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CAPÍTULO II – A ADOLESCÊNCIA

2.3 Pesquisas com adolescentes do bairro Âncora

Esta pesquisa foi desenvolvida junto ao grupo de trinta (30) adolescentes

residentes do bairro Âncora no município de Rio das Ostras que frequentam uma vez por semana o NASA - Núcleo de Atendimento à Saúde do Adolescente.

Para tal se fez necessário um encontro preliminar com os adolescentes a fim de que juntos, debatêssemos os objetivos da pesquisa que é perceber a atuação do Serviço Social no NASA, como essa atuação pode contribuir para sua formação política e social (tema que abordaremos no 3º capitulo) e qual a percepção sobre o local em que vivem.

No decorrer da conversa foram explicitando as questões que os cercam, como preconceito, violência, intolerância. Um relato unânime é o preconceito em relação a morar no bairro âncora, pois quando se dirigem para o centro da cidade, ou bairros mais elitizados, as pessoas julgam os moradores do bairro âncora como favelados, pobres coitados, e marginalizados.

Alguns termos apareceram durante esse relato como: “bandidos e vagabundos” (palavras dos próprios), e acrescentam que na maioria das vezes estas pessoas que os discriminam nunca estiveram no bairro Âncora para observarem e reconsiderarem seus conceitos e opiniões.

Também relataram que sofrem preconceito e são discriminados por suas vestimentas. Pois se o adolescente estiver de short tactel, blusa de cores florescentes, boné de aba larga e havaiana branca a maioria afirma que é organizações nacionais e internacionais como UNICEF (Fundação das Nações Unidas para a Infância). A substituição do Código de Menores era inevitável, mesmo porque era necessário ao Estado dar resposta aos movimentos sociais, que ameaçavam a ordem do capital. Então é criado em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069). Esse reúne os principais princípios adotados pela Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1989.

“favelado”. E se a adolescente estiver vestida com um short muito curto e de “top” (estilo de blusa que deixa a mostra parte do corpo), afirmam também que é da favela e ainda a denominam de “Ancorana”, comentando muitas vezes que poderá estar grávida em pouco tempo. Relatam ainda que muitas vezes esses comentários preconceituosos partem dos próprios moradores do bairro que não se reconhecem como parte pertencente deste.

Dando continuidade ao debate, os adolescentes presentes concluíram que a mídia (televisão local e redes sociais como FACEBOOK) não contribui muito para a mudança de opinião porque preferem relatar os acontecimentos negativos do bairro de forma sensacionalista.

Também relataram que quando têm a oportunidade de saírem do bairro e irem a outros de periferia, ainda assim são descriminados como se entre os bairros de periferia (Cidade Praiana, Nova Cidade e Palmital) houvesse uma disputa entre os que são menos ameaçadores e perigosos, como se fosse necessário medir qual dentre todos apresentados acima é o menos criminalizado, apesar de estarem todos na mesma situação diante o poder do Estado.

Relataram ainda que muitas situações que ocorrem no bairro poderiam ser modificadas se houvesse a participação efetiva da comunidade, cobrando seus direitos e fiscalizando sobre a execução dos mesmos.

Ressaltaram a importância da participação no grupo de reflexão, porque a partir dele começaram a desvelar os entraves e impossibilidades da sociedade em que vivemos, como uma classe que vive da exploração de outra, onde a riqueza produzida não é socialmente dividida.

Os adolescentes concluíram que pelo olhar de quem mora em outros bairros do município de Rio das Ostras, eles enxergam os mais humildes, no caso os moradores de bairros de periferia, como uma ameaça e que a qualquer momento poderão cometer algum tipo de crime.

Gráfico 1 – Percentual relativo à quantidade de adolescentes por faixa etária

Gráfico 3 – Percentual de adolescentes por gênero.

Gráfico 4 – Percentual por tipo de família

Gráfico 5 – Percentual de pessoas que residem na casa do adolescente

90% 10%

Por gênero

Feminino Masculino

Gráfico 6 – Percentual dos que gostam de residir no bairro Âncora

Gráfico 7 – Percentual por interesse de moradia em outro bairro do município

Gráfico 8 – Percentual de adolescentes por renda familiar.

No gráfico 1, podemos notar que a grande maioria dos adolescente que frequentam o NASA estão na faixa etária entre 15 e 16 anos. Como representado pelo segundo gráfico, 82% dos adolescentes frequentam a escola. A escola é uma instituição com significativa influência na vida dos indivíduos e da sociedade. As crianças, os adolescentes e jovens permanecem um largo período de suas vidas no interior de uma instituição escolar, para onde levam as suas expectativas, as suas dificuldades e suas esperanças. Com efeito, pode-se afirmar que a escola é um espaço social caracterizado pela presença de situações diversas provocadas pelo modo de vida em sociedade, que se conflituam no cotidiano escolar.

