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CAPÍTULO 5 DISCUSSÕES NA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONÔMICOS

5.2 Política cambial e área externa

Até a desvalorização do real, em 1999, as discussões em torno da política cambial e área externa têm temática bastante variada. O ano de 1995 começa com debates na CAE sobre os efeitos da crise mexicana e o primeiro ataque especulativo ao real, em dezembro do ano anterior. As discussões passam pela mudança nas bandas cambiais, que ajustou o valor da taxa de câmbio para cima e causou muita especulação no mercado por conta de suspeitas de vazamento da

modificação antes da sua execução a instituições financeiras, aborda a sobrevalorização do real em relação ao dólar, a composição das reservas cambiais e a política de aplicação das reservas.

Fica claro que, em 1995, há questionamentos sobre a consistência da política cambial em todos os seus aspectos, e não só no que diz respeito à sobrevalorização do câmbio, uma preocupação típica de setores exportadores e produtores nacionais dedicados ao mercado interno que enfrentavam a concorrência de similares importados. É provável que os senadores reproduzissem as preocupações dessa fatia do setor produtivo, diretamente afetado pela política do dólar desvalorizado. Mas não só. Possivelmente, parte dos senadores reverberava também as posições e desconfianças de uma ala do próprio governo, que divergia da condução adotada50.

Nesse caso, a preocupação estava relacionada a dúvidas sobre a eficiência das bandas cambiais em sentido mais amplo, como opção de política pública.

Em 1996, o tema discutido é praticamente um só: uma proposta apresentada pelo BCB de reestruturação da dívida externa que sugeria a troca dos títulos negociados no âmbito do Plano Brady51 por outros, com características diferentes, sob a justificativa de melhorar o perfil de vencimentos da dívida externa e reduzir seus custos. A preocupação dos senadores era conceder uma espécie de cheque em branco ao BCB, uma vez que a autorização dada pelo Senado seria prévia e dada de forma global. Os resultados (se positivos ou negativos) só seriam conhecidos depois de ofertados os títulos. Em 1997, a única discussão existente envolve a sobrevalorização do câmbio, temática que se acentua um pouco mais em 1998, quando, após a crise Russa, a CAE discute pontualmente os saldos negativos da balança comercial e a própria taxa de câmbio, junto com a perda de reservas cambiais, que começa a se acentuar no segundo semestre de forma crescente, tornando cada vez mais evidentes as dificuldades do BCB em sustentar a política de bandas cambiais. Das quatro incidências, três ocorrem a partir de outubro, em audiências públicas. Após a crise Russa, o Brasil passou a viver um processo de sangria nas reservas e seu pior momento teve lugar em setembro de 1998, quando o BCB foi obrigado a vender US$ 21,5 bilhões para defender sua política cambial. Assim, a exemplo de 1995, o debate na CAE em 1998 parece estar relacionado com uma preocupação mais abrangente em relação à consistência da

50 Não dentro do governo, mas dentro da equipe econômica havia divergências. Como diz R.M. do Prado, Pérsio

Arida deixou o governo, entre outros motivos, por divergir da política de câmbio.

51 Estratégia de renegociação das dívidas externas de países devedores orientada para uma renegociação com redução

do principal e juros, lançada pelo secretário do Tesouro norte-americano Nicholas Brady, em 1989, à qual o Brasil aderiu. Os títulos resultantes dessa renegociação foram batizados genericamente de “Bradies”.

política cambial. É exatamente nesse sentido uma intervenção do senador Jefferson Perez, então integrante do PSDB (ou seja, da base governista) durante uma importante audiência pública destinada a explicar o acordo com o FMI, realizada em 8 de dezembro de 1998, na qual estavam presentes de Malan e Gustavo Franco, ainda presidente do BCB:

