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Reconhecendo que a gestão de RSU faz parte do campo das políticas públicas e que deriva de uma legislação federal no Brasil, esta seção abordará tal conceito e

67 explorará seus elementos constituintes, de forma a complementar a revisão bibliográfica deste trabalho.

Subirats et al. (2008) destacam que os atores do setor público nas democracias ocidentais, seja em nível nacional, regional ou local, lidam com uma série de desafios, como: atender às diferentes demandas e interesses distintos dos cidadãos, reduzir déficits orçamentários, manter certa capacidade de controle polític o da economia, resolver conflitos de desigualdade e exclusão de grupos so ciais, responder à necessidade de profissionalização da gestão pública, avaliar sistematicamente o cumprimento de leis e regulamentos, facilitar e dialogar por soluções consensuais, entre outras questões.

A análise das políticas públicas busca fornecer elementos de compreensão e respostas às questões fundamentais sobre eficácia, legitimidade e sustentabilidade das ações públicas. Toda política pública visa resolver um problema público reconhecido. É a resposta da gestão pública para uma situação da realidade social. Os sintomas de determinada problemática social são geralmente o ponto de partida para o debate da necessidade de uma política pública.

Souza (2006) afirma que não existe uma única definição sobre o que seja uma política pública, mas reconhece que a mais conhecida continua sendo a de Harold Laswell, segundo a qual as decisões e análises sobre política pública implicam responder às questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz. A autora resume o conceito como: “O campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‘colocar o governo em ação’ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente) ” (SOUZA, 2006).

A autora também reforça que a formulação de políticas públicas ocorre durante o processo em que os governos democráticos transmitem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que gerarão resultados à sociedade, os quais serão submetidos a monitoramento e avaliação. Constitui-se como um campo holístico que situa diversas unidades em totalidades organizadas.

Subirats et al. (2008) consideram a análise de uma política pública um campo multidisciplinar e apresentam oito elementos constitutivos para tal:

68 a) Solução de um problema público: esta definição implica o reconhecimento de um problema ou situação de insatisfação social ou pública, cuja solução exija a ação do setor público;

b) Existência de um grupo-alvo na origem de um problema público: isto quer dizer que toda política pública visa modificar ou instruir o comportamento de um determinado grupo da população. A ação busca identificar os geradores, direta ou indiretamente, do problema e quais os objetivos coletivos aos quais a política pública deve endereçar-se. Caso não ocorram mudanças comportamentais, as ações do poder público se aproximariam mais de uma carta de boas intenções do que de uma política autêntica e efetiva;

c) Coerência ao menos intencional: pressupõe-se que as decisões e ações realizadas devam estar interligadas e relacionadas à vontade e à intenção do gestor público. Por exemplo, não adianta ter uma política que busque incentivar o munícipe a utilizar transporte público se ao mesmo tempo se diminuem os impostos para a indústria automobilística produzir e vender mais veículos;

d) Existência de diversas decisões e atividades: para a política pública existir, não bastam somente declarações; é necessário que haja um conjunto de ações concretas, que se reconheçam os atores sociais envolvidos e que fiquem claras as medidas executadas. Ou seja, ultrapassa-se o nível de uma única decisão, mas não chega a ser uma declaração de caráter amplo ou genérico;

e) Programa de intervenções: a política pública deve ser um conjunto de ações. Se há um programa de intervenção com somente uma ação prevista, ele não é considerado uma política pública, mas sim um produto, dentre outros, que a constitui.

f) Papel-chave dos atores públicos: este elemento constitutivo afirma que, aqueles que adotam e levam adiante as decisões e ações das políticas públicas, o façam na sua condição de atores públicos, reconhecendo o próprio papel essencial. É fundamental a existência de atores formais, reconhecidos pela população, integrados na gestão pública ou mesmo nas instituições privadas, que possuam a legitimidade jurídica necessária para decidir, agir e levar adiante as ações da política pública definida; g) Existência de atos formais: a política pública envolve a produção de atos formais que

visem orientar o comportamento de grupos ou indivíduos de acordo com as situações em que o problema se origina. Nesse sentido, pressupõe-se uma fase de execução de

69 medidas ou regulações. O que muitas vezes ocorre é uma omissão dos gestores públicos na utilização de certos instrumentos de intervenção;

h) Natureza mais ou menos obrigatória sobre as decisões e atividades: as ações de intervenção tomadas pelo poder público podem ter o caráter coercitivo, imposta por alguma regulação, ou o caráter de incentivador, que não necessariamente implicará alguma punição.

