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CAPÍTULO 1: Povo, Política e Educação no Século XIX

1.2 A política das classes populares

Como podemos perceber a educação popular não se restringe a escola. Da mesma forma podemos dizer que a política feita pelas classes populares não se restringe ao parlamento e ao voto. A ideia do povo apolítico, bem como do povo não educado, precisa ser relativizada por uma ótica que revele outras formas de educação e inserção política. Talvez ainda esperemos encontrar uma unidade no sentido de “povo” que nos dificulte perceber as ações políticas dos diferentes grupos mais ou menos organizados que o constituem. Outro fator que pode comprometer nossa compreensão da realidade é a concepção de política exclusivamente na esfera do Estado, ou com vistas a ele, ação resumida essencialmente no voto. Sabemos que esta não é a única forma de participação nas relações de poder. É o que José Murilo de Carvalho demonstra para o período de passagem da monarquia para a República em fins do século XIX.

O autor discute em seu clássico Os Bestializados, a comunidade política do Brasil, a forma

20 Este conjunto seria classificado mais a frente como “atrasados morais” entre os quais assimila para em seguida distinguir “a camada que trabalha braçalmente” e “o oceano de malandragem e da prostituição”. Como já lembrado, João do Rio seguia, como homem de seu tempo e de sua classe, os referenciais de Lombroso, muito em voga ao se tratar do povo das ruas e criminalidade, João do Rio realiza a habitual separação entre trabalhadores braçais e o oceano da malandragem e do vício, identificando todos, entretanto, como “atrasados morais”, “pertencentes a meio mais primitivo”. Não deixava de ser tênue a linha que separava, ao olhar das autoridades e da intelectualidade urbana, os homens e mulheres trabalhadores pertencentes às classes populares dos malandros, vagabundos e criminosos em geral, as chamadas “classes perigosas”.

como nos governamos, ou somos governados e o faz pensando a cidadania, a relação entre Estado e sociedade. Toma um momento crucial na vida política do país: a passagem do Império para a República inspirado nas observações de Aristides Lobo - “o povo assistiu à proclamação da República bestializado”; e do francês Louis Couty, residente há muito no Brasil - “no Brasil não há povo”. Procurando escapar de uma visão maniqueista sobre a relação Estado e sociedade o autor esclarece que, na prática, o maniqueísmo acaba por revelar uma atitude paternalista em relação ao povo ao considerá-lo vítima impotente diante das maquinações do poder do Estado, ou dos grupos dominantes, e dessa forma bestializa o povo. “Parece-nos, ao contrário, que somente em casos muito excepcionais e passageiros de sistemas baseados totalmente na repressão, é mais fecundo ver as relações entre cidadãos e Estado como uma via de mão dupla, embora não necessariamente equilibrada. Todo sistema de dominação para sobreviver terá de desenvolver uma base qualquer de legitimidade, ainda que seja a apatia dos cidadãos” (CARVALHO, 2006, p. 11).

Para Carvalho (2006, p. 38) havia, no Rio de Janeiro, um vasto mundo de participação popular que passava ao largo do mundo oficial da política.

A cidade não era uma comunidade no sentido político, não havia o sentimento de pertencer a uma entidade coletiva. A participação que existia era de natureza antes religiosa e social e era fragmentada. Podia ser encontrada nas grandes festas populares da Glória e da Penha, e no entrudo, concretizava-se em pequenas comunidade étnicas, locais ou mesmo habitacionais, um pouco mais tarde apareceria nas associações operárias anarquistas. Era a colônia portuguesa, a inglesa, eram as colônias compostas por imigrantes de vários estados, era a Pequena África da Saúde formada por negros da Bahia, onde sob a maternal proteção da Tia Ciata, se gestava o samba carioca e o moderno carnaval. Eram as estalagens cuja população podia chegar a mais de mil pessoas. O cortiço de Botafogo descrito por Aluísio de Azevedo, possuía no final mais de 400 casas e constituía uma pequena república com vida própria, leis próprias, detentora de inabalável lealdade de seus cidadãos, apesar do autoritarismo do proprietário. Aluísio, aliás, fala expressamente na 'República do Cortiço'. Ali se trabalhava, se divertia, se fornicava, se festejava e principalmente se falava da vida alheia e se brigava. (…) Frente à polícia, dono e moradores se uniam, pois estava em jogo a honra e soberania da pequena república. Cortiço em que entrava polícia era cortiço desmoralizado. É profundamente irônico e significativo que a república popular do cortiço se julgasse violada, derrotada, quando lá entrava o representante da República oficial. No romance, o cortiço consegue evitar a entrada da polícia, mas na vida real, dois anos após a publicação do livro, o cortiço Cabeça de Porco seria destruído em autêntica operação militar pelo republicano histórico Barata Ribeiro. O governo da república destruía as repúblicas sem integrá-las numa república maior que abrangesse todos os cidadãos da cidade (CARVALHO, 2006, p. 39).

