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POBREZA E POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL

CAPITULO II – CIRCULAÇÃO DE CRIANÇAS E PRÁTICAS DE PROTEÇÃO

CAPÍTULO 3 – ADOÇÃO, A LEGISLAÇÃO E A POLÍTICA SOCIAL

3.1 POBREZA E POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL

É relativamente recente a história das políticas de proteção social no Brasil, havendo registros do início da estruturação a partir de meados do século XX, com o amadurecimento do processo de industrialização e dos centros urbanos.

Conforme esclarecem Iamamoto e Carvalho (1998), a questão social nas décadas de 1920 e 1930 semeou as bases para a implantação das políticas sociais, das leis sociais e do Serviço Social brasileiro. Por meio de uma ―verdadeira guerra civil‖, a classe operária brasileira lutava, mediante movimentos sociais, pela garantia de sua condição de existência. No bojo da resistência dos trabalhadores, emergia a

necessidade de controle por parte do Estado, a partir do binômio assistência/repressão.

A pressão exercida pelo proletariado – presente mesmo nas conjunturas específicas em que sua luta não se faça imediata e claramente presente enquanto manifestações abertas – permanece constantemente como pano de fundo a partir do qual diferentes atores sociais mobilizam políticas diferenciadas. Essas políticas demarcarão os limites dentro dos quais irá surgir e atuar o Serviço Social – a caridade e a repressão –, limites em relação aos quais deve se constituir numa alternativa. (IAMAMOTO, CARVALHO, 1998, p.128)

A partir da década de 1930, o Estado Novo passou a dar atenção às reivindicações da classe operária, intervindo, sobretudo, na regulação da compra e venda de mão de obra. Assim, ―foi a partir do ângulo do trabalho que o Estado entrou em cheio no problema das políticas sociais‖ (CARDOSO, apud PAULA, 1992, p.119). As décadas seguintes, principalmente mais adiante, nos anos 50, foram marcadas pelo chamado ―desenvolvimentismo‖ econômico, acompanhado de um sólido crescimento de novas instituições e serviços sociais como resposta das classes dominantes às reivindicações e demandas populares.

A população brasileira viveu de 1964 a 1984 sob o regime da ditadura militar, notadamente marcado por censura, repressão e restrições de liberdade de expressão. Entretanto, lembrando a ideia foucaultiana de que onde há poder existe também resistência (FOUCAULT, 1988), houve expressivos movimentos sociais (de trabalhadores, estudantes, artistas e sujeitos ligados a setores mais progressistas da Igreja) na luta por democratização.

É necessário dizer que o fim da ditadura militar ocorreu de forma processual, num movimento de abertura à democratização. Nesse período, destacaram-se as greves do ABC em 1978-1980, a fundação do Partido dos Trabalhadores em 80 e a campanha pelas ―Diretas Já‖, em 83 e 84.

No bojo das lutas pela democracia no Brasil, em 1988 foi promulgada a Constituição Federal no Brasil. Também conhecida como ―Constituição Cidadã‖, redimensionou a função do Estado brasileiro, instituindo o tripé da Seguridade Social: Assistência social – ―para quem dela necessitar‖; Saúde – ―para todos‖; e Previdência Social – ―para quem contribuir‖.

Em 1992, entretanto, o primeiro presidente da república eleito após a ditadura militar, Fernando Collor de Mello, foi cassado, dentro de um amplo movimento popular conhecido como ―Fora Collor‖, que contou com o apoio de estudantes, da mídia e demais populares para o pedido de sua saída do cargo. Na esteira da efervescência política, tivemos progressos significativos nos marcos regulatórios dos direitos sociais, como: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Orgânica da Saúde (LOS) em 1990, e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993.

Paradoxalmente aos avanços reais e nas legislações, tivemos também, em meados dos anos 90, a aderência do governo brasileiro a um modelo de desenvolvimento econômico, sob a égide do capital financeiro internacional, pautado na ideologia neoliberal29. Tal período foi marcado pela Reforma da Previdência, em 1998, em meio a cortes sociais, privatizações e mercantilização dos serviços de saúde, educação e habitação.

O reconhecimento de todo esse cenário de mudanças até o atual contexto sociopolítico brasileiro traz subsídios para a compreensão do caráter precário das políticas sociais no Brasil hoje. Segundo Grisotti e Gelinski (2010), a precariedade das políticas sociais é reflexo de visões (hegemônicas) ―parciais‖ da pobreza, que focalizam a miséria no indivíduo e suas características mais pessoais, em oposição a uma perspectiva mais global das condições estruturais. Por conseguinte, os atuais programas para o enfrentamento da miséria são geralmente de natureza pontual, focalista, além de descontínuos e compensatórios.

A pobreza, em nosso entendimento, deve ser compreendida numa ótica mais ampla e multifacetada, sendo analisada como expressão da questão social, das relações entre o capital e o trabalho, revés da concentração extrema e injusta das riquezas socialmente produzidas. Combater a pobreza é, indubitavelmente, combater as desigualdades e os processos geradores de concentração de renda e riquezas.

No âmbito da política de assistência social, houve a construção e a aprovação, em 2004, da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que tem entre seus objetivos o de ―assegurar que as ações no âmbito da assistência social

29

Alguns autores, como Vieira (2007), acreditam que no Brasil (e demais países da América Latina) houve ―neoliberalismo tardio” na política, marcado por um conjunto de diretrizes elaboradas por organismos nacionais e internacionais.

tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária‖. A política centralizada na família tem sido tema polêmico nos debates atuais, dada a fragilidade da eficiência das políticas sociais. Conforme já elucidado por Campos e Mioto (2003), corre-se o risco de os programas e serviços socioassistenciais caírem no denominado ―familismo‖. Este é entendido como a atribuição de excessiva responsabilidade à família frente à proteção social de seus membros, independentemente das suas condições de vida. Como consequência, temos famílias culpabilizadas pelo ―fracasso‖ e ―incapazes‖ de cumprir as expectativas nelas depositadas.

Em síntese, podemos concluir que houve mudanças importantes para a população brasileira, sobretudo com o declínio dos níveis de pobreza e de pobreza extrema. Conforme demonstrado no estudo publicado pelo IPEA, em 2011: ―Utilizando-se de séries históricas dos principais indicadores de desigualdade de renda, mostra-se que a queda na desigualdade ocorrida nos últimos anos é bastante acentuada.‖ (CASTRO, VAZ, 2011, p.8)

Em que pese o notável avanço na diminuição da desigualdade, controverso objeto do cenário socioeconômico brasileiro atual, há ainda muitos desafios para o país, como a urgência de políticas de caráter mais estruturante, realmente mobilizadoras e capazes de alterar a presente situação de extrema desigualdade.