Os autores reconhecem o desenvolvimento de uma política pública como um processo cíclico, que se inicia com o surgimento e o reconhecimento de um problema e se prolonga pela formulação, implantação e avaliação. É um fluxo sequencial e contínuo que deve estar sempre em revisão e aprimoramento.

Essa perspectiva cíclica não deve ser usada mecanicamente, mas sim aten tar para o fluxo contínuo de decisões e procedimentos que devem estar em constante revisão, avaliação e aprimoramento, considerando que políticas públicas lida m com problemas sociais complexos, em constante movimentação. A Figura 26 ilustra essa proposta. Figura 26 – O ciclo de uma política pública

70 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este capítulo tem como objetivo apresentar a estrutura, o método e os procedimentos de pesquisa adotados neste trabalho aplicado.

A metodologia do estudo será qualitativa, com abordagem de pesquisa positivista e dedutiva. A estratégia de pesquisa será um estudo de caso de natureza descritivo-(exploratória). A pesquisa qualitativa é utilizada, dentre várias possibilidades, para estudar fenômenos que envolvam seres humanos e suas intrínsecas relações sociais, estabelecidas em diversos ambientes (GODOY, 1995).

Yin (2010) afirma que a estratégia de pesquisa é oriunda dos seguintes critérios: (i) forma de questão de pesquisa; (ii) exigência de controle sobre eventos comportamentais; e (iii) enfoque em eventos contemporâneos. Dessa forma, o autor aponta cinco estratégias de pesquisa a partir de situações relevantes, conforme Tabela 02.

Tabela 02 – Situações relevantes para diferentes métodos de pesquisa

Método Forma de questão de

pesquisa

Exige controle dos eventos comportamentais?

Enfoca eventos contemporâneos?

1. Experimento Como, por quê? Sim Sim

2. Levantamento (survey)

Quem, o quê, onde, quanto(s)?

Não Sim

3. Análise de arquivos

Quem, o quê, onde, quanto(s)?

Não Sim/Não

4. Pesquisa histórica Como, por quê? Não Não

5. Estudo de caso Como, por quê? Não Sim

Fonte: Yin, 2010, p. 29

Segundo Yin (2010), o estudo de caso é uma abordagem qualitativa, baseada na análise de dados, a partir de documentos oficiais e estudos técnicos. É um método de pesquisa utilizado quando as questões exigem um detalhamento profundo do fenômeno social pesquisado. Ele permite a investigação e a exploração de um caso específico, mas com uma perspectiva geral do mundo real, considerando os processos e os comportamentos de organizações, comunidades ou setores. É a investigação de um fenômeno contemporâneo em profundidade.

Trata-se de uma metodologia que busca um profundo entendimento de unidade social e se tornou uma estratégia para responder perguntas de “como” ou “por quê” fenômenos ocorrem, principalmente quando não se controla o objeto de estudo. Segundo Godoy, “o estudo de caso se caracteriza como um tipo de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente. Visa ao exame detalhado de um ambiente, de um simples sujeito ou de uma situação em particular” (GODOY, 1995, p. 25).

71 Yin (2010) afirma que uma grande preocupação a respeito de tal metodologia seja a falta de vigor da pesquisa, a qual negligenciaria dados, ao aceitar evidências equivocadas e ao influenciar na definição e no resultado das descobertas e das conclusões. Outra limitação do estudo de caso é a dificuldade de fazer generalizações a partir da pesquisa, uma vez que não tem como objetivo representar uma “amostragem”, mas sim expandir teorias de forma analítica. No estudo de caso, o pesquisador deve se atentar a mostrar a multiplicidade de dimensões presentes em determinada situação, considerando a complexidade dos fenômenos sociais. Sendo assim, para um estudo efetivo é importante enfatizar as diversas dimensões com que ele se apresenta, considerando e destacando o contexto abrangido. As contradições e conflitos, características dos contextos sociais, devem estar presentes no estudo para compreensão do leitor.

Este trabalho se encaixa dentro do estudo de caso, já que busca explorar como (utilizando- se o termo “de que forma”) a política pública de São Paulo integra atributos e características do conceito Resíduo Zero. Dessa forma, trata-se da investigação de um fenômeno social atual, abordado com profundidade, a partir de seu contexto real.

A pergunta formulada foi a seguinte: de que forma a cidade de São Paulo integra princípios e diretrizes de “Resíduo Zero” em sua política pública de gestão integrada de resíduos sólidos?

