Os participantes do mercado de capitais não conseguiram perceber a tempo os
problemas da Petrobras, assim como das demais empresas envolvidas no escândalo de
corrupção. Healy e Palepu (2003), em estudo sobre o escândalo financeiro, envolvendo a
empresa norte-americana Enron, também discutem esta questão, abordando como o mercado
de capitais não foi capaz de perceber os problemas que aquela companhia enfrentava no final
dos anos 1990 e início dos anos 2000. Naquele trabalho, os autores discutiram o papel de
diversos componentes da Governança Corporativa da empresa e de componentes do mercado
de capitais norte-americano que falharam e propuseram respostas a estas deficiências.
Este trabalho propôs discutir os antecedentes, os fatores responsáveis, as
consequências e possíveis medidas corretivas que evitem a repetição dos fatos que
desencadearam no maior escândalo de corrupção o país.
Mas, antes, foi apresentada a empresa. Discorreu-se brevemente sobre a Operação
Lava Jato e conectou-se a companhia e os casos de corrupção com a teoria da agência.
Sociedade anônima de capital aberto, cujo acionista majoritário é a União Federal (representada pela Secretaria do Tesouro Nacional), atuamos como uma empresa integrada de energia nos seguintes setores: exploração e produção, refino, comercialização, transporte, petroquímica, distribuição de derivados, gás natural, energia elétrica, gás-química e biocombustíveis.
A empresa foi fundada no dia 3 de outubro de 1953, pelo, então, Presidente da
República, Getúlio Vargas, com o objetivo de executar as atividades do setor petrolífero no
Brasil, em nome da União. A criação da Petrobras é o resultado da campanha popular que
começou em 1946, com o slogan “O Petróleo é nosso” (PETROBRAS, 2016a).
Sua instalação somente foi concluída em 1954. Em 10 de maio deste ano, a Petrobras
iniciou sua operação, produzindo 2.663 barris, equivalente a 1,7% do consumo nacional da
época. Ao longo de sua trajetória, foi desenvolvendo novos produtos, com o progresso e a
aplicação de novas tecnologias. Em 1961, construiu sua primeira refinaria, alcançando a
autossuficiência na produção dos principais derivados no mesmo ano. Também em 1961, a
empresa iniciou a busca de petróleo no mar e instalou o primeiro posto de abastecimento em
Brasília. Em 1984, a empresa descobre o primeiro poço de águas profundas. Dois anos depois,
dado não existir tecnologia disponível no mercado, a empresa iniciou o desenvolvimento de
tecnologia para extração de petróleo a grandes profundidades (PETROBRAS, 2016a).
Em 1997, quebrou-se o monopólio estatal do petróleo e a empresa se tornou uma das
maiores companhias de petróleo do mundo. Após 50 anos de existência, a produção de
petróleo da Petrobras no Brasil e no mundo superou a marca de dois milhões de barris. Em
2006, a empresa conseguiu a autossuficiência sustentável no Brasil na produção de petróleo e
gás, com produção média diária de 1,9 milhões de barris. Em 2007, foi anunciada a
descoberta de grande concentração de petróleo e gás na camada do pré-sal na Bacia de Santos.
E, no ano de 2009, iniciou-se a produção de petróleo neste local. (PETROBRAS, 2016a).
Ela é líder no setor de óleo e gás no Brasil e seus negócios abrangem pesquisa, lavra,
exploração e produção, refino, processamento, comercialização, distribuição e transporte de
petróleo (proveniente de poço, de xisto ou de outras rochas) e de seus derivados, de gás
natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, energia elétrica, biocombustíveis e outras fontes
renováveis, além de atividades relativas a algumas formas de energia e outras correlatas ou
afins (PETROBRAS, 2016a).
Além do Brasil, está presente com atividades na indústria de óleo e gás em outros 16
países: Angola, Argentina, Benim, Bolívia, Chile, Colômbia, Estados Unidos, Gabão, Japão,
México, Namíbia, Nigéria, Paraguai, Tanzânia, Uruguai e Venezuela (PETROBRAS, 2016a).
As ações da Petrobras são negociadas na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de
São Paulo (BMF&Bovespa), na Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE), no Latibex da
Bolsa de Madri e na Bolsa de Comércio de Buenos Aires (PETROBRAS, 2016a).
O Plano de Negócios e Gestão 2017-2021 prevê investimentos de US$ 74,1 bilhões,
sendo 82% deste valor para a área de Exploração e Produção de petróleo no Brasil, com
ênfase em águas profundas. Nas demais áreas de negócios, os investimentos destinam-se,
basicamente, à manutenção das operações e a projetos relacionados ao escoamento da
produção de petróleo e gás natural. (PETROBRAS, 2016a).
A composição acionária da Petrobras é demonstrada na figura 3 abaixo.