A república, como antes o império, não integrava socialmente as classes populares e os excluía politicamente. A exclusão dos analfabetos pela constituição republicana teria sido

particularmente discriminatória. Apesar da reforma eleitoral que lhes impedia o voto datar de 1881, o autor constata que a república furtou-se, em seu texto constitucional, do provimento de educação para o povo. “Exigia-se para a cidadania política uma qualificação que só o direito social da educação poderia fornecer e, simultaneamente, desconhecia-se esse direito. Era uma ordem liberal, mas profundamente antidemocrática e resistente a esforços de democratização” (CARVALHO, 2006, p. 46).

Segundo Chalhoub, o problema da reforma eleitoral de 1881 era relativo a definição de cidadania num contexto de crise do regime escravista. “Na segunda metade do século XIX, o problema era definir os direitos políticos dos descendentes de escravos. Após a lei de 1871 [Lei do Ventre Livre], havia o temor de que os filhos de escravos nascidos livres viessem a adquiri cidadania plena ao atingir a maioridade, tornando-se agentes formais do mundo político” (CHALHOUB, 2003, p. 211). A solução a brasileira desse problema, exigência da capacidade de ler e escrever para a qualificação de eleitores (Lei de Reforma Eleitoral de 1881) alijou milhares e milhares de descendentes de escravos da política formal na década seguinte.

Vemos, então, que desde muito cedo, na história da formação de nossa nação, foi confundido instrução e capacidade de exercício da cidadania política. Não se trata de mero equívoco em um debate que ecoa até hoje. Nem tampouco será a escola o único espaço de marginalização dos saberes e culturas populares. O presente capítulo pretende defender a ideia de que a Reforma Eleitoral, lei nº 8213 de 9 de janeiro de 1881, também conhecida como Lei Saraiva, em certo sentido, representou uma forma de institucionalização da separação entre a instrução e a

experiência.

Não tomaremos a reforma como um tema específico a ser aprofundado, mas sim como evento relevante no âmbito da relação classes populares, educação e política, no período aqui analisado. Ela nos ajuda a refletir sobre a construção do “mito da alfabetização” (GRAFF, 1995), do preconceito contra o analfabeto (GALVÃO & DI PIERRO, 2007), sobre o processo de separação entre saberes populares e saberes oficiais, escola e vida e ainda compreender a própria luta popular por escolarização, ensejando outra reflexão sobre a resistência dos saberes de experiência e sobre o próprio educar-se das classes populares.

É importante ter em mente como funcionava, em linhas gerais, o sistema eleitoral, antes da reforma. No império votava-se para Juiz de Paz e vereadores, no âmbito local. No âmbito provincial e nacional votava-se para a assembleia provincial, a câmara dos deputados e o senado. As eleições do nível provincial e nacional eram indiretas em dois níveis. Todas as eleições passaram a ser diretas a partir da reforma de 1881. Podiam votar homens com mais de 25 anos, 21 se casados, ou se oficiais militares. Se clérigos ou bacharéis podiam votar com qualquer idade. Mulheres e

escravos não votavam, libertos votavam apenas nas eleições de primeiro grau. Havia exigência de renda anual para votar: 100 mil réis por ano para votante e 200 mil réis por ano para eleitor. A partir de 1846 os valores são atualizados para 200 mil réis e 400 mil réis respectivamente.

