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Poetas Brasileiros Referenciais para o Hermetismo

Parte II – Tensões

Capítulo 6 – O Hermetismo Poético Atual

6.2. Poetas Brasileiros Referenciais para o Hermetismo

Importante papel tiveram autores brasileiros, canônicos ou mais recentes e mesmo contemporâneos, na formação da sensibilidade da nova tendência. Foi apontada a forte presença de Murilo Mendes, à qual se poderiam somar as incontornáveis Drummond e João Cabral. São os mesmos poetas que influenciaram praticamente todas as tendências, o que muda é a forma de leitura, a interpretação daquilo de fundamental em suas obras e que pode

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ROQUETTE PINTO, Claudia. Zona de Sombra. Rio de Janeiro: 7 Letras, 1997.

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DE FRANCESCHI, Antônio Fernando. Sal. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

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Um outro poeta que talvez fosse importante citar como referência para muitos dos novos poetas é o francês René Char, de quem Augusto Contador Borges traduziu vários poemas para a editora Iluminuras.

ser lido, a cada geração, de uma maneira diferente. Juntamente a essas três grandes referências, poderiam se somar ainda os nomes de Haroldo de Campos e Joaquim Cardozo. O primeiro será importante inspiração para os filiados a uma visão neobarroca, estética com a qual o poeta paulista flertou, interessando-se por grandes representates latino-americanos do movimento, sendo ele mesmo um de seus primeiros divulgadores na Brasil. Cardozo aparece como grande referência para os jovens autores herméticos do seu estado, representando um caminho alternativo à poética bandeiriana do cotidiano ou à lucidez cabralina desespiritualizada.

Dois exemplos seriam suficientes para demonstrar essa consciência crítica moderna de leitura criativa, mostrando dentro da novidade desses novos autores o lastro da tradição que possibilita, recriada e reinterpretada, a sua formação. O primeiro vamos encontrar na revista Cult261, que publicou em seu número 26, de 1999, um dossiê em que dez poetas escreveram sobre a presença de Drummond em suas obras. Entre esses representantes de várias tendências, estava o nome de Cláudia Roquette Pinto, autora hoje premiada e grande representante do hermetismo poético. Transcrevemos o trecho em que a poeta pinça do itabirano aquilo que converge para sua poesia difícil e obscura:

Quanto à sua influência no meu próprio trabalho, ela é incontestável – na medida em que ninguém que se arvore a fazer poesia, hoje, pode supor não estar sob a sombra de Drummond, Cabral ou Gullar. Mas acredito que essa influência não se dê – pelo menos nos meus três primeiros livros – de uma forma muito explícita. Certamente, e de forma consciente, na busca de um ritmo pessoal (e nisso ele é, mais uma vez, um mestre). E, me arrisco a dizer, num certo nihilismo (intermitente, no meu caso). Na insistência em me debruçar sobre a interrogação do ser? Em um artigo recente, a professora Célia Pedrosa atribuiu alguns dos meus poemas ‘uma incomensurabilidade quase metafísica relativizada por discretas ironias’ que irromperiam ‘do mais precarimanete humano, como nos ensinou a lição drummondiana’. E é no meu livro mais recente (em processo de finalização) que perceboestas características mais proximamente devedoras à sua voz. Não por acaso, escolhi para a epígrafe do livro os seguintes versos: ‘Onde não há jardim, as flores nascem de um / secreto investimento em formas improváveis’. Drummond sabia tudo> Secreto investimento em formas improváveis: é isso a poesia.

A longa transcrição oferece pistas preciosas a respeito da lógica criativa das gerações e da leitura crítica da tradição nos moldes de T. S. Eliot, quando afirmava que “se a única forma

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de tradição, de legado, consistisse em seguir os caminhos da geração imediatamente precedente, a ‘tradição’ devia ser francamente desencorajada”.262 No depoimento de Claudia Roquette Pinto, sente-se a presença daquele sentimento histórico como definiu o próprio Eliot, quando o poeta desenvolve uma consciência crítica mais complexa do que a polarização empobrecedora, instaurada pelas vanguardas, de oposição entre passado e futuro, ignorando suas múltiplas formas de relação e diálogo. A poeta reconhece a presença do valor drummondiano, conferindo-lhe, por sinal, estatura de clássico, tratando-o como passagem obrigatória para quem deseje escrever poesia. Em sua própria obra aponta a maneira difusa como aparece nos primeiros livros até a aceitação plena pela via da homenagem epigráfica. A definição da poesia, que segundo a poeta, se insinua no trecho do poema de Drummond, pode ser aplicada à sua própria poesia; ela mesma um investimento secreto em formas improváveis, como demonstra seu livro Corola.

