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O PLL 65/2015 – recorde de sessões e uma vitória dos movimentos negros

CAPÍTULO 2 – O Legislativo, a ação afirmativa e a política do reconhecimento

2.2. Os processos legislativos em Porto Alegre: da tramitação, do veto e das aprovações

2.2.3. O PLL 65/2015 – recorde de sessões e uma vitória dos movimentos negros

Antes mesmo da votação que manteria, ou não, o Veto imposto pelo Prefeito ao projeto que fora apresentado em 2013 (PLL 365/13), o vereador Delegado Cleiton (PDT) protocolou um novo Projeto de Lei em 19 de março de 2015, que tramitou sob o número PLL 65/15 na Câmara Municipal. A estratégia era semelhante à do PLL anterior, de sanar a “ilegalidade” do feriado, referida tanto pela Procuradoria como pelas Comissões da Câmara, e pelas ADIns julgadas pelo TJRS. No entanto, não apenas propunha a definição do feriado de 20 de Novembro, mas o fazia através da alteração da Lei que fixava os feriados no Município. Ela consistiu em modificar a alínea a do caput do Art. 1º da Lei nº 3.033, de 196759 e suas alterações posteriores, com a seguinte nova redação:

Art. 1º São os seguintes os feriados religiosos no município de Porto Alegre: a) fixos: 2 de fevereiro, consagrado a Nossa Senhora dos Navegantes, e 20 de novembro, consagrado ao Dia da Consciência Negra e da Difusão da Religiosidade.

Com essa proposta, o feriado de 2 de novembro, dedicado aos Mortos, seria suprimido da Lei Municipal, considerando que a Lei Federal nº 662, de 194960, já declarava o feriado aos Mortos em nível nacional. O novo projeto sanaria dois entraves apresentados nas tentativas

59 Lei nº 3.033/1967: “Declara feriados religiosos municipais: fixos – 2 de fevereiro, consagrado a Nossa Senhora

dos Navegantes, e 8 de dezembro, consagrado a Nossa Senhora da Conceição; móveis – Sexta-feira da Paixão e Corpus Christi”. Esta Lei foi alterada posteriormente, em duas oportunidades, até o novo texto apresentado pela Lei nº 11.971/2015, que redundou do PLL 65/15, aqui observado. Os atos que alteraram a Lei de 1967 são os seguintes: Lei nº 3.550, de 1971, “Art. 1º São os seguintes os feriados religiosos no município de Porto Alegre: fixos – 2 de fevereiro [...]; 2 de novembro, consagrado aos mortos; 8 de dezembro [...]. móvel – Sexta-feira da Paixão”. Lei nº 4.453, de 1978, “Art. 1º Ficam sendo os seguintes feriados religiosos no Município de Porto Alegre: a) fixos: 2 de fevereiro [...]; 2 de novembro [...]; b) móveis: Sexta-feira da Paixão; Corpus Christi”. Disponível em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/netahtml/sirel/, consulta em 16/05/2019.

60 Lei nº 662, de 1949. “Art. 1º São feriados nacionais os dias 1º de janeiro, 21 de abril, 1º de maio, 7 de setembro,

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anteriores de aprovação da Lei: o número limite de feriados e a necessidade de que possuíssem caráter religioso. Como a Lei nº 9.093 de 1995, Art. 2º, estabelecia que “são feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-feira da Paixão”, Porto Alegre, sem o Dia dos Mortos como feriado e incluído o 20 de novembro, ainda teria um dia de feriado “livre”. A reapresentação do Projeto de Lei pelo vereador Del. Cleiton antes mesmo da votação do Veto é uma forte expressão de resistência, com a pré-visualização de derrota pelo Executivo e pelos colegas na Câmara, de uma Lei aprovada com ampla maioria. Ainda mais, insistiu em colocar em pauta a matéria e permitir a continuidade das discussões, que se aprofundaram nesta fase.

O Parecer nº 179/15 da Procuradoria da Câmara, neste processo, embora tenham sido retomados, pelo autor, os argumentos que permitiam a definição do feriado, foi negativo, nestes termos: “[...] o feriado objeto da mesma [Lei] não se qualifica como feriado religioso, isto é, dia de guarda de determinado dia em virtude de fé religiosa, de culto, e sim como feriado civil” (PLL 65/15, fl. 26).61

Em manifestação contrária ao Parecer da Procuradoria, o autor do PLL 65/15 reforçou o fato de o novo Projeto de Lei estar saneado quanto a sua inconstitucionalidade, tendo aquele ignorado as modificações colocadas em relação aos Projetos anteriores apresentados (PLL 269/01 e PLL 365/13), reforçando o caráter religioso que a partir daquele momento adquirira. Como o mesmo expôs, “a Constituição Federal definiu o Brasil como um estado laico e a Difusão da Religiosidade vai ao encontro deste pressuposto constitucional ao assegurar um dia de reflexão e consagração de todas as religiões e ao mesmo tempo homenagear um povo e uma raça” (PLL 65/15, fl. 28). Ele mencionou ainda que o Legislativo Municipal, ao aceitar uma interpretação que limitava sua competência ao tratar de tal matéria, abria mão de suas atribuições constitucionais.

