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CAPÍTULO 5 DISCUSSÕES NA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONÔMICOS

5.6 Relações entre o BCB e o Mercado Financeiro

As quatro incidências registradas em 1995 estão associadas aos debates envolvendo dois fatos noticiados na imprensa na época. O primeiro, que motivou a presença do então presidente do BCB na CAE, Pérsio Arida, foi o fato de Arida ter passado o final de semana que antecedeu a modificação da sistemática das bandas cambiais, em março de 1995, na casa de um banqueiro amigo, Fernão Bracher, e às suspeitas de vazamento da informação da mudança. No segundo, trata-se da divulgação, em primeira mão, com algumas horas de antecedência ao anúncio oficial, pela consultoria Tendências, da troca de dirigentes do BCB, empresa onde trabalhava (e para onde retornou, após deixar o BCB) o sucessor de Arida, Gustavo Loyola. Os debates a respeito das estreitas relações do banco central com o mercado financeiro, em geral, surgem associados à troca de lados do balcão, ou seja, ao recrutamento de integrantes do mercado, que passam pelo BCB e ao mercado retornam eventualmente promovidos, e ao tema da quarentena. Sobre isso, Pedro Simon afirmou, na sessão que sabatinou Gustavo Loyola, que a tramitação do tema é procrastinada:

Apareceu na imprensa que essa proposta de quarentena (com a indicação de Loyola, surgiu na Câmara um debate no sentido de fazer um dos projetos que institui a quarentena, especificamente o de autoria do ex-senador Itamar Franco, andar) tem algo a ver com o presidente Loyola. Não tem nada a ver, tanto que a proposta que está sendo votada é da época do Sr. Itamar Franco senador. Lá se vai muito tempo. Eu pedi urgência na votação dessa matéria, mas já se passou mais de um ano que solicitamos a votação dessa matéria na Câmara. (SENADO FEDERAL, 1995, ata n° 16).

Em 1996, os registros mostram que duas das três incidências estão associadas ao BC, o mercado e o Proer. Em uma intervenção durante um debate no qual se discutiu a convocação do ministro da Fazenda e de dirigentes do BCB para explicar o programa de reestruturação recém lançado, o senador Espiridião Amin (PTB-SC) declarou:

Ninguém tem falado mais do que eu a respeito da promiscuidade do Banco Central e dos seus dirigentes com o sistema financeiro privado. Está aí. O sujeito pode estar

salvando, no Banco Central, a instituição que vai abrigá-lo depois de amanhã. Pode. E há um limite do que a lei pode salvaguardar e aquilo que é comportamento do cidadão. Ninguém pode prever todas as hipóteses de transgressão. (SENADO FEDERAL, 1996, ata n° 1).

Em outra reunião (interrompida por falta de quorum), na qual o tema discutido é a proposta de sobrestamento de um outro projeto que propõe a quarentena para diretores do BCB, de autoria do então senador Valmir Campelo (PTB-DF), o senador Pedro Simon se manifesta:

Com toda a sinceridade, como todo respeito ao relator, vamos sobrestar essa questão para não votarmos essa matéria. Quem quer votar a favor, vote. Quem quer votar contra, vote. Mas eu sou totalmente a favor, pois o que vem ocorrendo não pode continuar: um cidadão sai de uma instituição financeira particular e vai para a diretoria do banco; sai da diretoria do banco e volta para a instituição financeira particular. Querem tanto copiar os Estados Unidos, mas não agem como os americanos. Nos Estados Unidos, quando o presidente do Banco Central deixa o cargo, por um período de quatro anos ele continua recebendo uma determinada importância e fica impedido de ocupar função em outra instituição. Querem discordar, que o façam, mas sobrestar para estudar mais? Estamos estudando há dez anos. [...] O mal desse Senado é não decidir. (SENADO FEDERAL, 1996, ata n° 37).

Em 1997 e 1998, não há registro de debate do tema, que retorna às discussões em 1999 durante as sabatinas de Francisco Lopes e de Arminio Fraga. No primeiro caso, a intervenção foi do senador Jefferson Peres no sentido de saber de Lopes quanto tempo transcorreu entre a flutuação do câmbio e a decisão de flutuá-lo, por conta de suspeitas de vazamento de informação que já circulavam no mercado. No caso de Arminio Fraga, o debate envolveu a colocação da “raposa no galinheiro”, ou seja, o fato de Fraga ter sido um administrador de fundos de George Soros. Em 2000, os três registros existentes têm motivações variadas: um debate que culminou com a convocação de Malan à CAE envolvendo matéria publicada pela revista Veja sobre supostas chantagens que o banqueiro Alberto Cacciola estaria fazendo a ex-dirigentes do BCB; perguntas a respeito do vazamento de informações no caso Marka e FonteCindam e a defesa, pelo senador Eduardo Suplicy, da realização de uma auditoria nos resultados das instituições financeiras a fim de detectar ganhos incomuns em decorrência da mudança da política cambial em 1999. O tema da promiscuidade vem à tona novamente em 2002 com a indicação de Henrique Meirelles para o BCB e a existência, na autarquia, de vários procedimentos de investigação envolvendo atos do BankBoston.

Embora o tema das relações entre BCB e mercado esteja entre os menos discutidos, alguns elementos dos debates indicam a existência de tensões. Nas audiências públicas com autoridades do Ministério da Fazenda ou do BCB em que a proposta de instituição da quarentena surgiu, os representantes da equipe econômica sempre se posicionaram no sentido de associá-la à instituição de mandatos fixos para diretores do BCB, outro ponto de conflito. Há tensões também associadas a alguns aspectos dos projetos que tramitam no Legislativo a respeito da quarentena. No caso do projeto de Itamar Franco, além do prazo da quarentena na saída do cargo, considerado por integrantes do governo longo demais (quatro anos antes do diretor ou presidente assumir o cargo e dois anos após deixá-lo), há, ainda, uma vedação do acesso de integrantes do mercado financeiro às diretorias da autarquia. O governo costuma argumentar que precisa de pessoas “do ramo” no BCB. Um ex-colaborador do presidente Fernando Henrique Cardoso entrevistado pela autora que preferiu não se identificar afirma que as estreitas relações entre dirigentes do BCB e mercado criam no Legislativo um sentimento de desconfiança em relação às decisões da autarquia, em especial nos parlamentares mais ligados a setores demandantes de crédito, como a indústria e a agricultura.