Um outro exemplo, o segundo, que pode ser arrolado encontra-se no livro Geografia Íntima do Deserto263 da pernambucana Micheliny Verunschk. Dona de um verbo de incomum força e poder metafórico, situa-se num outro extremo em relação a poetas que desejariam eliminar a metáfora da criação poética, como o também pernambucano Sebastião Uchoa Leite (“vamos destruir a máquina de metáforas?”). A poesia de Micheliny nasce de lição cabralina, bem presente em seus poemas: a despeito do engodo das palavras, da imprecisão da linguagem, buscar a palavra exata e a metáfora justa. Assim florescem nessa poesia seca e luminosa uma linguagem rica e carregada daquele sentimento de que cada palavra está em seu devido lugar:

Subindo pelas narinas a dor, este verme de arame, rasteja e pinga ovos foscos latejantes. Sequestra-me, a dor. Sabe-me, a vadia. (Dor) 262

ELIOT, T. S. Ensaios de Doutrina Crítica. Lisboa: Guimarães Editores, 1997. p.22.

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A poesia de João Cabral se apresenta como um modelo do qual Micheliny se serve para promover seus desvios; pois sua linguagem, além da exatidão “severina”, concentrada, está, ao mesmo tempo, marcada por realidades sinuosas, estranhas à poesia do engenheiro, como o olhar sobre as coisas religiosas e os rastros do afeto, da paixão e da dor trabalhados como pontas por suas lâminas verbais, produzindo uma linguagem contundente e contemplativa. Uma espécie de contemplação que tem como ponto de partida a matéria, sua dura substância e sua sinuosidade. De sua poesia dirá João Alexandre Barbosa no prefácio ao seu livro: “insere a intimidade, com todas as suas modulações hesitantes, por entre uma possível geografia do deserto”.

Micheliny Verunschk une a objetivação de um verso exato à força sinuosa da intimidade. Sob o signo dessa intimidade que se dá, contraditoriamente, a ver pelos escassos símbolos de suas vivências e afetos, inscreve-se a imaginação, o imaginário complexo e mesmo barroquizante. Unindo os mais díspares materiais, ela chega mesmo a se aproximar do surrealismo na figura de seu proto-poeta nacional – Murilo Mendes. O penúltimo poema de seu livro (“Epílogo ao Anjo Cego do Senhor”) nos revela a marca que a frequentação de Murilo deixou em sua voz:

Este tempo foi confiado ao Anjo Cego do Senhor. Polindo ossos contra ossos como dentes contra vidro, derrama a loucura de seu cálice

e se aflige, ele mesmo, em longa e violenta chuva.

Junta pedaços de jornal sobre suas asas, cavalga ratos, porcos, carros desgovernados

e agita seus longos cabelos contra os desertos e oceanos. Ao Anjo Cego do Senhor

foram confiadas ainda 15 mil almas de canibais e assassinos em série. E ele, que nada vê,

festeja o burburinho,

criança entre fios coloridos de eletricidade.