O público atendido no NASA é maioritariamente feminino como mostra o gráfico 3 e levanta problemáticas que retratam aspectos estruturais das relações de gênero soberanamente vivenciadas. A maior necessidade trazida por este segmento está relacionada ao contexto da sexualidade. A adolescente ainda é colocada como a responsável exclusiva pela saúde sexual e reprodutiva; ocupando o menino um lugar diminuto e pouco expressivo. Tal separação é histórica e socialmente construída, a partir, de concepções, valores e regras de cada grupo social, que tendem a aprofundar outras desigualdades sociais e econômicas.

Na sociedade atual não é possível falar em família, mas sim famílias. E o uso do plural objetiva abarcar dentro da concepção de família a diversidade de arranjos familiares na sociedade brasileira. Podemos citar também a fragilização dos laços matrimoniais, com o aumento das separações, dos divórcios e de novos acordos sexuais que têm gerado aspectos como o aumento das famílias monoparentais chefiadas por mulheres, o surgimento de novos arranjos familiares

que fogem ao padrão da típica família nuclear, tais como: casais nos quais os cônjuges vivem em domicílios distintos, e o aumento do número de pessoas que moram sozinhas. Todos esses fatores resultam em mudanças nas relações de gênero e nos valores e comportamentos no interior da família.

A família pode ser definida como um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consanguíneos. Ele tem como tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus membros, e se encontra dialeticamente articulado com a estrutura social na qual está inserido. ( MIOTO 1997,pg120)

As muitas mudanças e transformações dos séculos XX e XXI produziram reflexos nas relações familiares, acentuando novos e variados arranjos familiares. A família contemporânea vem se modificando e reestruturando, não tendo como identificar como um modelo ideal e único. A família numa noção mais generalizada está ligada a formação familiar nuclear, tratando a família como uma concepção natural vista como uma relação sempre existente. A família é uma construção social, uma instituição social, por isso é preciso ter uma visão crítica para compreendê-la e desnaturalizá-la.

Analisando a família numa perspectiva sócio-histórica, observando-a em suas constituições nas diferentes épocas da história e nos diferentes locais, compreendemos que a família é uma concepção construída pelo processo histórico, incorporando determinações econômicas, políticas e sociais.

O gráfico 4 demonstra que em sua maioria a formação familiar dos adolescentes do bairro Âncora que frequentam o NASA é do tipo Nuclear (pai, mãe e filhos). A família Monoparentais tem o segundo maior percentual, que se caracteriza por ser chefiada só por um dos genitores. O menor percentual é da formação de família tipo Extensas (famílias que incluem outras gerações), se igualando em valor percentual com o modelo de família Reconstituídas (após separação conjugal).

Podemos observar no gráfico 5 que a despeito de estarmos apresentando índices de quantidade de moradores em cada residência dos adolescentes, observamos que já não há uma amostragem de famílias grandes e agregadas na mesma casa como havia há alguns anos na formação da sociedade brasileira.Com a inserção da mulher no mercado de trabalho e o avanço cientifico que traz os

anticoncepcionais, dão a mulher autonomia para decidir engravidar ou não. É importante pontuar que na década de 60 o Brasil influenciado pelos Estados Unidos adota uma política populacional controlista para a manuntenção do capital. Desta forma, a construção de uma família passa a ser adiada, no sentido de qualificação profissional para se inserir no mercado de trabalho. Também a mulher passa a decidir quantos filhos terá. O planejamento familiar é um direito constitucional, um conjunto de ações que regula a fecundidade, possibilitando a limitação ou o aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. Orientam-se por ações preventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade. Define ainda, que é dever do Estado, através do Sistema Único de Saúde (SUS), promover condições e recursos informativos, educacionais, técnicos e científicos que assegurem o livre exercício do Planejamento Familiar, que garante a liberdade de escolha e veda qualquer forma coercitiva. Mas a realidade contradiz a lei, as politicas sociais concedem essencialmente a contracepção numa perspectiva controlista; conservando a imposição social quanto à maternidade; perpetuando o papel da mulher como única responsável pelos rumos da reprodução, fortalecendo a desigualdade de gênero. Pra que esse programa se concretize como emancipador, esse método não pode ser considerado o único e sim mais um, os profissionais de saúde tem que dispor de liberdade para atuar de forma critica, coisa que não é fácil, pois há uma precarização das políticas públicas e profissionais com seus direitos desrespeitados, necessitando de condições físicas e estruturais para o desenvolvimento de diálogos reflexivos com os usuários, focalizando o exercício consciente da vida sexual e reprodutiva dos mesmos.

Apesar das análises e reflexões sobre o bairro Âncora, apesar das dificuldades relatadas pelos adolescentes em coabitar com a criminalidade, e a despeito destes mesmos terem concluído que morar neste bairro acarreta uma série de preconceitos, estes mesmos adolescentes na totalidade demonstraram no gráfico 6 que gostam de residir naquela comunidade. Se influenciados pelo convívio com os demais companheiros de bairro ou se conscientes da impossibilidade de galgarem uma moradia em outros bairros, os adolescentes pesquisados são unânimes em apontar nesta pesquisa total satisfação do local onde vivem.

