• Nenhum resultado encontrado

Verifica-se, ao longo do estudo, o uso dos termos adstrição e adscrição da

No documento Análise da política de saúde brasileira (páginas 102-105)

A (in)visibilidade do processo de trabalho na estratégia de saúde

9 Verifica-se, ao longo do estudo, o uso dos termos adstrição e adscrição da

clientela/população, como sinônimos, por vários autores e documentos oficiais. O Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio B. Holanda define os termos da seguinte forma: Adstrição (substantivo f.) ação ou efeito de adstrigir (verbo) que significa: apertar, comprimir, unir, submeter sujeitar, obrigar, adscrever etc. E adstrito (adjetivo): apertado, unido, ligado, limitado, restrito, cingido. Enquan- to, Adscrito – aditado, acrescentado, inscrito, registrado, sujeito, subordinado. Assim, salvo nas citações de autores, em que será preservado o termo utilizado, optamos por utilizar o adjetivo adstrito(a) e o substantivo adstrição por com- preendê-lo como sendo mais adequados (FERREIRA, 2004).

ção e o processo de trabalho desenvolvido através do trabalho em equipe multiprofissional, que serão analisados a seguir, sob a ótica dos trabalhadores da ESF que participaram do estudo.

A territorialização com população adstrita

Considerando que seria necessário tornar mais claro o con- ceito de território, há um destaque a duas correntes de pensa- mento: a primeira que define o território de forma naturalizada, que já está dado e completo. Nesse caso, o território é definido por critérios geopolíticos – território-solo. A segunda apresenta o território como um espaço dinâmico, em permanente construção e reconstrução, onde se tensionam sujeitos sociais numa determi- nada arena política (MENDES et al. 1994).

Assim, para cada USF se determinaria o território obedecen- do à lógica que resulta das condições objetivas de existência de uma população específica, que abrange, segundo Mendes (1994), a forma de inserção no processo produtivo, de participação no consumo, de interação com o meio ambiente e a participação no processo e na tomada de decisão em saúde. Contudo, na prática, se considera, prioritariamente, os indicadores de maior exposição a riscos, aliados ao grau de vulnerabilidade social.

Mendes (1994) afirma que a adstrição da população não pode ser um encurralamento que imponha a determinação das relações entre a comunidade e os serviços. A adstrição admite re- lações distintas, seja profissional/paciente, profissional/área ge- ográfica, unidade/área geográfica, equipe de saúde/indivíduo ou coletivos (famílias, outros grupos sociais etc.).

A referência à população adstrita possibilita a obtenção do indicador de cobertura da ESF, que é construído não apenas pelo número de equipes instaladas, mas também pelo número de pessoas (não de famílias) acompanhadas, se constituindo em variáveis que se traduzem numa relação de proporcionalidade. Acresce-se a isso o fato de que ter uma população definida para cada equipe nem sempre significa a garantia de que toda ela esteja efetivamente acompanhada pela referida equipe, principalmente pelo elevado número de pessoas por área, bem como pelas desi- gualdades sociais que se apresentam nas áreas delimitadas.

A atuação em território delimitado foi referida pelos pro- fissionais da SF como facilitadora no planejamento e no desen- volvimento das ações, embora surjam demandas da população, às quais os profissionais não têm condições de atender. Algumas

dessas demandas competem a outras instâncias da gestão muni- cipal, que não são especificamente da saúde. Nesse caso, a ausên- cia de uma atuação intersetorial dificulta o desenvolvimento do processo de trabalho da ESF.

Mesmo admitindo a facilidade de atuar em território delimi- tado, um profissional se referiu ao princípio da universalidade do acesso no SUS que, forçosamente, devido à atuação em território delimitado, para determinada população, acaba sendo descum- prido, em razão da repressão da demanda espontânea.