O poema de Micheliny, geralmente vazado em versos curtos, num ritmo staccato, prezando pela concisão sonora se solta nestes versos longos. As metáforas de profundo teor sensorial, que também estão presentes nos poemas mais concentrados, ganham com a extensão associativa dos versos mais longos um tom alucinatório, que a figura do Anjo Cego do Senhor encarna como que inebriada pela sua vil e dura tarefa. A figura do Anjo já demonstraria a sua forte ligação com a poética muriliana que juntamente com a de Jorge de Lima foram as únicas que absorveram a figura do Anjo nas suas mitologias criativas.264 São incontáveis os textos de Murilo Mendes que fazem referência a anjos. Tanto em Murilo quanto em Micheliny, o Anjo representa uma força fora da compreensão humana, mandatário imediato da vontade divina. A forma oblíqua com que o sujeito sempre se denuncia em sua poesia vai inscrita na adjetivação: é cego porque alguém, de um outro ponto de vista, não compreende o sentido interdito do divino que lhe permanece como uma terrível tarefa. Ao mesmo tempo, o cego como subversiva atribuição conferida ao divino, mostra-se quase como um crivo crítico de suas atitudes. Um anjo cego pode não ter o devido discernimento e, conseqüentemente, abater as almas que lhe foram confiadas de maneira equivocada. Quadro tocante da condição contemporânea em que o sagrado permanece, mas seus sinais não representam mais uma certeza. São antes os elementos de uma dramática tentativa de re- espiritualização do mundo; o que acarreta a re-espiritualização da própria poesia. A imagem final está carregada do tônus muriliano, fundindo uma realidade espiritual com uma realidade contemporânea, moderna para ser mais exato. A fusão de um ícone da mitologia do mundo arcaico com um ícone do progresso e do futuro (a eletricidade) é procedimento privilegiado da poética de Murilo Mendes:

O vento em ré maior prepara o temporal, desfolha as estátuas, parte as hélices dos anjos.

(Estudo quase patético).265

Essa comunicação trágicas entre o divino e o mundo contemporâneo do poeta é lição muriliana, da qual “Poema Espiritual” de Poesia em Pânico se apresenta como verdadeiro

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Um poeta hermético contemporâneo que agregou a figura do anjo ao seu universo poético foi Contador Borges – seu primeiro livro se chama Angelolatria. Título do último poema do livro que é um passeio pelos anjos da pintura clássica e barroca.

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manifesto. O título do poema poderia levar o leitor a supor uma exaltação do sagrado abstrato, do absoluto etéreo, mas o arremate nos diz que nenhuma epifania, nenhuma contemplação é possível sem a assunção radical da matéria: “A matéria é forte e absoluta / sem ela não existe poesia”.266

Esses dois exemplos vistos de maneira mais detalhada servem para exemplificar a releitura que os poetas herméticos realizam não só da tradição literária ocidental, como também da já tradição poética brasileira. E nos diz, também, algo importante a respeito de seus valores estéticos: na poesia hermética brasileira atual não cabe o programa vanguardista de eliminação do passado, mas, ao contrário, o diálogo criativo com ele nessa “saga de ampliação do repertório”, como definiu Cláudio Daniel.

Se levarmos em conta a hipótese de que essa tendência hermética da poesia brasileira é um impulso moderno análogo às altas modernidades, por exemplo, da poesia européia – livres agora os poetas brasileiros das solicitações políticas e desprovidos de um projeto de nacionalidade pela lógica cultural do mundo contemporâneo – provocaremos imediatamente a seguinte pergunta: antes dos anos 80 e 90 nenhuma poesia abraçou a força dessa reflexão que confere à linguagem um poder residual, transformando o silêncio e a insólita fascinação pelas formas improváveis drummondianas em seus eixos fundamentais? Durante a poesia de resistência política, durante o tropicalismo e o predomínio maciço das vanguardas concretistas e racionalizantes como a práxis e o poema-processo, não houve adeptos desse tipo impopular de poesia?

Fecharemos esta seção respondendo essa pergunta. Pode-se supor que os poetas que praticaram a poesia difícil e, às vezes, obscura, não foram muito populares. Caminhavam na contramão da expectativa de público e crítica – público aqui entendido como leitor com freqüentação de literatura, leitor acima da nossa média nacional, que efetivamente lê livros de poesia. Não foi tentando invalidar as vias legítimas, em consonância com as necessidades políticas, de realização poética que os precursores do hermetismo brasileiro conduziram um importante legado da alta modernidade até os nossos dias; mas abraçando a poesia como uma atividade de sentido religioso amplo num mundo terrível e caótico, capaz apenas de aderir ao imediato como as esponjas. Foi tendo isso em vista que Orides Fontela (1940-1998) afirmou com fina ironia que “a poesia dita social não é um tema para proletárias autênticas, como eu”.267

266

Idem. p. 296-297.