Figura 3 – Posição acionária em 31 de dezembro de 2015
1 1 2 1 2 2 2 3 3 3 4 4 4 5 5 5 5 6 6 6 6 7 7 7 7
Fonte: adaptado pelo autor com base no Relatório da Administração, p. 6 (PETROBRAS,
2016b).
2.5.1 Operação Lava Jato
O MPF criou um site específico sobre o caso Lava Jato
1. Conforme MPF:
A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. Estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de reais. Soma-se a isso a expressão econômica e política dos suspeitos de participar do esquema de corrupção que envolve a companhia.
No primeiro momento da investigação, desenvolvido a partir de março de 2014, perante a Justiça Federal em Curitiba, foram investigadas e processadas quatro organizações criminosas lideradas por doleiros, que são operadores do mercado paralelo de câmbio. Depois, o Ministério Público Federal recolheu provas de um imenso esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras.
Nesse esquema, que dura pelo menos dez anos, grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina para altos executivos da estatal e outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários superfaturados. Esse suborno era distribuído por meio de operadores financeiros do esquema, incluindo doleiros investigados na primeira etapa (MPF, 2016).
Este esquema envolveu diversas empreiteiras que se organizaram em um cartel para
substituir concorrência real em contratos de licitação com a Petrobras por uma concorrência
aparente, em que os preços oferecidos à estatal eram calculados e ajustados em reuniões
secretas nas quais se definia quem ganharia o contrato e qual seria o preço, inflado em
benefício privado e em prejuízo dos cofres da estatal. Dentre as empreiteiras envolvidas,
destacam-se Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht e Mendes Junior (MPF, 2016).
Também havia a participação de funcionários da Petrobras no esquema. Eles eram
cooptados pelo cartel de empreiteiras em troca de propina. Tais funcionários se omitiam em
relação ao cartel e os favoreciam, restringindo convidados e incluindo a ganhadora dentre as
participantes do esquema (MPF, 2016).
Outros que estavam envolvidos eram os chamados operadores financeiros ou
intermediários, responsáveis pela intermediação do pagamento de propina e, especialmente,
por entregar os montantes disfarçados de dinheiro limpo aos beneficiários (MPF, 2016).
Além destes, agentes políticos estão envolvidos. São pessoas que integram ou estão
relacionadas a partidos políticos responsáveis por indicar e manter os diretores da Petrobras,
1
com o intuito de praticar diversos crimes, dentre os quais corrupção passiva e lavagem de
dinheiro (MPF, 2016).
Esse envolvimento entre políticos e funcionários revelou-se mais evidente em relação
às seguintes diretorias da estatal: de Abastecimento, ocupada por Paulo Roberto Costa entre
2004 e 2012, de indicação do Partido Progressista - PP, com posterior apoio do Partido do
Movimento Democrático Brasileiro - PMDB; de Serviços, ocupada por Renato Duque entre
2003 e 2012, de indicação do Partido dos Trabalhadores - PT; e Internacional, ocupada por
Nestor Cerveró entre 2003 e 2008, de indicação do PMDB (MPF, 2016).
Com relação aos operadores envolvidos, destacam-se Alberto Youssef, Fernando
Baiano e João Vacari Neto, que atuavam no esquema criminoso como operadores financeiros,
em nome de integrantes do PMDB e do PT (MPF, 2016).
Figura 4: Representação gráfica do esquema
Fonte: Caso Lava Jato (MPF, 2016 – ANEXO A).
1.397 procedimentos instaurados;
654 buscas e apreensões;
174 conduções coercitivas;
76 prisões preventivas;
92 prisões temporárias;
6 prisões em flagrante;
112 pedidos de cooperação internacional;
70 acordos de colaboração premiada;
6 acordos de leniência e 1 termo de ajustamento de conduta;
48 acusações criminais contra 233 pessoas por corrupção, crimes contra o sistema
financeiro internacional, tráfico transnacional de drogas, formação de organização
criminosa e lavagem de ativos;
7 acusações de improbidade administrativa contra 38 pessoas físicas e 16 empresas;
R$ 38,1 bilhões é o valor total de ressarcimento pedido;
R$ 3,6 bilhões referentes à propina são alvo de recuperação por acordos de
colaboração;
116 condenações, contabilizando 1.148 anos de pena.
É importante destacar que este trabalho não está focado nos fatos da Operação Lava
Jato, pois esta ainda está em andamento e pode ser acompanhada em site próprio
(lavajato.mpf.mp.br), mas, sim, nas consequências da investigação, isto é, nas mudanças
econômicas na empresa, fruto dos fatos constatados, especificamente nos aspetos
socioambientais e repercussão para os investidores.
2.5.2 Petrobras e a Teoria da agência
A principal preocupação quando se aplica a teoria da agência ao setor público é
considerar a identidade do principal e do agente (PILCHER, 2014).
O maior acionista da Petrobras é o Governo Federal e, em virtude disso, sofre bastante
influência política em sua gestão (MOURA et al., 2014). Tais influências podem levar a
companhia a tomar decisões com foco nos interesses de seu acionista-controlador (o Governo
Federal) em detrimento dos interesses dos demais investidores (acionistas minoritários): típico
problema decorrente da relação de agência.