Três eixos devem ser destacados nessa terceira fase de apreciação do Projeto de Lei: a presença ou ausência de caráter religioso do feriado, demandado pela Lei Federal nº 9.093 de 1995; os prejuízos econômicos resultados; e a tentativa de aprovação da data enquanto um feriado móvel, para que não viesse a interferir no funcionamento das engrenagens econômicas no município. Os três foram bastante influenciados pelos interesses das entidades comerciais e industriais anteriormente referidas, em especial os dois últimos. Elas emprestaram muitos argumentos ao debate no Legislativo nesta última fase que pareceu ser a mais concorrida.

O eixo que abordou o aspecto do feriado enquanto uma data móvel ficou representado

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por uma Emenda (nº 01) protocolada e defendida pelo vereador Mauro Pinheiro (PT62), alterando a proposta original da Lei, ao incluir o feriado de 20 de novembro entre as datas comemorativas móveis. Assim, junto com a Sexta-feira da Paixão e o Corpus Christi, entre os feriados móveis, constaria a seguinte redação: “e domingo coincidente com o dia 20 de novembro, ou no domingo seguinte a esta data, consagrado ao Dia da Consciência Negra e da Difusão da Religiosidade”. Se considerarmos a ideia do Grupo Palmares e a luta dos movimentos negros em torno da construção do 20 de Novembro, o conteúdo colocado por esta Emenda pode ser considerado como um movimento de descaracterização, junto com a supressão das referências exclusivas ao negro e religiões de matriz africana no texto da Lei, já que não transformaria a data em feriado, o que não alcançaria os objetivos dos interessados, de ser uma data de reflexão, de luta e de reconhecimento (Silveira, 2003). Por outro turno, tais ações podem ser lidas como um segundo aspecto para o “não-reconhecimento”, pois dilapidavam os conteúdos essenciais da demanda e da luta que era travada, permitindo que o reconhecimento se desse com os limites colocados pelos interesses econômicos, principalmente.

A partir da apresentação da Emenda nº 01, o PLL 65/15 retornou à tramitação entre as Comissões, sendo elas a CCJ, a CUTHAB, a CECE, e a CEDECONDH, que, havendo consenso entre elas, elaboraram Parecer Conjunto em relação ao Projeto e à Emenda63. O argumento deste Parecer Conjunto, que resultou em posicionamento favorável ao feriado, foi o de ressaltar a correção dos óbices jurídicos desta nova proposição, e que haviam sido destacados pela Procuradoria do Legislativo.

Devemos ressaltar as dificuldades que os negros passaram há séculos. O dia 20 de novembro faz menção à consciência negra, a fim de ressaltar justamente isso. A escolha do dia 20 de novembro serve, dessa forma, para manter viva a lembrança de que o fim da escravidão foi conseguido pelos próprios escravos, que em nenhum momento durante o período colonial e imperial deixaram de lutar contra a escravidão, e essa data foi e é, sim, importante, pois ela serve como um momento de conscientização e reflexão sobre a importância da cultura e do povo africano na formação da cultura nacional. Os negros colaboraram muito, durante nossa história, nos aspectos políticos, sociais, gastronômicos e religiosos de nosso país. É um dia que devemos comemorar nas escolas, nos espaços culturais e em outros locais, valorizando a cultura afro-brasileira, valorizando a nossa cultura (grifo original, PLL 65/15, fls. 32- 33).

A votação deste Parecer foi simbólica, aclamada, e não nominal, com votos individuais dos vereadores. Muitos dos quais faziam parte destas Comissões neste momento já haviam

62 Em 2016 o vereador migrou para a REDE (Rede Sustentabilidade); em 2018 se tornou líder do governo do

prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) na Câmara e é identificado com o setor do comércio.

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emitido posições negativas aos outros projetos de lei similares. No entanto, essa aprovação revela um consenso mínimo que possibilitou um resultado positivo em relação ao feriado, mesmo que não se consiga avaliar detalhadamente as discussões até o resultado, naquele âmbito. Essa também é uma característica do processo legislativo: muitas vezes um voto contrário a determinado projeto pode ser revertido em função da impossibilidade da concessão de outros votos para a aprovação da proposta divergente.