A constituição de 1824 não condicionou o direito de voto à alfabetização, mas entre 1824 e 1842, a legislação exigia que a cédula fosse assinada, o que limitou na prática o voto dos analfabetos. Entre 1842 e 1881, os analfabetos puderam ser votantes e eleitores. Por exemplo, um levantamento da lista de votantes de 1876, feito em oito paróquias da cidade do Rio de Janeiro, revela um contingente significativo de votantes que não sabiam ler e escrever: um em cada quatro. Nas paróquias rurais como Guaratiba e Jacarepaguá os analfabetos ultrapassavam os 50% (NICOLAU, 2002, p. 11). Mudanças significativas vieram com o Decreto Nº 3029 de 9 de janeiro de 1881 que reformou a legislação eleitoral. Ele dispunha, em seu primeiro artigo, que as eleições para senadores, deputados membros da assembleia geral, bem como os membros das assembleias provinciais e quaisquer autoridades eletivas seriam, desde então, diretas. Os eleitores seriam:

(...) todo cidadão brasileiro, nos termos dos arts. 6º, 91 e 92 da Constituição do Império, que tiver renda liquida anual não inferior a 200$ por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego. (…) Os habilitados com diplomas científicos ou literários de qualquer faculdade, academia, escola ou instituto nacional ou estrangeiro, legalmente reconhecidos. (…) Os que desde mais de um ano antes do alistamento dirigirem casas de educação ou ensino, frequentadas por 20 ou mais alunos, ou leccionarem nas mesmas casas. (…) Os juízes de paz e os vereadores efetivos do quatriênio de 1877-1881 e do seguinte, e os cidadãos qualificados jurados na revisão feita no ano de 187921.

O Decreto nº 8213, de 13 de Agosto de 1881 que regulava a execução da Lei n. 3029 de 9 de Janeiro do mesmo ano adenda aos acima citados, como eleitores que não precisavam comprovar renda, “Os diretores, lentes e professores das faculdades, academias e escolas de instrução superior, os inspetores gerais ou diretores da instrução pública na corte e nas províncias, os diretores ou reitores de institutos, colégios ou outros estabelecimentos públicos de instrução e os respectivos professores, os professores públicos de instrução primária por título de nomeação efetiva ou vitalícia”. Podemos observar que a instrução se torna critério de restrição do voto por um lado, enquanto por outro se torna fator de facilitação.

Mas será o artigo oitavo da reforma que vedará o voto aos analfabetos que pleiteassem o alistamento pela primeira vez22. Ao legislar sobre a revisão do alistamento geral de eleitores em

21 Decreto nº 3029 de 9 de janeiro de 1881. Disponível em: http://www.tse.jus.br/hotSites/glossario- eleitoral/termos/anexos/textos/html_leis/lei_saraiva.htm Acesso em 20 de janeiro de 2012.

22 A reforma imperial que vedou o voto ao analfabeto teve continuidade após a implantação do regime republicano. “Uma das primeiras medidas do governo republicano foi abolir a exigência de renda para ser eleitor ou candidato. Por outro lado, em um artigo singelo, os analfabetos foram proibidos de votar, restrição que só seria suspensa cem

todo o império, determinava que deveriam ser eliminados dele os eleitores “(…) que tiverem falecido ou mudado de domicílio para fora da comarca, os falidos não reabilitados, os que estiverem interditos da administração de seus bens, e os que, nos termos dos arts. 7º e 8º da Constituição, houverem perdido os direitos de cidadão brasileiro ou não estiverem no gozo de seus direitos políticos”. Entretanto, só poderiam ser inscritos, a partir daquele momento, aqueles que provassem sua condição de eleitor e que soubessem ler e escrever. A prova seria dada pela letra e assinatura do cidadão. Ou seja, o critério da leitura e da escrita passava a ser usado apenas para novos eleitores. Os analfabetos que já estivessem alistados desde processos passados, manteriam seus direitos políticos, tanto que os próprios títulos de eleitores designavam aqueles que sabiam e os que não sabiam ler e escrever. De onde podemos concluir que os homens ricos, desde antes eleitores, mesmo que analfabetos, não deixaram de ser. Logo, não houve alteração no status quo, porque seus descendentes já seriam enviados para a escola com todas as condições necessárias.