Nos últimos anos, tomadas de decisões da empresa, cujas motivações visaram a
objetivos políticos do Governo, aliadas aos escândalos de corrupção investigados no âmbito
da Operação Lava Jato, têm causado graves questões entre a companhia e seus acionistas não
controladores. Estas provocam destruição de valor da organização, impactando diretamente o
preço de suas ações nos mercados de capital.
Cabe destacar as ações coletivas impetradas contra a companhia perante a Corte
Federal para o Distrito Sul de Nova Iorque, nos Estados Unidos (United States District Court
for the Southern District of New York). Dentre os pleitos requeridos pelos autores, cita-se o
ressarcimento de perdas por parte dos adquirentes de valores mobiliários da Petrobrás
negociadas na Bolsa de Nova Iorque (Petrobras, 2016f).
Uma das premissas da Governança Corporativa é a que preza pela boa relação entre
empresa e acionistas. As interferências do governo na Petrobras alinhadas aos esquemas de
corrupção investigados no âmbito da Operação Lava Jato são contrárias a este princípio de
Governança Corporativa, já que afetam, de forma negativa, o valor dos dividendos pagos aos
acionistas. O prejuízo decorrente da insatisfação destes e também dos demais stakeholders
pode ser observado no valor das ações negociadas na bolsa de valores e no resultado
financeiro da empresa.
A figura 5 abaixo apresenta o valor das ações preferenciais (PN) da Petrobras de 2011
a 2016.
A figura 6 abaixo apresenta os resultados consolidados da Petrobras de 2011 a 2016.
Como se pode observar, tanto com relação ao preço de suas ações quanto por seus
resultados, a Petrobras vem tendo um desempenho ruim após a deflagração da Operação Lava
Jato, em comparação com os anos anteriores.
Fonte: elaborado pelo autor com base na cotação das ações obtida no site da
BMF&Bovespa em 21.03.2017
0
5
10
15
20
25
29.12.2011 28.12.2012 30.12.2013 30.12.2014 30.12.2015 29.12.2016
Figura 5: Preço das Ações PN da Petrobras - R$ Bilhões
Fonte: elaborado pelo autor com base nas Demonstrações Contábeis (Petrobras,
2016c).
33
21 24
-22
-35
-15
-40
-30
-20
-10
0
10
20
30
40
31.12.2011 31.12.2012 31.12.2013 31.12.2014 31.12.2015 31.12.2016
A influência que a Petrobras sofre do governo brasileiro, seu acionista majoritário, e
os escândalos de corrupção a que vem sendo submetida nos últimos anos, tem sido
considerado como os motivos que fazem com que a empresa perca a legitimidade de suas
ações e decisões. Isso porque, ao utilizar de seu poder sobre a companhia para atingir
objetivos macroeconômicos, o governo desconsidera os interesses dos acionistas minoritários
e de outros stakeholders.
2.5.3 Petrobras e os Controles antifraudes
Figura 7 – Estrutura Organizacional da Petrobras
Fonte: elaborado pelo autor com base no Organograma da Petrobras (PETROBRAS, 2016c).
Pode-se observar que a Petrobras possui uma estrutura organizacional de acordo com
as principais práticas de Governança Corporativa adotadas pelas grandes corporações. Porém,
como também é de conhecimento geral, esta governança não impediu que os casos de
corrupção aqui descritos deixassem de ocorrer.
Neste sentido, uma análise dos principais controles antifraude da empresa se faz
necessária, a fim de se tentar obter um entendimento de como tais ferramentas são utilizadas
pela companhia.
Canal de denúncias
Iniciando o entendimento pelo Canal de denúncias, de acordo com o site da empresa, o
Canal de denúncias é uma ferramenta independente, sigilosa e imparcial, sob responsabilidade
da Ouvidoria Geral da empresa, que está disponível para os públicos externo e interno.
A Ouvidoria da Petrobras foi criada em 2002, porém ainda não era um órgão formal da
companhia, mas já cumpria sua função de canal direto de comunicação entre os públicos de
interesse e a Alta Administração (PETROBRAS, 2016d).
Em 2005, a Ouvidoria Geral foi oficializada pelo Conselho de Administração e se
tornou o órgão titular do canal de denúncias da Petrobras, por exigência da Lei Sarbanes
Oxley (SOX). Suas atribuições foram definidas pelo Conselho de Administração como:
Assuntos Corporativos Governança, Riscos e Conformidade Estratégia, Organização e Sistema de Gestão Financeira e de Relacionamento com Investidores Refino e Gás Natural Exploração e Produção Desenvolvimento da Produção & Tecnologia Comunicação e Marcas Jurídico Inteligência e Segurança Corporativa Conselho Fiscal Conselho de Administração
Ouvidoria Geral Auditoria Interna
Presidente
Estratégia e Organização