Ao que parece, a apresentação da Emenda nº 01 teve duplo objetivo: 1) o de atender uma possível demanda das entidades econômicas e 2) revelar sua influência naquele debate, verificado o enfrentamento dos interesses dessas entidades que foram determinantes nos outros processos. A declaração do feriado do 20 de novembro sempre em um domingo, ou seja, uma data móvel, descaracterizaria, em grande medida, o objetivo central do projeto, que justamente era o de provocar reflexão a partir da paralisação de outras atividades, como ocorre em um feriado fixo. Isso não impediria o questionamento daquelas entidades, vistos os custos que um feriado, mesmo aos domingos, gerariam para as atividades que não cessam nestes dias.

O Parecer Conjunto tocou este ponto, justificando a partir do reconhecimento das contribuições do negro a importância de permitir a existência de um feriado dedicado a ele. Ali se reconhecia a resistência do “escravo” na busca pela liberdade, construída incessantemente por eles próprios, assim como o quão elementar era a cultura do povo africano na formação da cultura nacional. Embora ressalte os aspectos políticos, sociais, gastronômicos e religiosos das contribuições do povo negro ao país, não destaca o aspecto econômico no qual os escravizados foram determinantes, com sua mão-de-obra explorada, para o acúmulo de capital das elites escravagistas. De qualquer modo, a manifestação lembrou a função de conscientização e de reflexão que o feriado proporcionaria, ou seja, seu caráter simbólico. Anteriormente, o vereador Nagelstein (PMDB) havia feito menção ao caráter cultural-religioso da contribuição dos negros ao país, mas não mencionara o caráter econômico; possivelmente, assim como no Parecer, evidenciar-se-ia a necessidade da abordagem de princípios que envolvessem a redistribuição, se tocado aquele ponto.

Após o Parecer que daria seguimento, por fim, à tramitação do PLL 65/15, o vereador Mauro Pinheiro (PT), que havia apresentado a Emenda nº 01 anterior, enfraquecida, apregoou a de nº 02, que incluía e alterava no texto da lei quanto aos feriados móveis, em vez de o dia 20 de novembro em si, o Dia da Consciência Negra e à Difusão da Religiosidade seria celebrado todo o 3º (terceiro) domingo do mesmo mês. Pelo observado através das Emendas nº 01 e 02, de conteúdo idêntico ou semelhante, o vereador proponente estava empenhado em aprovar a

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proposta que classificava o 20 enquanto data móvel, e não fixa, pois se assim o fosse, implicaria na “paralisação” das atividades comerciais e industriais naquele dia.

Pelas discussões travadas em quatro datas distintas onde o PLL 65/15 foi pautado, pode- se observar vários recursos, comuns nas disputas no Legislativo, com tentativas de aprovar e impedir a aprovação do Projeto. Ainda assim, conforme destacado em entrevista (19/09/2019), Del. Cleiton caracterizou as inúmeras escusas colocadas pelos colegas em votar a referida lei como “a maior experiência [...] de técnicas de atuação, de estratégias, [...] retiradas de quórum no momento exato [...]”. Na sequência, destaco objetivamente os principais pontos do debate, em cada uma das sessões parlamentares. Foram cinco sessões dedicadas a discutir o PLL, ao que alguns representantes denominaram de recorde para a conclusão de um Projeto.

110ª Sessão Ordinária, 12/11/2015 e 16ª Sessão Extraordinária (110ª S.L./15) – Estas foram as primeiras sessões do ciclo de debates no ano de 2015 em torno do tema. Como se pode notar, estes debates iniciaram, no ano, alguns dias antes da data de efetivação ou não do feriado, no 20 de novembro.

Dois vereadores se manifestaram em relação ao projeto que estaria em pauta naquele dia. O vereador Idenir Cecchin (PMDB), que já havia falado nas proposições anteriores, arguiu no sentido de mediar uma solução que “contemplasse a todos”, ou seja, os homenageados pelo feriado e os outros interessados na data. Segundo ele, o feriado seria do interesse dos que trabalhavam, como tarefeiros ou por empreitada, que teriam seus ganhos limitados pela definição de mais um feriado no mês de novembro, e que não representava somente os comerciantes e industriários. Ali, defendeu a Emenda nº 02, apresentada por Mauro Pinheiro (110ª S.L./15, p. 36-37).