[...] Em segundo lugar, Sr. Ministro, há uma proibição expressa nesses acordos de que o Congresso brasileiro faça o controle de saída de capitais. Embora eu não desejasse que o presidente Fernando Henrique fosse um primeiro-ministro Mahathir Mohamed e proibisse a saída de capitais, incomoda-me não termos liberdade para estabelecer esse controle __ por exemplo, uma quarentena __ se entendêssemos que isso seria bom para o país. Não temos esse direito, a nós está vedado esse direito aqui. Não lhe parece que cedemos demais nesse ponto? A terceira pergunta, Sr. Ministro, diz respeito a que alguma fonte, não sei se do FMI ou da equipe econômica, vazou para a imprensa, não como meta, como compromisso, mas como indicativo, que o Brasil atingiria um superávit, nas suas contas correntes, de US$ 2,8 bilhões. Não lhe parece que esse vazamento foi extremamente imprudente, qualquer que tenha sido a fonte? Porque a percepção do mercado é a de que existe defasagem cambial. Não discutirei se existe ou não, mas a percepção do mercado é esta, e é o que importa. Se chegarmos a meados do próximo ano apresentado déficits grandes em conta corrente, parecerá aos agentes econômicos que o governo brasileiro fará uma desvalorização do Real, uma desvalorização cambial para atingir esse indicativo de US$ 2,8 bilhões de superávit, o que é muito ruim para o país. [...] (SENADO FEDERAL, 1998, ata n°29)

Em 1999, apesar de ser o ano da desvalorização e da mudança da política cambial, a CAE só discute a questão em dois momentos: na sabatina de Francisco Lopes para ocupar a presidência do BCB, no dia 26 de janeiro52, e no dia 24 de março, quando Pedro Malan e Arminio Fraga, já ocupando a presidência do BCB, comparecem a uma audiência pública para explicar a revisão do acordo com o FMI. A explicação para esse comportamento possivelmente reside no fato de que, com a desvalorização e a flutuação, desaparecem, a um só tempo, os motivos das pressões de exportadores e grupos nacionais que, com o real valorizado, enfrentavam a competição de produtos importados mais baratos. A desvalorização também extinguiu parte dos motivos que geravam a luta dentro do Executivo sobre a condução da política econômica.

A leitura das notas taquigráficas indica que uma outra fonte de tensão emerge a partir do final de 2000. Trata-se da repercussão da política cambial sobre a dívida pública federal. Como se sabe, ao longo dos meses que antecederam a desvalorização, o BCB vendeu grandes volumes de

papéis cambiais como forma de oferecer hedge (proteção) ao mercado financeiro e aliviar a demanda por dólares no mercado à vista. No mesmo período, o BCB também assumiu posições vendidas em contratos futuros em dólar na Bolsa Mercantil e de Futuros (BM&F), que, ao serem honrados, acabaram tendo impacto sobre a dívida pública. Em grande parte devido a essas políticas, após a desvalorização, a dívida líquida do setor público53 saltou de 41,7% do PIB em dezembro de 1998 para 51,1% do PIB em julho de 1999. Ou seja, a elevação da dívida pública após 1999 foi uma das conseqüências da política cambial praticada pelo BCB até aquele ano. Não por acaso, como se verá ainda no presente item, a partir de 2000 o presidente do BCB passa a ser obrigado a, por força da Lei de Responsabilidade Fiscal54, explicar ao Congresso Nacional o impacto fiscal das operações. Nas notas taquigráficas, fica clara a preocupação dos parlamentares com os custos da política cambial, que surgem associados aos custos da política monetária. Tão freqüente era a discussão que o presidente do BCB, Arminio Fraga, passou a se antecipar ao debate a respeito do peso dos juros sobre a dívida, segregando de antemão o impacto da desvalorização cambial sobre a mesma nos documentos levados aos parlamentares. Como se vê em uma das intervenções do deputado Sérgio Miranda (PC do B-MG)55, tal dilema é claro:

