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Trabalho, acumulação capitalista e a saúde do trabalhador

No documento Análise da política de saúde brasileira (páginas 124-127)

Política de saúde do trabalhador: desafios históricos e

2. Trabalho, acumulação capitalista e a saúde do trabalhador

O desenvolvimento do capitalismo reproduz e amplia as desigualdades sociais, as quais se refletem na realidade da saúde, impactando-a, bem como na proteção social dos trabalhadores. As formas de organização do trabalho e o papel secundário que o trabalhador ocupa no sistema produtivo, levam-no à reificação e fazem com que se torne descartável e substituível, de acordo com a lógica da dinâmica produtiva de acumulação flexível. Esses aspectos, que acentuam a não valorização do trabalhador, condu- zem a uma crescente invisibilidade das doenças e acidentes rela- cionados ao trabalho, assim como o não reconhecimento de que o trabalho pode ser desencadeante do adoecimento.

A história social do trabalho revela intrínseca relação com a saúde dos trabalhadores. Entretanto, o ocultamento dessa rela- ção está representado pelas formas mais perversas de domínio do capital sobre o trabalho.

O processo de acumulação capitalista é indissociável dos modos de organização do trabalho, movimento cujo contexto contemporâneo demonstra plenamente, caracterizado pela inten- sificação do trabalho, envolvimento dos trabalhadores, os quais têm sua subjetividade capturada pelo capital, (ALVES, 2007) com impacto no processo de pertencimento, enquanto classe social.

No sistema capitalista mundial, a configuração do trabalho tem apresentado, em seus vários ciclos, sistemas gerenciais com evolução crescente da produção, da qualificação profissional, do ritmo de trabalho e da fragmentação do processo produtivo. O contexto é de precarização, flexibilização, trabalho parcial, poli- valência de funções, redução dos postos de trabalho por unidade produtiva, aceleramento no ritmo da produção e das ações, so- mado ao desemprego estrutural e à implementação de novas tec-

nologias, com salários em declínio e/ou instáveis. Cada vez mais, para manter a mesma renda, o trabalhador é levado a trabalhar mais e em diversos lugares. Ressaltam-se ainda outras questões relacionadas à precarização dos contratos de trabalho: precarie- dade objetiva (contrato por prazo determinado, trabalho tempo- rário) e precariedade subjetiva. Esta é tão, ou mais, prejudicial à saúde dos trabalhadores quanto aquela, ambas propiciando a ins- tabilidade dos contextos técnicos e organizacionais. Desse modo, se constata a fragilidade das prestadoras de serviço, que, nesse sentido, de forma exacerbada, fazem os contratos com profissio- nais terceirizados. Também se verifica a responsabilização dos as- salariados, tornando-os compromissados com sobrevivência das empresas. Constitui momento predominante da atual produção do capital a busca do envolvimento do trabalhador, enquanto disposição intelectual-afetiva, com a lógica da valorização do capital, isto é, para além do “fazer” e do “saber” (ALVES, 2011). Portanto, as atuais técnicas gerenciais “funcionam, simultane- amente, para incrementar o controle e para a intensificação do trabalho” (SELIGMANN-SILVA, 2011, p. 177).

Em relação aos processos de trabalho, observa-se que, nas palavras de Marx, são fundamentalmente “processos de produ- zir mais valia” (MARX, 1980), sendo, nas relações sociais de pro- dução, determinantes do adoecimento dos trabalhadores. Dife- rentes processos de trabalho predominam e coexistem em meio ao sistema de produção de bens e serviços, sistema esse que se alimenta de distintas formas de trabalho, cujas características de precariedade estão associadas ao trabalho vivo e à força de traba- lho como mercadoria, atingindo as diversas dimensões da vida social (ALVES, 2007). O que se verifica é uma ampliação da do- minação do capital sobre o trabalho, resultando, dentre outros agravos para o trabalhador, na produção de formas de desgaste mental relacionados ao trabalho (SELIGMANN-SILVA, 2011).

Essas características atuais do estágio de desenvolvimen- to capitalista expõem uma perversa dialética na qual “assim como o capital torna ‘supérfluas’ suas mercadorias, sem as quais, entretanto não pode sobreviver, o mesmo capital tor- na ‘supérflua’ sua mercadoria força de trabalho, sem a qual também não pode sobreviver” (ANTUNES, 2005, p. 28,). Cons- tata-se, portanto, que amplas parcelas da classe trabalhadora se encontram expostas e à disposição das idiossincrasias do capital (ALVES, 2010).

Os contrastes sociais, determinados pelas mudanças no ca- pitalismo contemporâneo, vão assumindo contornos marcados pela precarização e flexibilização crescente das condições e das relações de trabalho. Essa situação arrasta o produto das lutas sociais dos trabalhadores, os direitos sociais e, ainda, influencia no desmantelamento de conquistas sociais adquiridas ao longo da história brasileira (BEHRING, 1998).

Constata-se que o perfil epidemiológico de adoecimento dos trabalhadores também expressa as transformações na orga- nização do trabalho. Assim, o aumento da incidência e da preva- lência de doenças relacionadas ao trabalho, como as Lesões por Esforços Repetitivos (LER) ou os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), que respondem por cerca de 80% dos casos atendidos nos Centros de Referência em Saú- de do Trabalhador – CEREST. Ademais, há adoecimentos mal caracterizados, entre eles os relacionados ao estresse, à fadiga física e mental e outras expressões de sofrimento relacionadas à atividade laboral. Como agravante, observa-se que essas “no- vas” formas de adoecimento convivem, no país, com as doenças profissionais clássicas como a surdez ocupacional, a silicose, as intoxicações por metais pesados e por agrotóxicos, entre outras (Ministério da Saúde, 2006).

Os agravos que incidem sobre a saúde do trabalhador se redimensionam, visualizados na elevação do número de ado- ecimentos relacionados à atividade exercida e ao afastamento profissional. Portanto, o reconhecimento do processo de saú- de-doença e trabalho exige, cada vez mais, compreender como têm se dado os modos de produzir e os modos de acumular na sociedade capitalista.

A Saúde e o Trabalho, como categorias centrais compartilha- das por todos os segmentos sociais, se constituem em categorias estruturantes do ser humano. Adquirem, então, novos significa- dos e agravantes, reflexo das mudanças na matriz produtiva e das consequentes formas de organização do trabalho, bem como da implementação das políticas neoliberais, na década de 80, do sé- culo XX. Sem que se possa ainda precisar, de maneira mais efetiva, as repercussões desse contexto, em longo prazo, é necessário re- pensar e unificar ações e estratégias, a partir do desenvolvimento de processos sociais. Sendo assim, a mobilização, a consciência, a organização e a participação coletiva são os elementos essenciais para que se possa fazer esse enfrentamento.

3. A Política de Saúde do Trabalhador: mediações históricas

No documento Análise da política de saúde brasileira (páginas 124-127)