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11 Referencial teórico transdisciplinar

11.3 Perspectiva arquitetônica

11.3.2 Pilares da arquitetura

“Nada é tão perigoso na arquitetura como lidar com problemas separados. Se dividirmos a vida em problemas separados, dividiremos as possibilidades de fazer boas construções artísticas”.10

(Alvar Aalto, arquiteto finlandês)

A obra “De Architectura”, do arquiteto e engenheiro romano Marco Vitrúvio Polião (Marcus Vitruvius Pollio), escrita em 10 volumes em meados de 27 a 16 a.C, , constitui-se no mais antigo tratado arquitetônico conhecido, sendo o único do período greco-romano a ter sido preservado (VITRÚVIO POLIÃO, 2007). Vitrúvio (2007) estabelece como pilares da Arquitetura: estrutura (firmitas), utilidade (utilitas), e estética (venustas), conforme ilustra a Figura 29.

10 Citação original: “Nothing is as dangerous in architecture as dealing with separated problems. If we split life into separated

Figura 29: Tríade vitruviana Fonte: elaborada pela autora

Os pilares, conhecidos como tríade vitruviana, podem ser interpretados como:

 Utilitas (l. utilitatis): utilidade, que remete à comodidade, conveniência ou função. “Expressa os aspectos funcionais da arquitetura, a forma como os edifícios abrigam atividades humanas, como as pessoas vivem e como as sociedades operam no ambiente físico, ou simplesmente as relações dialéticas entre as pessoas e seus ambientes” (SALAMA, 2013). “Arquitetura requer utilidade, deve satisfazer necessidades externas, sua coerência interna não é suficiente. Deve servir aos usos da humanidade e ser vista como sua expressão” (SCOTT, 1914). As questões éticas e socioculturais devem ser consideradas para a compreensão desse princípio, ou seja, os valores humanos.

 Firmitas (l. firmitatis): solidez; durabilidade, refere-se à estabilidade, ao caráter construtivo da arquitetura. “Arquitetura requer consistência, firmeza, que são princípios garantidos pelo uso de matérias-primas (tijolo, concreto, madeira, ferro) e de teorias e modelos científicos para a construção, oriundos da Física, da Engenharia, do Design, que em última instância revelam as propriedades dos materiais e leis que as regem” (SCOTT, 1914). Consideram-se nesse princípio os valores tecnológicos. Para Norberg-Schulz (1971), “a concretização da dimensão existencial depende de como as coisas são feitas, ou seja, depende de forma e tecnologia; “tecnologia inspirada”, como disse Louis Kahn.

 Venustas (l. venustatis): beleza, associada à estética, à capacidade de “encantar as pessoas e elevar seu espírito”. O componente estético e baseia-se no fato de que a arquitetura

“busca expressar conceitos ideais de beleza que emergem de símbolos incorporados em uma cultura particular. Cada um dos princípios vitruvianos relaciona-se de forma interdependente com os outros dois” (SALAMA, 2013). “Arquitetura requer encantamento, o desejo pela beleza, mas não somente pela estética pura e simples, a estética onde a arquitetura torna-se arte” (SCOTT, 1914). Recorrendo-se às origens do termo (HARPER, 2007), ‘estética’ vem do grego aisthetikos, “sensível, perceptivo” ou aisthanesthai, “perceber (pelos sentidos ou pela mente), sentir”. O verbete foi popularizado pela tradução de Immanuel Kant para o inglês, utilizado originalmente pelo filósofo em seu sentido clássico, como “ciência que trata das condições da percepção sensorial”. Isto posto, interpreta-se, para fins deste trabalho, venustas como ‘manifestação’, num sentido amplo, como relativa ao que é percebido pelo sujeito; e como propriedade necessariamente presente na arquitetura, juntamente com os outros dois pilares.

Vitrúvio (2007) elencou ainda como princípios arquitetônicos: ordinatio (ordenação) – o ajuste equilibrado dos detalhes individualmente e como um todo, que leva a um resultado simétrico, feito de dimensões; symmetria (simetria) – comensurabilidade, disposição harmoniosa de um sistema proporcional de medidas, representa a unidade de todas as partes e a relação entre estas e com o todo; dispositio (disposição) – arranjo, é o posicionamento adequado dos elementos arquiteturais, que representam a identidade da obra através de sua composição ou configuração; eurythmia (eurritmia) – qualidade da aparência física, da manifestação, da forma, da estética; decor (conveniência), distributio (distribuição) e ratiocinatio (raciocínio), que determina a teoria como fundamento epistemológico da Arquitetura. Lefas (2000) observa que os conceitos acima muitas vezes se confundem; mas são considerados relevantes em sua essência para este trabalho.

Frederick (2007), em seu livro “101 Things I Learned in Architecture School”, defende que o planejamento e a organização do espaço devem ter como objetivo acomodar necessidades funcionais. E recomenda não se utilizar a arquitetura de maneira arbitrária, mas projetar o espaço “para acomodar um programa, experiência ou intenção específicos, investigando as particularidades das atividades que possivelmente ocorrerão no local“. Ressalta ainda que “o que escolhemos construir importa tanto quanto a aparência da construção, ou o quão bem podemos fazer funcionar”.

Espaço é um termo abstrato para um complexo conjunto de ideias. Apesar de variáveis culturalmente, é possível identificar semelhanças ou princípios fundamentais da organização espacial, tais como: postura e estrutura corporal; e as relações entre seres humanos. O homem na experiência íntima com seu corpo e com outras pessoas,

(TUAN, 1977).

Roger Scruton (1980), filósofo da estética, enumera cinco características que distinguem a Arquitetura das outras artes: (1) caráter funcional - edificações são projetadas para atender a necessidades; (2) caráter localizado - construções estão localizadas em determinado lugar e determinado ambiente; (3) caráter técnico – é uma ciência, bem como uma arte; (4) caráter público – edifícios, mesmo casas particulares, estão geralmente visíveis ao público; e (5) caráter artístico - é uma arte vernacular de múltiplos objetivos.

Numa visão crítica ao tecnicismo, Salingaros (2007) alerta para a necessidade de reconsiderar a relação entre ciência e arquitetura – “o papel da ciência não deve ser incrementar tecnologias por si, mas melhorar a condição humana, colocando o ser humano no centro do processo criativo e construtivo”.

Naquele tempo, Vitrúvio já fazia referências à interdisciplinaridade da Arquitetura e à sua intencionalidade na produção de significados, o que ratifica a atualidade de seu texto:

A ciência do arquiteto é ornada de muitas disciplinas e de vários saberes, estando a sua dinâmica presente em todas as obras oriundas das restantes artes, que nasce do justo equilíbrio da prática e da teoria e que na Arquitectura, de uma feição especial, se verificam estas duas realidades: o que é significado e o que significa (VITRÚVIO POLIÃO, 2007).