O outro vereador foi João Carlos Nedel (PP), que deu destaque no Plenário a um ofício da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul – FIERGS (que havia interposto ADIn contra a lei do feriado em 2003), comunicando que um feriado em Porto Alegre deixaria de gerar receita de R$ 23,8 milhões, e o comércio deixaria de faturar o equivalente a 3,33% do mês, ou seja, cerca de R$ 20 milhões de reais, o que deixaria de gerar impostos e o consequente desenvolvimento da comunidade64. Segundo ele, a definição de um terceiro feriado em dia de

64 O vereador, pelo que as notas taquigráficas demonstram, parece ter sido bastante aplaudido após este anúncio,

o que revela alguma expressiva participação entre os assistentes de pessoas e/ou representantes contrários à aprovação do feriado. Pelo que nas mesmas notas consta, havia muitos militantes dos movimentos negros e outros favoráveis à aprovação do Projeto, como aparecerá a seguir. Ele era vereador em 2003 e mantivera postura semelhante naquela discussão do feriado.

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trabalho, no mês de novembro, “seria um problema extremamente sério”. Lembrou da existência da Semana da Consciência Negra na Câmara e outras homenagens naquele espaço a Zumbi, além de um custo à Casa já definido para estas homenagens. Assim, a aprovação da Emenda nº 02 era “uma alternativa importante que não vai prejudicar a sociedade e vamos, realmente, homenagear a consciência negra e a religiosidade afro” (110ª S.L./15, p. 38-39).

As últimas falas dos vereadores colocaram em pauta o terceiro eixo de contestação ao feriado: o dos prejuízos econômicos que ele provocaria. Esse era um ponto que não havia tido tanto destaque nas outras apreciações do Projeto (em 2001 e 2013), mas aparecem com força aqui. Ao analisar a ausência desse argumento em outros Pareceres em conjunto com estas falas, parece que os representantes se mostravam constrangidos em defender tal ponto, ao mesmo tempo que exaltavam o mérito da homenagem e o significado do feriado. De um modo geral, em todas as proposições (2001, 2013 e 2015) parece haver um constrangimento em contestar uma demanda tão legítima; ainda assim, ela precisa permanecer abaixo da premência dos interesses econômicos. Adiante, elas são ainda mais sutis. O argumento “econômico” poderia ser considerado um terceiro aspecto do não-reconhecimento.

Conforme um acordo de líderes na Câmara, esta sessão fora encerrada e aberta uma sessão extraordinária (16ª S.E./15) para o seguimento das discussões. Foi uma sessão em que, de acordo com as notas taquigráficas do dia, ocorreram inúmeras manifestações na plateia, na qual o vereador Idenir Cecchin (PMDB) proferiu que a casa era do povo, livre, mas não se admitiriam ameaças dos assistentes, dando mostras de que o pleito era acirrado. Verificado o quórum e colocada a Emenda nº 02 em votação, o vereador Tarcisio Flecha Negra (PSD) se manifestou da seguinte forma: “eu vou votar com o meu coração, não importa o voto para mim; 2016, 2017 é outro ano. Presidente, eu vou mudar meu voto. Pela raiz de uma árvore chamada África, eu voto ‘não’.” (16ª S.E./15, p. 1). Como colocado em entrevista (19/09/2019), Del. Cleiton mencionou sua atuação junto a este vereador a fim de convencê-lo da mudança de voto, uma vez que num primeiro momento direcionava o contrário.

De todo o modo, o resultado da votação foi de 16 votos a 15, o que teria aprovado a Emenda nº 02. O vereador Del. Cleiton (PDT) solicitou renovação da votação em função do placar, já que é possível a solicitação de renovação quando a diferença é de apenas três votos. No entanto, o Presidente da Casa informou que aprovada a Emenda deveriam votar em seguida o Projeto de Lei, que, assim, ficaria profundamente descaracterizado. Outros vereadores se manifestaram em relação a esta descaracterização, bem como a processos regimentais como os de apreciação das emendas e encaminhamento do Projeto, que teriam sido desrespeitadas.

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Depois da apresentação dos argumentos, foi aceito o pedido de renovação da votação, feito pelo vereador proponente, já que havia quórum para tal. Instantes depois, quando da efetiva votação, em nova verificação de quórum, não havia vereadores suficientes em Plenário, o que redundou no encerramento da Ordem do Dia (16ª S.E./15), ou o protelamento da possível aprovação do projeto.

