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2. POLÍTICA DOS DADOS

2.5 Big data

O que Shoshana Zuboff intitula capitalismo de vigilância e suas técnicas de ordenação dos sujeitos possuem como componente fundamental o big data. O big data diz respeito à lógica atual de acumulação de dados, que inclui não apenas a quantidade (colossal em sua natureza, uma vez que toda interação com um sistema ou aparato informacional gera dados), mas também a velocidade com que estes dados são adquiridos e as arquiteturas dos algoritmos adaptativos que os utilizam para se aperfeiçoarem (CLOUGH et al., 2015, p. 41

Um algoritmo é definido como um procedimento realizado em um número finito de passos para resolver um 41

problema ou alcançar um objetivo, muitas vezes de forma auxiliada por computador. Um “algoritmo adaptativo” é capaz de utilizar diferentes informações para aperfeiçoar a si mesmo, realizando a(s) tarefa(s) propostas de maneiras mais precisas e eficientes.

146). O processamento e acúmulo de big data ultrapassa a compreensão humana e de instituições tradicionais (ibid.), sendo delegado a algoritmos cujo funcionamento é automatizado.

Como Clough et al. (2015, p. 154, trad. livre)42 sustentam, o “big data não liga tanto para ‘você’ quanto para os bits de informação aparentemente aleatória que os corpos geram ou deixam como rastros de dados; o objetivo é afetar ou apreender o que é novidade”. Zuboff (2018, p. 32-33) complementa:

O big data é constituído de small data, das ações e discursos, mediados por computador, de indivíduos no desenrolar da vida prática. Nada é trivial ou efêmero em excesso para essa colheita: as “curtidas” do Facebook, as buscas no Google, e-

mails, textos, fotos, músicas e vídeos, localizações, padrões de comunicação, redes,

compras, movimentos, todos os cliques, palavras com erros ortográficos, tornados abstratos, agregados, analisados, embalados, vendidos, analisados mais e mais e vendidos novamente.

A partir daí surge o data exhaust ao qual nos referimos anteriormente, que, ao ser definido como resíduo, dificilmente terá sua extração e monetização contestadas (idem).

Aquilo no qual a Google foi pioneira tornou-se lógica de funcionamento de praticamente qualquer aplicativo e startup (ZUBOFF, 2019), cujos ativos são agora também de vigilância (idem, 2018, p. 40). Dessa forma, a troca de informações pelo uso destes aplicativos se tornou a norma, em um contexto no qual pouquíssimas pessoas estão dispostas a pagar por serviços alternativos que possam garantir maior privacidade (VAN DIJCK, 2014, p. 200). O que é cedido, de forma mais específica, não são apenas dados, mas também metadados, ou dados sobre dados, que, em diferentes casos, possuem um papel mais determinante do que o conteúdo em si da informação. É a partir da combinação de dados e metadados que empresas como Facebook podem nos conhecer nos mais íntimos aspectos.

A entrega de dados por usuários de aparatos computacionais não se dá por meio de coerções, mas de maneira passiva e voluntária, ainda que os próprios usuários não estejam cientes, através destes mesmos aparatos. Nisso, indivíduos colaboram para sua própria vigilância, refinando “procedimentos que intervêm sobre o comportamento individual e o coletivo” (CRARY, 2017, p. 57), e, como pontuam de forma certeira David Lyon e Zygmunt Bauman (2013, p. 28), consentem “em perder a privacidade como preço razoável para maravilhas oferecidas em troca”, sejam serviços de comunicação digital ou jogos digitais,

“Big data doesn’t care about ‘you’ so much as the bits of seemingly random information that bodies generate 42

conforme discuti anteriormente a partir dos exemplos do Pokémon Go! e da rede social

Facebook.

Em seu projeto Facebook Algorithmic Factory , o Share Lab , time de pesquisa 43 44

cria do Share Foundation , traz luz sobre como dados e metadados põem em movimento a 45

grande máquina do Facebook, um dos principais atores do capitalismo de vigilância. O projeto tenciona “mapear e visualizar o processo de exploração complexo e invisível por trás da caixa preta da maior rede social do mundo” por meio de uma ampla pesquisa realizada nas mais diversas fontes publicamente disponíveis, como política da empresa, suas patentes, análise da interface da rede social e de sua API . O resultado é um complexo mapa do 46

funcionamento da “máquina algorítmica do Facebook” (figura 10), além de um material textual profundamente elucidativo.

