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4 PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL E AS POSSIBILIDADES DE

4.3 O PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL A PARTIR DA LEI Nº 12.608/

Mediante a afirmação das pesquisas atuais, que permitem observar que a ocorrência de desastres aumentou consideravelmente no Brasil, nos últimos anos (especialmente dos anos 2000 em diante), é possível notar, também, que esta demanda ensejou uma necessidade da ampliação de investimentos e reestruturação das Defesas Civis, nas três esferas governamentais (União, Estados e Municípios), o que até então não detinha a atenção necessária. O papel da Defesa Civil passa a ser de singular relevância para as atividades de prevenção, resposta e superação de desastres.

Assim, para uma melhor introdução na temática, é esclarecedor o conceito de desastre tecido por Carvalho, para quem:

Os desastres consistem, conceitualmente, em cataclismo sistêmico de causas que, combinadas, adquirem consequências catastróficas. Por tal razão, o sentido de desastres ambientais (naturais e humanos) é concebido a partir da combinação entre eventos de causas e magnitudes específicas. Em outras tintas, trata-se de fenômenos compreendidos a partir de causas naturais, humanas ou mistas sucedidas por eventos de grande magnitude, irradiando danos e perdas significativas ambiental e socialmente 374.

A presente pesquisa está relacionada com as causas mistas mencionadas pelo referido autor, dado que tais eventos sejam naturais; porém as consequências dele resultantes são agravadas a partir da colaboração humana.

A afirmação de que os desastres assim definidos aumentaram no território brasileiro, se baseia nos percentuais atualizados até 2012, constantes no gráfico 2 a seguir:

374 CARVALHO, Délton W.; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 27.

Gráfico 2: Percentuais de Desastres Naturais no Brasil de 1991 a 2012.

Fonte: Relatório: Proteção aos Direitos Humanos das Pessoas Afetadas por Desastres375

Tais percentuais se traduzem em 38.996 ocorrências registradas, “sendo que 8.515 (22%) registros ocorreram na década de 1990; 21.741 (56%) ocorreram na década de 2000; e apenas nos anos de 2010, 2011 e 2012 este número já soma 8.740 (22%)376”.

A estiagem seca contempla a maior incidência registrada, com 20.009 casos, seguida pelas enxurradas com 8.056 casos, pelas inundações, com 4.694 casos, pelos vendavais com 2.757 casos, seguido pela incidência de granizos com 1.638 casos e outros registros que somam 1.842 casos, conforme se observa no gráfico 3, a seguir:

Gráfico 3: Registros de desastres naturais mais recorrentes no Brasil de 1991 a 2012

Fonte: Relatório: Proteção aos Direitos Humanos das Pessoas Afetadas por Desastres377

375 FURTADO, Janaína R.; SILVA, Marcela S. (Org.). Proteção aos direitos humanos das pessoas afetadas

por desastres. Florianópolis: CEPED UFSC, 2014, p. 28. Disponível em < http://www.ceped.ufsc.br/wp-

content/uploads/2014/01/Protecao-aos-Direitos-Humanos.pdf>. Acesso em 01 jul 2016. Acesso em 01 jul 2016. 376 Id.

Além disso, esse aumento significou, por consequência, o aumento do número de pessoas atingidas, sendo que, em 2012, esse número chegou ao total de 127 milhões de afetados divididos entre os eventos citados no gráfico 4, que segue. Dentro destes números, as enxurradas foram as responsáveis pelo maior número de mortos, com 58,15% do total de registros, acompanhado de 15,60% por movimentos de massa378.

Gráfico 4: Porcentagem de pessoas afetadas por tipo de desastres

Fonte: Relatório: Proteção aos Direitos Humanos das Pessoas Afetadas por Desastres379

Ainda, segundo consta no Relatório elaborado pelo Centro Universitário de Estudos e Pesquisas Sobre Desastres, um número considerável de brasileiros habita áreas de risco de desastre no território brasileiro. O mesmo relata que dos 734 municípios, mapeados até julho de 2014, constam em torno de 7.661 setores de risco a inundações e deslizamentos, onde se encontram 688.443 moradias e 2.892.009 pessoas, sendo que há possibilidade de que este número ultrapasse os três milhões de habitantes, pois existem mais municípios a serem contabilizados380.

Diante de todo este cenário preocupante, o Plano Nacional de Defesa Civil, criado em 2007, culminou na publicação da Lei nº 12.608/2012381, que institui a Política Nacional de

377 Id. 378 Id. 379 Ibid., p. 29. 380 Ibid., p. 31 381

BRASIL. Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil03/Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm>. Acesso em 08 jan. 2017.