Naquela mesma jornada, cumprindo uma resolução aprovada pelo Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores, a Bancada do PT na Câmara teve a iniciativa de promover a rotatividade dos mandatos dos seus vereadores65. Assim, no ano de 2015, na Semana da Consciência Negra, quando o projeto do feriado do dia 20 de Novembro seria discutido, quatro vereadore/as negro/as eleito/as suplentes para a Câmara assumiram seus mandatos pelas licenças dos titulares. Especificamente em relação a este Projeto de Lei, quem assumiu na 111ª Sessão foi o vereador Antônio Matos; na 112ª foram os/as vereadore/as Alberto Terres, Pérola Sampaio e Éder Carteiro. O/as vereadore/as negro/as conferiram legitimidade ainda maior às discussões, como será visto em seguida, problematizando também a questão da representação negra na Câmara, o que parece ter simbolicamente tencionado os posicionamentos dos vereadores, sem esquecer da participação dos militantes dos movimentos negros que estiveram lá presentes.

111ª Sessão Ordinária 16/11/2015 – Nesta Sessão tomou posse o vereador suplente Antônio Inácio Matos da Silva (PT), neste movimento promovido pelo seu Partido para que candidatos negros eleitos à suplência tomassem posse na Semana da Consciência Negra e para assumir a discussão daquela votação. Em seu discurso, disse que o Movimento Negro havia caracterizado sua vida desde sua fundação, nos anos 1970. Saudou a representação dos povos de terreiro presentes nas galerias e destacou que a população negra no Brasil representava mais de 50% do seu total, sendo que 4 milhões vieram à força da África, fazendo com que por séculos o negro fosse a única força de trabalho, o que redundou no enriquecimento de pessoas de origem europeia, a precariedade da condição do negro e o racismo decorrente. Ele lembrou que aprovar aquele feriado não era uma questão comercial momentânea, mas um ato de reparação aos negros, e que nos municípios onde já era feriado, o comércio havia se organizado para escolher o seu momento de consumir:

na hora de votarmos o feriado do dia 20 de novembro, devemos pensar que não é apenas uma questão comercial momentânea, de feriado ou não, é um ato de reparação que se deve a esse povo, a nós, negros. [...] Não basta dizer que é

65 A iniciativa fora do vereador Marcelo Sgarbossa (PT), conforme aparecera na fala dos suplentes, e referendada

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contra a injustiça se, no momento de tomar uma atitude para fazer justiça, a gente repensa a atitude e mede a reparação (111ª S.L./15, p. 18-19).

Tal argumento colocava em questão os contrapontos colocados por alguns colegas que viam perdas com o feriado. Evidente que tal interpretação dependia do ponto de vista. Apesar disso, como colocou Fraser (2006), no debate em torno do reconhecimento se faz comum considerar inferiores as demandas de grupos subalternizados.

Alguns vereadores haviam pautado o caráter branco e cristão das datas comemorativas em Porto Alegre, sempre definidas em instâncias que não tiveram representação negra no passado, como o Legislativo, caracterizando aquele espaço pelo privilégio branco, onde, por consequência, manifestar-se-iam os reflexos da branquitude (Bento, 2002). Nesse rumo, a vereadora Jussara Cony (PCdoB) foi além, e lembrou que praticamente todos os feriados tradicionais não representavam os negros, a não ser indiretamente, e que o questionamento à legitimidade de um feriado negro configuraria inclusive racismo:

Feriados para a história oficial, branca, católica, já existem muitos. Eu concordo com eles! [...] que, no Rio Grande do Sul, nós temos o dia 2 de fevereiro dedicado à Nossa Senhora dos Navegantes e que ali, junto, no sincretismo, não que os dominadores fizeram, mas que o povo negro e indígena tiveram que fazer, inclusive para sobreviver à sua crença. [...] Porque ser contra um feriado originário da população negra? Por quê? Por que engatá-lo num domingo e não no seu dia? Isso é racismo! Isso é preconceito! Isso é contra a história! [...] O dia do feriado é o dia da morte de Zumbi dos Palmares! Não é um domingo! (111ª S.L./15, p. 21).

Conforme entrevista realizada com Antônio Carlos Côrtes (em 30/09/19), um dos fundadores do Grupo Palmares, disse que ele inclusive fora procurado por alguns setores para que interviesse no sentido de aprovar ou, na sua condição de “fundador da data”, aceitar a definição do feriado em um domingo, conforme a Emenda apresentada. Para ele, a proposta do 20 de novembro ficaria completamente descaracterizada se assim o fosse.

A vereadora Fernanda Melchionna (PSOL) discursou que era inaceitável que uma “Câmara, majoritariamente branca” dissesse aos negros que uma data que simbolizava a sua resistência, a sua luta e a defesa contra a escravização, não pudesse estar no calendário de