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A paulista Orides Fontela teve sua obra completa editada neste ano de 2006, pela editora Cosac Nayf e 7 Letras. Mas é muito cedo para saber com clareza a marca que ela deixou na poesia brasileira de hoje e do futuro. Seu primeiro livro, publicado no final da década de 60 – Transposição (1969) – apresenta todos os seus temas preferidos, as modulações de uma voz que foi se apurando para dizer o essencial de sua visão essencialista. Já em novembro de 99 a Cult publicava duas matérias especiais lembrando a autora após um ano de seu falecimento. Uma dessas matérias foi escrita por Augusto Contador Borges, que consideramos importante representante do hermetismo poético. Nas primeiras linhas de sua matéria, Contador Borges aproxima Orides de Paul Celan: “Orides Fontela, como Paul Celan, é daqueles artífices que clareiam o ser ao mesmo tempo em que propõem uma indagação essencial sobre o ser da própria poesia”.268 Orides e Celan aproximam-se nesse verbo essencial, tecido nas bordas do silêncio, e assim instaurado por uma intensa reflexão metapoética, que teve a função crítica de monitorar as armadilhas armadas pelos discursos cristalizados do contexto dos dois – no caso de Orides, ajudou-a a esquivar-se da poesia política ou vanguardista; no caso de Celan, a fugir da língua alemão contaminada pelo nazismo e seus semantemas ideológicos de força e ordem.

Contador Borges nos mostra como o silêncio é um dos mais importante elementos compositivos da poesia de Orides, silêncio entendido como repercussão original do ser, aquilo que lhe pertence de mais autêntico e meta poética a que só se pode chegar atravessando as coisas, mas não a sua incorporeidade; mas mergulhando nelas para encontrar dentro dos objetos, dos seres e das experiências essa fagulha de entendimento sem voz, de saber sem ciência, que permanece irredutível a reduções, simplificações. E que só pode ser transmitido no espanto, na surpresa, na volatilidade de sua iluminada e instantânea permanência: “O silêncio, que encerra a possibilidade do ser no poema, que é propriamente sua reserva de forma e sentido, seu manancial e sua origem, prevalece ao sujeito que produz e esvanece nas palavras. Portanto, a força motriz que promove a morte do poema é a mesma a engendrar seu fluxo de permanência adversa”, segundo Contador Borges. Tudo isso que foi dito acima, está sintetizado num importante metapoema do livro Alba, de 83:

Poema

Saber de cor o silêncio

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diamante e/ou espelho o silêncio além do branco.

Saber seu peso seu signo

– habitar sua estrela impiedosa.

Saber seu centro: vazio esplendor além

da vida e vida além da memória.

Saber de cor o silêncio

– e profaná-lo, dissolvê-lo em palavras.

O poético, como se vê, adquire a dimensão de um tipo muito especial de conhecimento, quase incomunicável, intraduzível. No caso específico de Orides, alguns signos – que ao longo de sua obra, pela recorrência, transformam-se em símbolos269 – costeiam esse centro “vazio”, “profanado por palavras” revelando sempre a atenção dada ao universo circundante, à própria vida convertida em cenário privilegiado para a eclosão do sagrado, desse dizer silencioso. Entre esses símbolos estão a rosa, o sangue, o pássaro, o espelho, a palavra, o silêncio... todos elementos de sua mitologia pessoal, constituída na esteira mallarmeana de tentar dar um sentido mais puro às palavras da “tribo”. Para Contador Borges, “Na poesia de Orides as palavras se relacionam numa espécie de atração fatal que alivia a inércia causada por seu desgaste inevitável na circulação geral dos signos devido à função utilitária do discurso”.270

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A simbolização ocorreria quando determinado signo associado a outro, ou outros, num sentimento ou idéia recorrente, assumiria um papel especial na exegese da linguagem poética do autor específico.