Proteção e Defesa Civil – PNPDEC, dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil - SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC e autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres, promovendo alterações significativas em outras leis que dizem respeito à ocupação do solo urbano no Brasil, constituindo-se como importante ferramenta para o enfrentamento dos desastres no país.

Assim, plano e política servem de balizas para orientar a gestão do risco. Mais que isso, na visão de Carvalho,

[...] a importância do plano não é apenas estabelecer competências, orientação e guia para as tomadas de decisão no momento oportuno, mas, acima de tudo, obrigar um constante processo institucional e coletivo de reflexão preventiva acerca dos desastres, criando um cenário de verdadeiro preparo dinâmico e construtivista382. Para tanto, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil vai abranger ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação de desastres383, voltadas à proteção e à defesa civil, com vistas a fomentar o desenvolvimento sustentável384.

Relevante à inclusão no inciso XI, do art. 5º de que, dentre os objetivos desta Lei, consta a menção de combater a ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco e promover a realocação da população residente nessas áreas.

Referido teor reforça a necessidade de se impedir que novas áreas frágeis sejam ocupadas, bem como passa a impor, aos entes públicos,atitudes para que as populações ali residentes sejam realocadas para locais seguros, situando-se como um ponto de apoio à responsabilização do Estado pela permissão de ocupação dessas áreas e evitando que o mesmo apenas faça o despejo de famílias que ali residem385.

382 CARVALHO, Délton W. de. Desastres ambientais e sua regulação jurídica: deveres de prevenção, reposta e compensação ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 77.

383

Nestes termos o art. 3º da Lei nº 12.608/2012.

384 Assim o Parágrafo Único, do at. 3º da citada Lei: A PNPDEC deve integrar-se às políticas de ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação, ciência e tecnologia e às demais políticas setoriais, tendo em vista a promoção do desenvolvimento sustentável.

385 Cita-se aqui como exemplo o caso do Recurso Especial nº 403.190/SP, no Superior Tribunal de Justiça, referente à ocupação, via loteamento clandestino, do entorno da Represa Billings, fonte de abastecimento para a cidade de São Paulo/SP. Defendendo interesse público, o Ministério Público, busca a desocupação da área e a respectiva responsabilização dos moradores e do vendedor do clandestino loteamento. Por outro lado, os moradores buscam defenderem-se alegando que o Município permitiu as edificações e sua insuficiência material para deixar a área A decisão do recurso determinou que a área fosse desocupada, por ser área de interesse coletivo (reserva hídrica) e a reparação da área degradada pelos moradores. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 403.190/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Brasília, DF, 27 de junho de 2006. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 01 jul. 2016.

No que tange ao planejamento urbano, cumpre ressaltar que a Lei nº 12.608/2012, introduziu significativas alterações na Lei nº 10.257/2001, em especial inserindo os artigos 42-A e 42-B. O primeiro estabelece que os Planos Diretores dos municípios integrantes do cadastro nacional de áreas de risco, contenham parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, mapeamento das áreas de risco (deslizamentos e/ou inundações), planejamento de ações preventivas, estabelecendo plano de realocação das populações em áreas de risco, medidas de drenagem para prevenção e mitigação de desastres, bem como diretrizes para regularização fundiária dos assentamentos urbanos irregulares386.

Para as ampliações do perímetro urbano, a lei insere no Estatuto da Cidade a necessidade de elaborar um projeto específico, contendo demarcação do novo perímetro, definição de trechos restritos para urbanização e com ameaça de desastres, definição de parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, bem como definição de mecanismos de distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização do território de expansão urbana e a recuperação, para a coletividade, da valorização imobiliária resultante da ação do poder público387.

386 BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/LEIS_2001/L10257.htm.> Acesso em 08 jan. 2017. Art. 42-A. Além do conteúdo previsto no art. 42, o plano diretor dos Municípios incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos deverá conter: I - parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e a contribuir para a geração de emprego e renda; II - mapeamento contendo as áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos; III - planejamento de ações de intervenção preventiva e realocação de população de áreas de risco de desastre; IV - medidas de drenagem urbana necessárias à prevenção e à mitigação de impactos de desastres; e, V - diretrizes para a regularização fundiária de assentamentos urbanos irregulares, se houver, observadas a Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, e demais normas federais e estaduais pertinentes, e previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, onde o uso habitacional for permitido. § 1o A identificação e o mapeamento de áreas de risco levarão em conta as cartas geotécnicas. § 2o O conteúdo do plano diretor deverá ser compatível com as disposições insertas nos planos de recursos hídricos, formulados consoante a Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997. §3o Os Municípios adequarão o plano diretor às disposições deste artigo, por ocasião de sua revisão, observados os prazos legais. § 4o Os Municípios enquadrados no inciso VI do art. 41 desta Lei e que não tenham plano diretor aprovado terão o prazo de 5 (cinco) anos para o seu encaminhamento para aprovação pela Câmara Municipal.