Fiz um estudo com a minha assessoria, Sr. Presidente, sobre o impacto fiscal da variação cambial no resultado das contas do Governo. Não vou discutir aqui o mérito da política econômica que V. Sra. Defende; vou discutir os custos. Não existe al,oco grátis; tudo tem custo. Discute-se o custo do pagamento dos aposentados, da política da saúde e da universidade. Qual é o custo da política cambial? Fiz uma avaliação do custo da política cambial com a desvalorização recente tanto na dívida líquida externa como na mobiliária indexada ao câmbio. Tivemos um impacto cambial, tomando por base os últimos 12 meses a partir de fevereiro, quando houve esse crescimento da desvalorização do câmbio, de 29,5 bilhões. Do ponto de vista do déficit, o déficit nominal em percentual do PIB, tomando por base 12 meses, fechando em fevereiro, foi de 2,87. O impacto cambial foi de 2,68. Se não houvesse essa alteração de câmbio, teríamos praticamente um

52 Francisco Lopes colocou a política de bandas com movimento diagonal endógeno em prática no dia 13 de janeiro e

a abandonou no dia 15, permitindo a flutuação. Nesse curto período, o país perdeu US$ 2,8 bilhões em reservas na tentativa de manter aquela política. (PRADO, 2005, p. 476).

53 Dívida Líquida do Setor Público corresponde ao saldo líquido do endividamento do setor público não financeiro e

do BCB com o sistema financeiro (público e privado), o setor privado não financeiro e o resto do mundo. Manual de Finanças Públicas. BCB, 4ª Ed. Pág 121, disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/Infecon/FinPub/cap5p.pdf

54 O artigo 9º. Parágrafo 5º da Lei Complementar 101/00 diz que o BCB “no prazo de noventa dias após o

encerramento de cada semestre, o BCB, apresentará, em reunião conjunta das comissões temáticas pertinentes do Congresso Nacional, avaliação do cumprimento dos objetivos e metas das políticas monetárias, creditícia e cambial, evidenciando o impacto do custo fiscal de suas operações e os resultados demonstrados nos balanços”

55 Pelo que se depreende da leitura das notas taquigráficas, o deputado Sérgio Miranda era um dos integrantes do

Legislativo a impor debates mais qualificados aos dirigentes do Executivo. Naturalmente, era também um discurso agressivo, já que o parlamentar era da oposição.

superávit nominal. [...] Então, esse é o impacto que reflete nos gastos orçamentários, porque a essência da Lei de Responsabilidade Fiscal são os artigos 9º e 31º. O que diz o art. 9º e o art 31? Haverá limitação de empenho se a sua meta de resultado primário nominal for afetada. Então, temos de saber como o custo da política monetária e cambial afeta a meta de resultados, porque terá conseqüência no Orçamento. (SENADO FEDERAL, 2001, ata da quarta reunião de assuntos econômicos, quinta da Comissão de Fiscalização e Controle)

A intervenção do deputado Sérgio Miranda explicita um aspecto que representa uma relevante tensão entre o BCB e o Legislativo: o fato de as ações do BCB terem potencial impacto fiscal e, portanto, afetarem a disponibilidade de recursos orçamentários para investimentos. Tal tensão tende a se tornar mais forte a partir de 1999, quando coincidentemente a União passa a adotar uma política explícita de produção de superávits primários nas contas públicas com o intuito de estabilizar ou reduzir a relação entre a dívida líquida do setor público e o Produto Interno Bruto (PIB)56. O ajuste fiscal comprimiu a disponibilidade de gastos destinados a investimentos afetando diretamente projetos do interesse de parlamentares.

As intervenções de Sérgio Miranda são recorrentes no que diz respeito à cobrança de maior transparência em relação aos custos que eventualmente o BCB possa impor sobre o Orçamento. O deputado dispõe de uma assessoria dedicada a examinar com profundidade as questões orçamentárias. Poderia-se, então, dizer que Miranda escapa à média dos parlamentares e agiria motivado por interesses e aptidões específicos, que não espelhariam a posição da maioria do plenário. Mas não é o que aponta a análise da coleta de dados feita para a elaboração desse trabalho. Os indícios, pelo contrário, são de que parte relevante dos parlamentares tinha (e tem) clara percepção do custo fiscal da ação do BCB, ainda que não se posicione em favor de uma política alternativa. A análise indica, ainda, que o Legislativo compete com o BCB por espaço nas disponibilidades orçamentárias. Um aspecto da discussão da Lei de Responsabilidade Fiscal no Congresso confirma essa percepção. A exigência de accountability imposta pelo artigo 5º da Lei de Responsabilidade Fiscal, que obrigou o BCB a apresentar semestralmente ao Congresso uma avaliação do cumprimento dos objetivos e metas das políticas monetárias, creditícia e cambial, do impacto do custo fiscal de suas operações e dos resultados demonstrados nos

