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Embora a suspensão do volume da casa e a sua exposição à paisagem se aproximem da “plataforma contemplativa”, antagónica à estratégia de Radic na Casa para el

Poema del Angulo Reto, essas qualidades não excluem a possibilidade de fomentar

uma relação táctil com a natureza, uma sensação de viver “nela”, e não apenas de estar perante ela. O limite sul da casa, o único totalmente transparente, é constituído por um sistema de janelas deslizantes que permite prolongar a atmosfera do exterior para o interior, convertendo o grande espaço, a sul, em semi-exterior. Como fundo, a paisagem apresenta uma linha de horizonte interrompida pelos troncos das árvores que, interferindo desde distâncias varáveis, avançam sobre o espaço interior. A interferência dos troncos no interior provoca uma percepção da casa como mera virtualidade, a ilusão da inexistência de limites reais que detenham o avanço da natureza. Este avanço alcança inclusivamente a sua zona mais íntima, no corredor de acesso aos quartos, onde a intromissão de um tronco força o habitante a contorná-lo. Os troncos não são apenas elementos estranhos ao dispositivo arquitectónico pela sua forma ou distribuição, mas também por serem elementos vivos e instáveis, que transportam para o interior da casa o próprio movimento causado pelo vento.

O realce de alguns aspectos deste projecto revela como o comprometimento com a preservação do lugar não só é compatível com a experimentação, como também pode ser o ponto germinador de uma experiência singular. Esse comprometimento já era expresso pela intenção de partida — a de “instalar uma situação, repousar ali, à sombra, perto das árvores, tocar as árvores [...]”4 –, na qual, para além da atitude de

preservação, a noção de instalação também sugeria um modo específico de introduzir o objecto no lugar e de o vulnerabilizar às suas interferências. Instalar é diferente de

integrar ou de dissolver, pois implica a manutenção de uma hierarquia entre aquilo que

existe e aquilo que se introduz, sugerindo também, por isso, um cuidado reforçado nessa introdução, através da actuação cirúrgica. A conservação dessa hierarquia, enfraquecida noutros projectos através da dissolução do objecto na paisagem, traz implícita uma ideia de arquitectura, sobretudo quanto à sua permanência, que a separa do gesto paisagístico. Esta arquitectura não ambiciona modificar ou confundir-se com a paisagem porque se encontra apenas instalada, porque se define apenas como uma disposição provisória de elementos cuja finalidade se extingue na possibilitação de acontecimentos (da habitação daquele lugar).

4. LACATON, A., VASSAL, J.P. Freedom of use. Comunicação apresentada na Universidade de Harvard, Cambridge, 2015.

LACATON & VASSAL - INSTALAÇÃO

23 22 20 21 20, 21. Instalação da estrutura da casa. 22. Tronco no corredor de acesso aos quartos. 23. Vista para sul.

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24. Faculdade de Arquitectura de Nantes, Lacaton & Vassal, 2009.

LACATON & VASSAL - SISTEMA

3.2.3. Sistema

Faculdade de Arquitectura de Nantes (2009)

Como ponto de partida para o projecto da Faculdade de Arquitectura de Nantes, pode destacar-se uma problematização em torno do programa. Como acontece em vários dos projectos anteriormente referidos, não se trata apenas de pensar a forma ou organização que melhor sirva esse programa, mas sobretudo de o (re)definir, admitindo uma certa instabilidade ou indeterminação, e evitando organizações restritivas do dispositivo arquitectónico. Para Lacaton & Vassal, a aprendizagem da arquitectura não se pode compreender como um processo imutável, que possa ser isolado das condições reais e das necessidades concretas do presente. Pelo contrário, essa aprendizagem alimenta-se de um debate contínuo e alargado, que não deve restringir-se à comunidade académica, mas deve também abranger os diversos agentes envolvidos na transformação urbana, sobretudo os habitantes. Neste sentido, em vez de procurar a tipologia que melhor corresponda às exigências de uma escola de arquitectura segundo um entendimento convencional, procura-se antes um sistema capaz de gerar a maior flexibilidade possível, possibilitando apropriações diversas dos espaços, e permeabilizando simultaneamente o ambiente académico à vida urbana. O retorno às qualidades essenciais que o programa deve reunir, atendendo à sua natureza e ao meio onde se insere, resulta, neste caso, na debilitação da sua definição tipológica, levando a que, mais do que materializar uma escola de arquitectura, o problema passe por garantir uma plataforma de debate e informação aberta a toda a cidade.

Num primeiro gesto, Lacaton & Vassal procedem pela instalação de um “sistema de alta capacidade”, “como um velho edifício industrial que poderia já estar ali.”1 Essa

espécie de esqueleto consiste numa estrutura robusta, de betão, semelhante à da casa dom-ino: três plataformas, suportadas por uma grelha de pilares, intersectadas por duas caixas de escadas, e unidas por uma sucessão de rampas. A organização da planta de cada plataforma não se vincula a uma organização programática específica, aproximando-se de um typical plan, resultante do sistema mais eficiente na maximização da superfície — uma grelha ortogonal de pilares e vigas —, e dos dispositivos de ligação entre os vários pisos — duas caixas de escadas e as rampas. A economia desse sistema construtivo possibilita que, com um orçamento previsto para uma área de 9.000 m2, a estrutura alcance uma superfície de 30.000 m2, resultando

em espaços de alturas entre 7 e 9 metros, e em plataformas com uma capacidade de suporte de cerca de 1.000 kg/m2. Ao permitirem que ela funcione como suporte de

construções secundárias, as qualidades desta estrutura permitem considera-la, não propriamente como materialização de uma escola de arquitectura, mas como um

meio no qual esta se pode instalar.

1. LACATON, A., VASSAL, J.P. Freedom of use. Comunicação apresentada na Universidade de Harvard, Cambridge, 2015

93 92 PERTURBAÇÕES 25 27 26 25. Theoreme 909, Life-

magazine, recuperado por

Rem Koolhaas em Delirious

New York, 1978.

26. Projecto para o concurso