387 BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/LEIS_2001/L10257.htm.> Acesso 08 jan. 2017. Art. 42-B. Os Municípios que pretendam ampliar o seu perímetro urbano após a data de publicação desta Lei deverão elaborar projeto específico que contenha, no mínimo: I - demarcação do novo perímetro urbano; II - delimitação dos trechos com restrições à urbanização e dos trechos sujeitos a controle especial em função de ameaça de desastres naturais; III - definição de diretrizes específicas e de áreas que serão utilizadas para infraestrutura, sistema viário, equipamentos e instalações públicas, urbanas e sociais; IV - definição de parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e contribuir para a geração de emprego e renda; V - a previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, quando o uso habitacional for permitido; VI - definição de diretrizes e instrumentos específicos para proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural; e, VII - definição de mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização do território de expansão urbana e a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária resultante da ação do

O êxito desta lei depende não apenas da aplicabilidade de suas medidas, especialmente no que diz respeito ao regramento da ocupação do solo, como plano de mitigação dos riscos, mas também como medida a ser observada como prevenção, a fim de evitar que novos indivíduos sejam expostos à propensão de eventos catastróficos.

Além disso, como ressalta Carvalho, a competência atribuída aos municípios pela Constituição Federal, em seu art. 30, VIII, coloca os municípios como elementares na gestão dos riscos de desastres, vez que a grande maioria dos desastres, vivenciados no território brasileiro,é originários das ocupações de áreas de risco, “com o descumprimento da legislação ambiental e com o incremento da incidência de eventos climáticos extremos388”. Tal competência demonstra, novamente, que a mitigação dos efeitos destes eventos danosos passa pelo planejamento adequado do solo urbano ou pela correção das ocupações irregulares para evitar novos desastres.

Todas essas medidas visam o restabelecimento e/ou manutenção da sustentabilidade do espaço urbano. Todavia, não há que se falar em sustentabilidade se a sociedade permite que indivíduos sejam mantidos ou destinados para situação de risco e, em função disso, tanto causem quanto sejam vítimas da degradação ambiental e dos eventos naturais dela resultantes.

Neste sentido, urgente a adoção de medidas capazes de evitar ou até mesmo de corrigir as falhas que foram se agravando no processo de urbanização das cidades brasileiras e destinando indivíduos a habitarem áreas de risco.

Assim, como elucida Acselrad:

[...] ao contrário dos conceitos analíticos voltados para a explicação do real, a noção de sustentabilidade está submetida à lógica das práticas: articula-se a efeitos sociais desejados, a funções práticas que o discurso pretende tornar realidade objetiva. Tal consideração nos remete a processos de legitimação de práticas e atores sociais389.

Vislumbra-se, portanto, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil dentre esses processos de legitimação, capazes de envolver instituições e atores sociais na criação e melhoria das estruturas habitacionais oferecidas, em especial, às populações de baixa renda,

poder público. §1o O projeto específico de que trata o caput deste artigo deverá ser instituído por lei municipal e atender às diretrizes do plano diretor, quando houver. §2o Quando o plano diretor contemplar as exigências estabelecidas no caput, o Município ficará dispensado da elaboração do projeto específico de que trata o caput deste artigo. §3o A aprovação de projetos de parcelamento do solo no novo perímetro urbano ficará condicionada à existência do projeto específico e deverá obedecer às suas disposições.

388CARVALHO, Délton W. de. Desastres ambientais e sua regulação jurídica: deveres de prevenção, reposta

e compensação ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 78.

389 ACSELRAD, Henri. A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p. 29.

as quais se veem ainda mais fragilizadas diante da premência de um desastre. Idealizar áreas sustentáveis e realocar as populações habitantes de áreas insustentáveis torna-se medida que não pode ser adiada.

4.4 ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO: O ESTATUTO DA CIDADE E A POLÍTICA