56 A relação entre a divida líquida geral ou concilidada e o PIB é uma das principais variáveis utilizadas por agências

de risco para avaliar a situação fiscal de um país no processo de avaliação do risco soberano. É comum que países emergentes busquem como estratégia a melhora dos indicadores selecionados por tais agências com o objetivo de deixar o enquadramento de grau especulativo e alcançar o grau de investimentos, na convicção de que tal movimento promova a redução dos custos de captação de financiamentos externos. (CANUTO; FONSECA, 2003).

balanços, foi produto de uma emenda apresentada na Câmara ao texto enviado pelo Executivo e aprovada nas duas casas. Ou seja, tal exigência representa a vontade do Congresso.

Em 2004, uma interessante disputa Executivo-Legislativo diretamente ligada ao BCB explicitou tensão semelhante. Naquele ano, o Legislativo incluiu no Projeto de Lei número 3 de 2004 que dispunha sobre as diretrizes para a elaboração da Lei Orçamentária de 2005 dois dispositivos no sentido de obrigar o Executivo a explicitar em relatórios “os custos para a União da execução da política de metas inflacionárias, de juros, de intervenção no mercado de câmbio, da manutenção de reservas, do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional – PROER, e das operações com derivativos e de outros fatores no endividamento público” e no sentido de explicitar no Orçamento do ano seguinte “os parâmetros esperados para crescimento do produto, índice de inflação, taxa de juros nominal e real, nível de endividamento e volume de desembolso com serviço da dívida no início do exercício e o efetivamente observado, apresentando-se as justificativas de eventuais desvios”. Na prática, tratava-se de uma tentativa de constranger o Executivo __ mais especificamente o BCB __ forçando-o a mensurar antecipadamente os custos com as políticas monetária, cambial e com o saneamento do sistema financeiro. O Executivo vetou os dois dispositivos sob as justificativas de que “não é possível avaliar inequivocamente, a priori, tais custos” e que a taxa de juros é exatamente o instrumento por meio do qual é estabelecida a política monetária. “Sua trajetória não pode ser definida a priori, pois depende da evolução do cenário econômico e dos eventuais choques não antecipáveis aos quais a economia está sujeita ao longo do tempo. A explicitação das expectativas de taxas de juros em momento tão antecipado poderia causar distúrbios na condução da política monetária, em nada contribuindo para a estabilidade econômica buscada”, diz a mensagem de veto57. É um indicativo de que a tensão permanece no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Como no Executivo, também no Legislativo a concepção de que a valorização foi tardia e impôs custos excessivos ao país se disseminou como paradigma de risco concreto da delegação de poderes ao BCB. Durante reunião da CAE realizada em 4 de dezembro de 200158 destinada a apreciar o nome de Beny Parnes para ocupar a diretoria Internacional do BCB, em meio a uma

57 Mensagem de veto número 482, de 11 de agosto de 2004, disponível em www.planalto.gov.br, veta os parágrafos

1º e 2º do Artigo 108 do PL 3 de 2004 – CN, que “Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração da lei orçamentária de 2005 e dá outras providencias.”.

discussão a respeito da autonomia da instituição, o senador tucano Pedro Piva (SP) fez a seguinte intervenção:

No dia em que vier projeto do governo, aí nós vamos nos preocupar com o assunto. Mas eu darei o meu voto antecipado. Aliás, por contrário ao Dr. Beny (Parnes) -- V. Exa imaginou, Sr. presidente (dirigindo-se ao senador Lucio Alcântara, presidente da CAE), com todo respeito, se tivéssemos um mandato fixo de presidente e o Banco Central independente? Estaríamos com o Sr. Gustavo Franco e o dólar a R$ 0,80 e o Brasil teria quebrado. (SENADO FEDERAL, 2001, ata n° 53)