Mas contraditoriamente a esta afirmação, quando foram indagados sobre se gostariam de morar em outro bairro, como está representado no gráfico7,

responderam que sim 75%, e dentre os bairros escolhidos o Centro da cidade obteve 34% da opção de moradia, como melhor local para residirem, cabendo ressaltar que o centro de uma cidade é o local mais antigo, de construções menos modernas com suas ruas e pavimentação desgastada. Assim sendo, destaca-se este interesse considerando a quantidade de atividades atrativas para os adolescentes que surgem no centro do município e que não existe no bairro Âncora tais como shoppings, cinemas e praças. Ressaltamos também o grande movimento no centro da cidade que se origina do encontro de pessoas de todas as faixas etárias, de outros bairros de periferias e estudantes dos colégios circunvizinhos, sendo este um local de encontro dos adolescentes.

Pelo fato do Centro da cidade ser tradicionalmente um ponto de encontro como citamos acima e conter uma concha acústica, praças, uma praia de águas calma e extensa, com vários setores públicos envolvidos com cultura, arte, esporte, espetáculos; a Prefeitura Municipal de Rio das Ostras privilegia este espaço com diversos movimentos culturais e atrações turísticas como festejos natalinos e carnavalescos. Assim os adolescentes acreditam, pelas próprias características individuais e coletivas desta faixa de idade que o Centro, apesar do movimento diuturno é o melhor lugar para residir.

Nos gráficos 5 e 8 a respeito da quantidade de pessoas que constituem a família e a renda, conclui-se que é composta por 3 ou 4 pessoas com renda familiar entre 2 e 3 salários mínimos, o que os manteria numa faixa entre R$ 1,760,00 ( hum mil setecentos e sessenta reais) e R$ 2.240,00 ( dois mil duzentos e quarenta reais) por família.

Podemos observar neste gráfico que apenas 8% dos pesquisados vivem abaixo de um salário mínimo, mas em 33% deles vivem com uma família que garante mais que três salários mínimos mensais para sustentarem em média 3 a 4 pessoas como verificamos no Gráfico 5 – Percentual da quantidade de Pessoas que residem na Casa do adolescente; o que seria basicamente um salário mínimo para sustento de cada membro da família.

Cabe ressaltar que muitos adolescentes sentem-se inferiorizados quando falam de sua renda, muitas das vezes alegando ter uma renda superior ao que tem de fato, e outros por desconhecerem sua renda familiar supondo um valor, que muitas das vezes são ilusórios. No momento da aplicação do questionário muitos adolescentes por vezes sentiram dificuldade em responder essa questão, sendo por

vezes modificadas suas respostas. Isso se explica pelo fato de vivermos numa sociedade focada no consumo onde somos valorados a partir daquilo que podemos consumir. O público usuário da instituição é de famílias trabalhadoras e, em sua maioria, vivência a constante negação de direitos. Onde não existe a participação destes nas riquezas socialmente produzidas, ao mesmo tempo em que a sociabilidade que está na base do capitalismo se estrutura na lógica mercantil.

O dinheiro aparece agora como uma figura que pertence eminentemente ao processo de circulação, portanto, desvinculado das determinações históricas que lhe deram origem no processo de produção. Mais do que isso ainda, como uma figura que se apresenta autonomizada e [...] fetichizada, isto é, à qual se atribui a propriedade sobrenatural de certificar o valor e a quantidade de valor do produto das mãos humanas, do trabalho humano. (SILVEIRA 1989,p.70)

Ao mesmo tempo em que aumenta a sociedade do consumo a maioria da população está distante dessa possibilidade. É a lógica do “possuir” que perpassa em relação ao ser. O dinheiro figura como símbolo de poder, de objetivo a ser galgado, de felicidade. Essa lógica capitalista fomenta ao máximo o individualismo e dificulta os processos coletivos. Presenciamos no cotidiano da maioria das instituições públicas, inclusive na referida instituição a negação de direitos que marca a sociabilidade da adolescência pauperizada, através da vivência do estigma da inferioridade/subalternidade que se estabelece no âmbito das relações sociais.

Entendendo a complexidade da formação da criança e do adolescente que contraditoriamente desenvolve sua personalidade e tem suas escolhas perpassadas por um conjunto de interferências sociais e econômicas, é fundamental a inserção da ação profissional do serviço social dentro desta política de proteção voltada para este público. Sendo assim, no próximo capítulo será exposto de forma crítica como se materializa o processo de trabalho do Serviço Social dentro desta instituição.

CAPÍTULO III – O SERVIÇO SOCIAL E O ADOLESCENTE USUÁRIO

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