Esta análise será realizada inicialmente com base na proposta de Subirats et al. (2008), que abordam os elementos constituintes das políticas públicas. Para compor a análise, será utilizado o modelo de Pietzsch, Ribeiro e Medeiros (2017), que desenvolveram “fatores críticos de sucesso” para a implantação de estratégias de Resíduo Zero com o objetivo de apoiar uma análise mais objetiva sobre Resíduo Zero. Ainda assim, a análise também será articulada com o conjunto de conceitos da revisão bibliográfica mais ampla sobre o “Resíduo Zero”, considerando que ainda é uma termo em desenvolvimento.

O objetivo será compreender como o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS) da cidade de São Paulo, lançado em 2014, com base em sua construção e estruturação, e considerando a análise a partir do olhar de uma política pública municipal, incorpora atributos e elementos do conceito Resíduo Zero.

A pesquisadora optou por realizar uma análise qualitativa abrangente, sem se aprofundar em pontos técnicos específicos do plano, como por exemplo escolhas tecnológicas para o gerenciamento de resíduos, considerando que o tema da gestão de resíduos é amplo e carrega especificidades técnicas de vários campos do conhecimento.

72 Para a realização do trabalho, foram utilizados métodos recomendados em estudos exploratórios, como: revisão bibliográfica sobre o desafio de gestão do RSU em cidades de países em desenvolvimento; revisão bibliográfica dos principais conceitos ligados à sustentabilidade e gestão de resíduos; e consulta a publicações especializadas e a pesquisas que analisam e acompanham a evolução do setor no mundo e no Brasil. Para a unidade de análise da política pública de gestão de RSU da cidade de São Paulo, o principal documento utilizado foi o PGIRS/SP, de domínio público, que detalha o plano municipal. Os dados secundários de sítios eletrônicos e informações veiculadas em jornais e revistas complementaram o entendimento da gestão de resíduos da cidade de São Paulo.

Adicionalmente, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com dois profissionais envolvidos na política pública de gestão de resíduos de São Paulo, a fim de embasar a compreensão e o aprofundamento da análise. As gravações das entrevistas totalizaram 4 horas e foram realizadas com os seguintes entrevistados:

• Entrevistado 1: Antônio Storel – Consultor sênior em Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Urbanos, que participou ativamente da elaboração do PGIRS de São Paulo, tendo trabalhado na Prefeitura de São Paulo à época do lançamento do Plano. Entrevista realizada em 19/07/2019 das 14h às 16h30.

• Entrevistado 2: Francisco (nome fictício) – Coordenador da AMLURB – Autoridade Municipal de Limpeza Urbana de São Paulo, responsável pela coordenação do plano de compostagem da cidade. Entrevista realizada em 22/07/2019 das 9h às 10h30. Além das entrevistas, foram realizadas 3 visitas in loco: uma à central mecanizada de triagem de resíduos secos Ponte Pequena, ao pátio de compostagem da Lapa (o primeiro da cidade) e à AMLURB (Autoridade Municipal de Limpeza Urbana). E com o objetivo de aprofundar o estudo, foram enviadas perguntas por escrito à AMLURB e à Loga – consórcio responsável por parte da coleta e da destinação de resíduos de São Paulo. As respostas apoiaram na conferência e checagem de dados, novas informações e eventuais posicionamentos das organizações sobre a gestão de resíduos da cidade.

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4 APRESENTAÇÃO DO ESTUDO DE CASO

Este estudo de caso busca analisar a incorporação de princípios e diretrizes do conceito Resíduo Zero na política pública de gestão de resíduos sólidos urbanos da cidade de São Paulo. O capítulo está dividido em duas partes. A primeira traz o cenário atual da gestão de RSU da cidade, iniciado por uma contextualização mais geral sobre São Paulo e passando pelo histórico, números atuais do RSU, contratos vigentes com prestadores de serviços, coleta, destinação final e reciclagem de resíduos secos e orgânicos. A segunda seção é focada na unidade de análise do PGIRS/SP, considerando a pergunta de pesquisa.

Ao longo da apresentação do estudo de caso, os dados sem citação referem-se a informações coletadas nas entrevistas com os profissionais contatados. Contudo, algumas de suas frases são atribuídas a eles diretamente por se mostrarem muito relevantes à análise do caso. O restante dos dados, com as fontes citadas, são de informações públicas disponibilizadas pela Prefeitura de São Paulo, sítios eletrônicos, relatórios diversos, reportagens jornalísticas, além do próprio documento do PGIRS/SP.

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