• Nenhum resultado encontrado

Sobre o poder político

No documento A democracia em Jean-Jacques Rousseau (páginas 45-49)

PARTE I: SOBRE O CONTRATUALISMO

1.3. A TEORIA POLÍTICA DE JOHN LOCKE

1.3.2. Sobre o poder político

«(…) o poder político é aquele que todo o homem, possuindo-o no estado de natureza, passa às mãos da sociedade, e desta forma aos governantes que a sociedade estabeleceu, com o encargo expresso ou tácito de que seja utilizado para o bem desta e a preservação de suas propriedades.»44

Se a criação da sociedade civil tem como objectivo a manutenção da propriedade e da liberdade, as leis, por ela estabelecidas, devem concretizar esse objectivo. Locke tem como

41 Cf. John Locke, Two Treatises of Government, op. cit., liv. II, cap. IX, 129-130, pp. 352-353. Dois Tratados

sobre o Governo, op. cit., pp. 498-499.

42

«(...)obliged to secure every ones property by providing against those three defects above-mentioned, that made the State of nature so unsafe and uneasie». John Locke, Two Treatises of Government, op. cit., liv. II, cap. IX, 131, p. 353. Dois Tratados sobre o Governo, op. cit., p. 499.

43

Robert Derathé, Jean-Jacques Rousseau et la Science Politique de son Temps, op. cit., p. 117.

44 «(…) Political power is that power which every man, having in the state of nature, has given up into the hands of the Society, and therein to the governours, whom the Society hath set over it self, with this express or tacit trust, that it shall be imployed for their good, and the preservation of their property». John Locke, Two Treatises

principal preocupação a instituição do poder que elabora as leis: o poder legislativo. Este é o poder supremo da comunidade, «sagrado e inalterável nas mãos em que a comunidade o tenha antes depositado».45O poder legislativo tem limites que coincidem com a preservação dos direitos naturais, por isso, o poder legislativo não pode ser arbitrário sobre a «vida ou a propriedade de outrem (…) as obrigações da lei da natureza não cessam na sociedade mas, em muitos casos, apenas se tornam mais rigorosas e, por meio de leis humanas, a ela se acrescem penalidades conhecidas, destinadas de forçar sua observância».46 As leis impõe-se ao indivíduo como algo externo, mas a autoridade que constitui o poder legislativo é escolhida pelos membros da sociedade, ao contrário do que considerava Hobbes. Tal como Hobbes, Locke pensa que nenhum outro poder se pode opor a este, mas discorda quando considera que a única função do estado é preservar os direitos, que já se encontravam no estado de natureza, e ninguém poderá transferir mais poder do que aquele que tinha no estado de natureza. Assim, o poder legislativo consiste num voto de confiança (“trust”) que os cidadãos atribuem a uma pessoa ou grupo, que jamais poderá trair os seus representados, o que quer dizer que o poder legislativo é revogável por parte daqueles que o fundaram.

Ao poder legislativo subordinam-se o poder executivo e o poder federativo. Se compete ao poder legislativo estabelecer leis que preservem os direitos da comunidade, é preciso um poder que execute as leis que foram estabelecidas, esse é o poder executivo. Com a criação deste poder o indivíduo abdica do uso da sua força, porque a renunciou a favor da comunidade, cabendo ao poder executivo punir os delitos contra a lei. O poder federativo reporta-se aos assuntos externos do Estado, isto é, ao relacionamento que o Estado tem com os outros Estados; refere-se às questões de conflito ou aliança que se possam criar entre os

45 «(…) sacred and unalterable in the hands where the community have once placed it». John Locke, Two

Treatises of Government, op. cit., liv. II, cap. XI, 134, p. 356. Dois Tratados sobre o Governo, op. cit., p. 503.

46 «(…) or take away the life or property of another . (… ) The obligations of the law of nature, cease not in society, but only in many cases are drawn closer, and have by humane laws known penalties annexed to them, to inforce their observation». John Locke, Two Treatises of Government, op. cit., liv. II, cap. XI, 135, pp. 357-358.

Estados. Ao contrário do poder executivo que é dirigido por «leis antecedentes, fixas e positivas»,47o poder federativo «deve necessariamente ser deixado à prudência e à sabedoria daqueles em cujas mãos se encontra, para ser gerido em favor do bem público».48Embora estes dois poderes sejam distintos entre si, pois um reporta-se às questões internas (executivo) e o outro às questões externas (federativo), não se podem separar: o exercício destes poderes exige a força da sociedade, o que implica que interajam.

É com Locke que a questão da separação de poderes ganha relevo, no que concerne ao poder político. Se no estado absoluto e indivisível de Hobbes o problema não se coloca, com Locke o tema começa a ser delineado, sendo Montesquieu, posteriormente na obra Espírito

das Leis (1748), a exercer uma maior influência sobre esta questão. Embora haja uma

separação entre os poderes, Locke fala de uma hierarquia de poderes, sendo o poder legislativo superior e ao qual os outros estão subordinados, mas este poder superior é constituído pela soberania, que se encontra no povo. A sua concepção da separação de poderes e a concepção de soberania nele implicada e, consequentemente, a de Montesquieu irão representar uma clara divisão entre aquilo que será uma vertente do liberalismo e a corrente da democracia directa ou popular formulada por Jean-Jacques Rousseau.

47 «(…) to be directed by antecedent, standing, positive laws». John Locke, Two Treatises of Government, op.

cit., liv. II, cap. XII, 147, p. 366. Dois Tratados sobre o Governo, op. cit., p. 517.

48 «(…) must be left in great part to the prudence of those who have this power committed to them, to be managed by the best of their skill, for the advantage of the commonwealth». John Locke, Two Treatises of

Government, op. cit., liv. II, cap. XII, 147, p. 366. Dois Tratados sobre o Governo, op. cit., p. 517.

No documento A democracia em Jean-Jacques Rousseau (páginas 45-49)