisas de cunho qualitativo quando se trata de pesquisa no campo das ciências humanas. Por outro lado, há também uma confusão em termos de nomenclatura, pois nota-se que termos como “pesquisa qualitativa, etnográfica, naturalística, participante, estudo de caso e estudo de campo” (LÜDKE; ANDRÉ 1986, p. 11) às vezes são tomados, equivocadamente, como sinônimos um do outro.

A pesquisa qualitativa se torna importante quando se começa a valorizar mais o indivíduo em si, suas perspectivas sociais, culturais, elementos dos quais a abordagem quantitativa, que se pauta em números e estatísticas, não dá conta.

É necessário à pesquisa qualitativa ter o “ambiente natural como sua fonte

direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento” (BOGDAN;

BIKLEN, 1982 apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 11, grifos do autor) o que, geralmente, implica um amplo período de observação de campo, durante o qual o pesquisador participante ficará em contato direto com o objeto, que, por sua vez, é influenciado pelo contexto.

Firestone e Dawson (1981 apud LÜDKE E ANDRÉ, 1986, p. 14, grifos do autor) estabelecem as seguintes características da abordagem qualitativa:

1. O problema é redescoberto no campo [...];

2. O pesquisador deve realizar a maior parte do trabalho de campo pessoalmente [...];

3. O trabalho de campo deve durar pelo menos um ano escolar [...]; 4. A abordagem etnográfica combina vários métodos de coleta [...]; 5. O relatório etnográfico apresenta uma grande quantidade de dados primários [...].

Por essa razão, nesta pesquisa optamos pelo modelo qualitativo, o que não significa a exclusão do quantitativo, visto que este último pode complementar o outro.

Um dos motivos que nos leva a fazer tal escolha diz respeito ao fato de que as crenças e o processo de (des/re)construção das identidades não podem ser mensurados quantitativamente, justamente pela sua complexidade, pelas implicações que envolvem em relação ao indivíduo em si e a suas particularidades.

Enfim, nossa pesquisa terá caráter qualitativo, considerando que:

[...] tem como objeto situações complexas ou estritamente particulares. Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitam em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos. (RICHARDSON 1999, p. 80).

Também a consideramos de cunho predominantemente etnográfico não somente porque utilizamos instrumentos associados a essa abordagem, mas porque ela tem algumas características que permitiram a realização de ações que pretendíamos desenvolver no decorrer da execução desta pesquisa. Essa abordagem, anteriormente utilizada somente por estudiosos das áreas de antropologia e sociologia, começou a ser empregada na década de 70, por estudiosos da educação.

Cabe ressaltar que a pesquisa etnográfica não se caracteriza apenas pela utilização da observação como instrumento de coleta de dados, pois a etnografia, por considerar o “contexto cultural” amplo de pesquisa (WOLCOT, 1997), abarca não somente o ambiente, mas também o entorno. A “etnografia significa,

literalmente, a imagem do „estilo de vida‟ de um grupo de pessoas10.” (WOLCOT,

1997, p. 155, tradução nossa).