Figura 10: Mapa do funcionamento lógico do algoritmo de publicidade do Facebook do projeto Facebook Algorithmic Factory Fonte: https://labs.rs/en/facebook-algorithmic-factory-immaterial-labour-and-data-harvesting/ https://labs.rs/en/facebook-algorithmic-factory-immaterial-labour-and-data-harvesting/ 43 https://labs.rs/en/ 44

Organização sérvia não governamental que “promove direitos humanos e liberdades online, assim como 45

valores positivos de uma Web aberta e descentralizada, assim como acesso livre a informação, conhecimento e tecnologia”. Site da organização: http://shareconference.net/en/

API, ou application programming language, é um conjunto de métodos definidos para a comunicação entre

46

Os processos de criação de perfis ou direcionamento de marketing e conteúdo realizados pelo Facebook e outras empresas capitalistas de vigilância são de uma complexidade esmagadora, encoberta pelo automatismo da apresentação do conteúdo na rede social. Facebook Algorithmic Factory visa revelar as camadas destes aparatos em um hercúleo exercício de investigação, tocando em pontos não usualmente trazidos à tona em análises sobre o capitalismo de vigilância, como o fato de que tudo o que fazemos em plataformas ou redes sociais como Facebook, Twitter, amazon.com etc. são formas de trabalho digital não remuneradas.

Toda interação realizada na rede social é registrada, assim como cada conteúdo enviado (fotos, vídeos etc.), que, por meio de um obscuro e complexo algoritmo, define que tipo de conteúdo os usuários veem, quais páginas lhe aparecem como sugestão ou mesmo quais anúncios verão. Para a empresa, os metadados de cada usuário são tão importantes quanto os próprios dados, uma vez que aqueles permitem estabelecer complexas relações (por exemplo: mostrar anúncio de passagens de avião para o Caribe se o usuário viajou recentemente para uma região litorânea). São estabelecidas relações entre diversos tipos de informações, tais como o like dado à foto de uma página específica. A partir destas relações incrivelmente amplas a empresa designa a cada usuário um conjunto de interesses, criando um perfil seu, que definirá o conteúdo e a publicidade vistos. 47

As falhas que aí surgem – para além da gravidade de um modelo de negócios que orbita em torno da vigilância de dados – são gritantes. O Facebook é considerado por muitos uma máquina de estereotipar raça e gênero, criando bolhas em torno de usuários de certos 48

grupos étnicos, como afro-descendentes, e gênero, como mulheres, para além das bolhas políticas e de opinião mais comumente citadas.

A informação de interesse para empresas como o Facebook não é relacionada a um indivíduo específico nem à sua subjetividade (BRUNO, 2013, p. 153). Afinal, nada dá a certeza que todas as mulheres se interessam por anúncios de roupas femininas ou que alguém que esteve recentemente na França possui interesse em uma viagem ao Québec. Os dados (e metadados) coletados possuem, antes, uma lógica infraindividual ou supra individual. Infraindividual,

Um perfil, neste caso, para além do perfil da rede social, é um perfil de consumo ou personalidade do perfil. 47

https://theintercept.com/2019/04/05/facebook-como-maquina-de-preconceito/ 48

porque a informação de interesse (comercial, epistêmico, securitário) não é aquela relativa a um indivíduo específico, mas a parcelas, fragmentos de ações ou comunicações que irão alimentar complexos bancos de dados cujas categorias consistem, por exemplo, em tipos de interesse ou comportamento que não estão atrelados a identificadores pessoais. Ao mesmo tempo, tais bancos de dados mineram essas informações para extrair categorias supraindividuais ou interindividuais [...] que não dizem respeito a este ou aquele indivíduo especificamente identificável. (BRUNO, 2013, p. 153)

A subjetividade é evitada e, como aponta Antoinette Rouvroy e Thomas Berns (2018, p. 116), procura-se desviar de qualquer tipo de reflexão, tudo maquinando para que o sujeito tornado perfil nunca possa refletir sobre sua existência como tal. “O momento de reflexividade, de crítica, de recalcitrância, necessário para que haja subjetivação, parece, incessantemente, complicar-se e ser adiado” (idem).

Conforme indica Deleuze (2017, p. 227), é "fácil fazer corresponder a cada sociedade certos tipos de máquinas". Técnicas de profiling, aparatos informacionais através dos quais a vigilância contemporânea se distribui, o big data que os alimenta e vários outros elementos que constituem o dispositivo das formas contemporâneas de controle são máquinas que podem e devem ser entendidas dentro do que Deleuze (idem) pensa como sociedade do controle. No tópico seguinte busco, a partir do pensador francês, pensar este paradigma que, como apontado por ele, sucede à sociedade disciplinar. Se, como Deleuze (idem, p. 227) aponta, as máquinas de certa sociedade "exprimem as formas sociais capazes de lhes darem nascimento e utilizá-las", nossa investigação em torno da sociedade do controle teve início logo no começo desta escritura. Investigando, agora com Deleuze, este novo paradigma a partir de sua lógica de funcionamento, podemos, argumento, proceder em via contrária e aprofundar nossa compreensão em torno de suas máquinas.

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