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O que mais impressiona é que em nenhum momento a poesia de Orides se perde em altitudes abstratas. Sua metafísica está centrada no espaço fundamental de existência do ser – seu movimento, sua repercussão histórica encarnada no indivíduo que a revela e elide simultaneamente, em função de sua experiência vivencial. Há uma despersonalização que equivale ao equilíbrio encontrado pela poeta para manter sempre em primeiro plano o trabalho formal, diluindo completamente a biografia na matéria-prima vital que é o ponto de partida de suas epifanias: o reconhecimento de um valor inerente à vida. Alguém poderia acreditar estar diante de uma grande ironia, já que a biografia da poeta está traspassada por uma triste seqüência de doenças, isolamento e depressão. Mas sua poesia permanece como defesa e consciência de que a vida ultrapassa todos os matizes terríveis de que a nossa condição histórica se colore, como se pode verificar em dois poemas de Rosácea.271 No primeiro essa visão da vida aparece estendida aos homens em geral, de “humanidade anônima”:

Pirâmide

Ei-la

dor de milhares força de humanidade

anônima

(do faraó nem cinzas).

E no segundo se concentra no próprio sujeito lírico:

Semeio sóis e sons na terra viva afundo os pés no chão: semeio e passo. 271

Não me importa a colheita.

Há uma diferença interessante entre os dois textos. Em pirâmide, o monumento que é símbolo do poder de um, impressiona pela capacidade de muitos, sinalizada pela dor que resgata a condição histórica de uma grande massa sem rosto, que pela força de suas circunstâncias temporais sobrepuja o esplendor de seu Senhor. O rastro, e feito de muitas vidas destrona o faraó que deveria ser a figura a quem se presta a admiração em nome dos anônimos que construíram o monumento. O poema ganha por sinal um significado iluminador, pela sua possibilidade alegórica, quando o leitor transpõe esse evento longínquo para sua própria temporalidade, percebendo que entre a sintaxe social antiga e a nova nada mudou. Os anônimos conduzem a história, e é a eles que os poetas geralmente prestam homenagens. E no segundo poema, o sujeito lírico toma esse mesmo lugar de anonimato, esse não-lugar, de que qualquer um participa, representado pela breve passagem de sua vida, onde a colheita não importa, reafirmando a vida em si mesma como um valor positivo.

Além do silêncio e da metafísica vital de Orides Fontela, outros elementos podem ser encontrados em sua poesia que auxiliam a compreender a poesia hermética que é feita hoje no Brasil. No mesmo livro – Rosácea – encontramos o poema “Gatha”272, onde a influência da cultura e religião oriental sob a face do zen pode ser compreendida como caminho existencial baseado no silêncio, o calar que quer dizer muito.

Já afirmamos anteriormente que a presença de Orides Fontela não pode ser aferida com exatidão na poesia brasileira atual, mas se quiséssemos arriscar um diagnóstico precoce, juntaríamos ao nome do poeta, ensaísta e tradutor Contador Borges, o de Antônio Fernando de Franceschi que também a tem como referência. O primeiro poema – “Palavra” – de uma série de cinco sob o título de Fólios, de seu livro Sal, traz uma epígrafe de Orides que serve de mote para uma reescritura. A citação de Orides pertence ao poema “Antártida”, de Alba (1983). Nesse livro a cor branca, ou o branco, possuem papel fundamental. A brancura como contraponto da palavra e como absoluta e total desolação, representação máxima de uma ausência: “Norte nenhum / noite nenhuma / – branco sobre / o branco”273 (os versos grifados são os utilizados na epígrafe de Franceschi). O árido e gélido retrato criado por Orides ganha em Franceschi o contraponto. A palavra a que se dirigia realmente o poema dela, pois o

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“O vento, a chuva, o Sol, o frio / tudo vai e vem, tudo vem e vai. / Tenho a ilusão de estar sonhando. / tenho o manto de Buda, que é nenhum.”. Op. Cit. p.227.

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desolado branco é preparação e confirmação, pela ausência, da força da palavra; ocupa um espaço potencial apenas sugerido e que Franceschi aproveita para explorar. O seu – “Palavra” – nega a desolação branca e polar, para reafirmar a consciência fulgural da palavra que existe, por sua vez, no próprio universo poético de Orides:

Palavra – branco sobre o branco Orides Fontela mesmo o branco absoluto intransparece se escrevo: branco sobre a página consumada a palavra rompe a virtual nudez e turva macula

para dar-se à luz

pois sendo luz é também perda ruína derrelição

Outra precursora da tendência hermética é Dora Ferreira da Silva. Nascida em 1919 e falecida em 2006, aos 80 anos, foi uma das mais exímias tradutoras de poesia que o Brasil já

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