• Nenhum resultado encontrado

Política Nacional sobre Drogas: os Planos de Enfrenta mento ao Crack e outras Drogas no Brasil

No documento Análise da política de saúde brasileira (páginas 196-198)

Políticas de enfrentamento ao uso indevido de drogas na sociedade

2. Política Nacional sobre Drogas: os Planos de Enfrenta mento ao Crack e outras Drogas no Brasil

É preciso, então, tecer uma observação sobre o modo como o Estado brasileiro abordou e vem abordando o fenômeno.

A Lei nº 11.343/2006 e a Política Nacional sobre Drogas, que regulamentam as políticas brasileiras concernentes às drogas, diretamente influenciadas pelas convenções da ONU, não reco- nhecem os usos culturais de certas substâncias psicoativas vincu- ladas a rituais; não contemplam certas singularidades culturais; não diferenciam o consumo próprio (individual ou coletivo) e o tráfico, entre outros aspectos. A ausência de tal distinção acarreta um tratamento de desconfiança moral, policial e legal frente a todos os usuários de substâncias psicoativas, independentemente de seus hábitos e dos contextos culturais em que vivem. A incapa- cidade de lidar com a complexidade do fenômeno e a opção por

um tratamento unilateral influencia o campo político, onde se percebe o empobrecimento das análises e a ausência dos aspectos socioculturais na concepção das políticas públicas direcionadas às drogas (LEAL, 2012).

Ou seja, tais políticas ainda conservam em seus princípios e diretrizes concepções sobre o uso de drogas, sobre o caráter ilí- cito de algumas drogas e sobre o controle do Estado em face de condutas individuais matizadas por motivações moralistas e por interesses econômicos e políticos que não são claramente expli- citados. A própria dicotomia entre drogas lícitas e ilícitas revela o conteúdo falacioso e moralizante de uma dada perspectiva ide- ológica que serve muito mais para controlar o comportamento de determinados segmentos sociais do que, como pretende o dis- curso dominante, reduzir danos sociais e de saúde associados ao consumo das drogas consideradas ilegais. Isso se agudiza ainda mais em um contexto de relações sociais marcadas pelo consu- mismo, pela efemeridade, pela desigualdade e desproteção social, da apreensão do uso de drogas como prática socialmente deter- minada e do desvelamento de conteúdos moralizantes na abor- dagem dos usos de drogas, que favorecem práticas criminosas e violência, em detrimento de respostas consistentes, no âmbito da saúde pública, que efetivamente contribuam para a preven- ção e redução de danos associados ao uso das diferentes drogas (CFESS, 2011; LEAL, 2006).

Diante da acentuada vulnerabilidade social e das carências no campo da saúde, educação e segurança pública das popula- ções menos favorecidas, sobretudo daquelas vivendo nas peri- ferias das cidades grandes e de médio porte, em particular das pessoas que fazem uso de drogas ilícitas, uma política de Estado que integrasse a atenção a todas estas deficiências seria, sem dú- vida, um elemento importante na resolução do problema (BRA- SIL, 2010). Com esse discurso, foram concebidos o Plano Emer- gencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e à Prevenção em Álcool e outras Drogas no SUS (PEAD), em 2009, e o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas – “Plano Crack” – em 2010. Entretanto, isso demanda uma análise que possibilite revelar além dessa aparência.

Estes Planos foram instituídos num contexto de pânico so- cial relacionado ao uso de crack e de grande fragilidade estrutu- ral, haja vista a carência de ações comunitárias junto aos usuários de drogas (ANDRADE, 2011).

O PEAD, instituído por meio de Portaria nº 1190 de 4 de junho de 2009 pelo Ministério da Saúde, estava voltado aos 100 maiores municípios brasileiros (com mais de 250 mil habitantes), todas as capitais e 7 municípios de fronteira selecionados, tota- lizando 108 municípios. Essas cidades somam 77,6 milhões de habitantes, que corresponde a 41,2% da população nacional. A proposta do plano era alcançar, prioritariamente, crianças, ado- lescentes e jovens em situação de grave vulnerabilidade social, por meio das ações de prevenção, promoção e tratamento dos riscos e danos associados ao consumo prejudicial de substâncias psi- coativas. O plano apresenta objetivos5, 11 grandes diretrizes e 4

eixos de atuação6 (BRASIL, 2009). Como parte do Plano, a área

de Saúde Mental lançou o Edital (SAS/SVS nº 01/2009) para apoio a projetos de redução de danos, e a área técnica elaborou a 1ª Chamada para Seleção de Consultório de Rua e Redução de Danos, tendo sido selecionados 12 Projetos para atuarem em 2009-20107. O Plano apresenta uma proposta em duas direções:

o que chamaram de ações imediatas e ações estruturantes. Ambas possuem objetivos, diretrizes e financiamento. Cabe ressaltar que essas propostas carecem de uma análise que ultrapasse os dados quantitativos, seja do ponto de vista do número de ações/servi- ços, seja do montante de recurso destinado.

E o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas – Plano Crack –, instituído pela Presidência da Repúbli- ca através da Casa Civil8, teve como fundamento a integração e

a articulação permanente entre as políticas e ações de saúde, as- sistência social, segurança pública, educação, desporto, cultura, direitos humanos, juventude, entre outras, em consonância com os pressupostos, diretrizes e objetivos da Política Nacional sobre Drogas. A maior parte dos recursos destinados ao Plano (52,65% 5 Ampliar o acesso ao tratamento e à prevenção em álcool e outras drogas no

SUS; diversificar as ações orientadas para a prevenção, promoção da saúde, trata- mento e redução dos riscos e danos associados ao consumo prejudicial de subs- tâncias psicoativas (SPA); e construir respostas intersetoriais efetivas, sensíveis ao ambiente cultural, aos direitos humanos e às peculiaridades da clínica do álcool e outras drogas, e capazes de enfrentar, de modo sustentável, a situação de vulne- rabilidade e exclusão social dos usuários.

6 Cabe ressaltar que, no ES, conforme a Portaria que institui o PEAD, estariam

contemplados os municípios de Vila Velha, Serra, Cariacica e Vitória para as ações previstas nos eixos 1 e 2. Entretanto, ainda não foi possível encontrar nenhuma análise sobre como e se essas propostas foram/estão sendo implementadas.

No documento Análise da política de saúde brasileira (páginas 196-198)