A PNAB, em suas contradições, apresenta que o traba- lho na saúde da Família é dirigido a populações de territó- rios bem delimitados e, ao mesmo tempo, refere que a ABS é orientada pelo princípio da universalidade do acesso. Rati- fica, nos seus fundamentos, que a SF deverá possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde, caracteriza- dos como porta de entrada aberta e preferencial da rede de atenção (BRASIL, 2011b).

Entretanto, fica evidente que não há universalidade do aces- so e sim seletividade (focalização), tanto no que se propõe institu- cionalmente, quanto na prática da ESF.

Portanto, o território na Saúde da Família é considerado prioritariamente, pelos profissionais, na sua dimensão geográ- fica, que orienta a organização do processo de trabalho, no que se relaciona ao planejamento e à organização da demanda e da oferta das ações. O que não deixa de ser uma organização espa- cializada do trabalho.

Trabalho em equipe multiprofissional

O trabalho em equipe multiprofissional e interdisciplinar se constitui, digamos, no segundo pilar, não por ordem de impor- tância, do processo de trabalho da ESF, que deveria se apresen- tar enquanto uma estrutura organizacional horizontalizada de trabalho, tendo como objetivo principal atuar no processo saú- de-doença, produzindo resultados positivos sobre os diferentes fatores que o determinam ou condicionam.

Portanto, a discussão compreenderá não apenas as referên- cias do ponto de vista conceitual e geral sobre o trabalho em equi- pe, mas a especificidade que essa dimensão assume na concepção do processo e das condições de trabalho na ESF.

Segundo Piancastelli et al. (2000), a concepção de equipe, de forma geral, se vincula à de processo de trabalho, sujeita, portan-

to, às transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho. Os autores enfatizam que uma das transformações mais signifi- cativas do trabalho, na atualidade, é a permuta entre um trabalho de ação individual para um trabalho em grupo. Porém, há grupos trabalhando em diferentes situações, nas quais alguns se tornam equipes e outros permanecem como grupos.

Contudo, Motta (2001) afirma que “as equipes são formas mais aprimoradas dos grupos de trabalho” (p. 59), pois apresentam todas as vantagens dos grupos e podem criar um espírito único, comum e positivo para o trabalhador coletivo, através de esforços organi- zados. São compostas por pessoas que, por motivos intrínsecos à organização do trabalho, deverão atuar em conjunto. No aspecto funcional, as pessoas de diferentes formações trocam informações, ideias e resolvem problemas com mais facilidade. O valor das ati- vidades, a razão de ser, a forma de agir determinam o trabalho em equipe. As equipes mais modernas apresentam as tarefas mais in- tangíveis e não rotineiras, ocupando o maior espaço, e alteram as concepções tradicionais sobre grupos e equipes de trabalho.

Segundo Santana (2000, p. 13) essa nova equipe de saúde da ESF estará sempre em processo de conformação, quanto ao perfil de competências e habilidades de seus integrantes ou, avançando mais na polêmica, onde a composição básica está imposta através de ins- trumentos burocráticos, mas pode se alterar ou se adaptar, confor- me a realidade nos diferentes contextos sociais, econômicos, cultu- rais etc. do país e, consequentemente, de cada município.

A equipe de saúde da família, enquanto trabalho coletivo multiprofissional, além do fato de exigir certo grau de coopera- ção, complementaridade, decisões pactuadas com planejamento mais amiúde etc., passa a ter nesses aspectos seu caráter distinti- vo10. Nesse sentido, Santana (2000) adverte que:

Não se pode adotar uma postura dogmática ao abordar o tema, no processo de trabalho da ESF. [...], há que cercar-se de cuidados para evitar armadilhas, ao ponto de admitir possibilidades que beiram a fantasia ou o delírio. Até certo ponto, o trabalho desta equipe pode e deve ser a ponte para um novo cenário no contexto dos serviços de saúde. Mas outras iniciativas no campo das políti-

No documento Análise da política de saúde brasileira (páginas 102-105)