Podemos afirmar que a realidade do sistema eleitoral foi, desde o início, controlada por leis escritas – uma escrita organizadora vide os alistamentos, editais, etc. E uma escrita comprobatória, vide certidões e tantas outras documentações/papéis. Porém, até antes de 1881, esse tipo de codificação não impedia aqueles que não sabiam ler e escrever, preenchendo os critérios de renda e alguns outros, de participar do processo eleitoral. Por exemplo, os editais que convocavam o alistamento de eleitores eram afixados em espaço público. É muito provável que um leitor pudesse difundir em voz alta a mensagem ali contida. Além do que, homens eleitores analfabetos possuíam suas redes de relações que os auxiliaria com o manejo dos papéis. As interdições da lei de 1881 foram escolhas político ideológicas e não técnicas. A dificuldade da comprovação da condição de eleitor expressa nos inúmeros artigos sobre provas documentais foi outro fator de restrição do número de eleitores.

Segundo Nicolau (2002), vários estudos de caso feitos em determinadas cidades e províncias revelam que, até 1880, entre 5% e 10% da população estava inscrita para votar. Após a entrada em vigência da Lei Saraiva, em 1881, houve uma notável redução do eleitorado.

Quando se compara o número de votantes do começo da década (1873) com o de eleitores após a promulgação da lei (1882), observa-se um declínio acentuado (87%): o eleitorado inscrito passou de 1,1 milhão para 142 mil eleitores. As causas foram, provavelmente, a introdução de critérios muito rigorosos para comprovação de renda, a exigência de se saber ler e escrever para inscrição de novos eleitores e o fim do alistamento automático (agora o eleitor deveria requisita a qualificação por sua iniciativa). Por outro lado, como se toma como base para comparação os antigos eleitores de segundo grau, observa-se que houve um crescimento de 614%, passando de 20 mil

anos depois: “considerem-se eleitores, para as câmaras gerais, provinciais e municipais, todos os cidadãos brasileiros, no gozo de seus direitos civis e políticos, que souberem ler e escrever (decreto nº 6 de 19 de novembro de 1889)”” (NICOLAU, 2002, p. 26).

para 140 mil...” (NICOLAU, 2002, p. 24).

A interdição de direitos políticos não estaria só na negação do voto. É o que mostra Chalhoub ao estudar os pareceres do Conselho de Estado para pedido de reconhecimento dos estatutos da Sociedade Beneficente da Nação Conga Amiga da Consciência. A interdição estaria também “[no] fato do governo imperial opor-se à organização de sociedades de trabalhadores negros alegando, entre outras coisas, que suas diretorias não sabiam ler e escrever” (CHALHOUB, 2003, p. 265).

Antes mesmo da difusão do termo “analfabeto”, ler e escrever eram exigências para o reconhecimento de legitimidade política pelo Estado num momento em que “apenas 23,3% dos homens e 13,43% das mulheres sabiam ler e escrever, numa média de 18,56% de alfabetizados, incluindo os escravos essa média final descia para 15,75%” (CHALHOUB, 2003, p. 286). Porém, mais dos que os números em si, nos interessa a representação que se fazia deles. Observemos a análise de Chalhoub (2003) sobre crônica de Machado de Assis, em 1876, que trata da relação alfabetização e cidadania:

De qualquer modo, ao utilizar-se dos números com esse tipo de viés político, o Sr. Algarismo exprimia visão bastante comum à época, de que saber ler e escrever era requisito para as virtudes cívicas. Tal opinião constituía-se em 'verdade axiomática', adotada por todos os espíritos independentemente de filiação partidária, segundo Sérgio Buarque de Holanda. Tal situação contrastava com a vigente entre os constituintes de 1823, que não cogitaram incluir restrições aos direitos políticos dos analfabetos num país em que tal condição abundava. Na década de 1870 generalizara-se o conceito de que a alfabetização dos cidadãos era essencial para moralizar a vida política do país.

Os ideais da reforma eleitoral serão motivadores do desenvolvimento de iniciativas educacionais para ensino de primeiras letras, principalmente a adultos analfabetos, como o expressivo exemplo dos cursos noturnos. Isso não seria suficiente, alegam os críticos da lei de 1881, entre eles Joaquim Nabuco, que em 27 de maio de 1879 pronuncia o esclarecedor discurso:

'Outro meio, senhores, que se empregou para responder a tudo que dissemos quanto aos analfabetos, consiste em representar-nos como amigos da ignorância. Nós somos apresentados como autores da propaganda sinistra do obscurantismo, como inimigos da escola, como adversários da iniciativa do honrado Sr. ministro do império, a quem devo dizer que prefiro que S. Ex. multiplique escolas no país a que as multiplique no papel, como inimigos da necessidade que tem todo homem de saber ler e escrever. (...) Mas o que não deveis fazer é criar categorias de analfabetos, classes sociais de analfabetos, mesmo porque quando fazeis isto, além de excluirdes das urnas cidadãos que não tem culpa de não saber ler e escrever, dai às mesas qualificadoras um pretexto a mais para afastar das urnas quem não for do seu partido' (Apud CHALHOUB, 2003, p. 286).

José Bonifácio, Chalhoub conclui que “ninguém acreditaria que membros das supostas 'massas inconscientes' dos que não sabiam escrever seriam autores de qualificações fraudulentas de eleitores, atas falsas, apurações forjadas. Como poderiam, sendo analfabetos?”. E ainda que “o governo continuaria a vencer as eleições porque permaneceria a seu dispor as armas habituais para fazê-lo: distribuição de empregos públicos, regalias em contratos, comissões rendosas, honrarias diversas” (CHALHOUB, 2003, p. 286).

A análise feita por Nabuco, Bonifácio e pela historiografia atual já aparecia entre redatores de periódicos operários, sujeitos que se auto classificavam também como parte dessa “classe operária”. Estes sujeitos, excluídos do direito do voto por serem considerados “inconscientes”, “ignorantes” e “incapazes” de realizar “tão importante escolha” demonstravam nas páginas de

Gazeta Operária, perfeito conhecimento das razões da exclusão e um posicionamento crítico,

refletido e redigido quanto a elas, apenas quatro dias depois ter sido decretada a lei.

Mas, qual, engano; o Sr. Saraiva é de um tino... a prova é que fez passar o artigo 8º enquanto excluía a maior parte dos legítimos cidadãos que mais concorrem para o progresso e engrandecimento da pátria, pretextando a inconsciência com que exerciam o sacratíssimo direito de cidadãos. (...)

O proletariado, único mercadejador da consciência, na opinião de S. Ex. o Sr. conselheiro Saraiva, está para todo sempre condenado e despojado do supremo direito de cidadão!...(...)

Acabaram-se os capangas, os fósforos23 jamais terão extração e as baionetas do governo não farão correr mais o sangue do turbulento, inconsciente e miserável mercadejador do voto, o operário!...(...)

Concluiu, finalmente, V. Ex. a sentença que há muito sonhava para lavrar sobre as classes menos favorecidas e sobre o povo pobre – A Reforma Eleitoral!

De modo que só os Srs. proprietários e capitalistas são os considerados cidadãos. E podem gozar dos direitos que lhes são facultados pela reforma eleitoral! (...) Pois bem, Sr. conselheiro. V. Ex. que passa em toda sua carruagem pelas ruas da cidade, lançando olhares para as multidões, encontrará muitos operários pobres, mas honrados, porque tem a consciência sã e o caráter nobre, não estão ainda corrompidos pelo vício torpe da bajulação como aqueles que descem ao balcão da venalidade, olvidando os mais sacrossantos princípios da sociedade e da natureza, alugando a consciência podre para empolgar as altas posições sociais.

É necessário, pois, que V. Ex. e todos quantos se acham colocados nas altas posições sociais, compreendam que o operário é um homem que tem um cérebro que pensa e não uma máquina...

O operário de 1881 não é o mesmo operário de 1850 nem de 1860 que só cuidava em trabalhar, comer e dormir.

O operário de 1881 trabalha, come, lê folhas diárias, vai ao teatro, estuda nas aulas noturnas, desenvolve seu talento em reuniões literárias, nas imprensas e nas tribunas populares, inocula no coração os verdadeiros germens das doutrinas sociais e não deixa passar impunemente as afrontas que lhe são feitas, aceita

23 Segundo Nicolau (2002, p. 12) “O invisível, o fósforo, representa um papel notável nas nossas eleições, e mais ainda nas grandes cidades do que nas freguesias rurais”. O fósforo era aquele sujeito que votava três, quatro, cinco e mais vezes por si e pelos ausentes, principalmente aqueles já falecidos, em várias freguesias quando eram próximas.