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Políticas de cultura e turismo e carnaval no Ceará

3.2 ESTADO E CENTRALIZAÇÃO NO CARNAVAL

3.2.1 Políticas de cultura e turismo e carnaval no Ceará

Apesar do crescimento ininterrupto dos festejos carnavalescos nos clubes e ruas de Fortaleza, desde os anos 1930, o carnaval de rua não encontrou respaldo nas políticas públicas de turismo da capital. Na década de 1970, as forças sociais convergiram para promover a descentralização dos festejos da capital em prol de sua disseminação e crescimento no interior. Em conseqüência, o carnaval de rua de Fortaleza foi duramente penalizado.

Em Fortaleza, as gestões municipais adotaram, de forma velada, uma postura anticarnavalesca, deixando às entidades privadas, que eram os clubes, elegantes e suburbanos, o espaço empreendedor nesta seara. No carnaval de rua, a incapacidade administrativa demonstrada pelos órgãos municipais responsáveis pela organização da festa pública em Fortaleza andou na contramão das iniciativas de suas congêneres administrativas. Nos circuitos da imprensa, cunhou-se na década de 1960 a metáfora da “fuga” da população da cidade no carnaval15. Na década de 1970, a metáfora é mais radical, nomeando de “morte” do carnaval de Fortaleza16.

15“ Cerca de 20 mil pessoas fugiram de Fortaleza” (O Povo, 03/03/1965); “Milhares de pessoas

A culminância desse processo, contrariando todas as outras tendências de crescimento social no Ceará, que se centralizava e concentrava em Fortaleza, foi a perda da hegemonia carnavalesca de Fortaleza para as cidades do interior efetivada nos anos 80.

As prefeituras municipais de dezenas de pequenos municípios do interior do estado foram engajadas na promoção do carnaval desde meados da década de 1970, apoiando financeiramente os blocos e demais entidades carnavalescas que se articulavam para os festejos momescos.

Quais as forças sociais que configuraram essa particularidade de Fortaleza no contexto carnavalesco do Brasil? Nosso argumento é que esse processo derivou diretamente das políticas públicas da cultura e do turismo implementadas em Fortaleza e no Ceará, cujas estratégias foram de interiorização da cultura e de valorização da natureza.

A Secretaria Estadual de Cultura do Estado do Ceará, criada em 1966, absorveu o Setor de Turismo, antes ligado à Secretaria de Educação17. Ao ser criada em 1971, a Empresa Cearense de Turismo (Emcetur) acolhe as políticas gerais do governo militar implementadas nas diversas instâncias que são a interiorização e a popularização, sendo essa entendida como a criação de uma indústria cultural. São essas diretrizes adotadas no plano estadual que concorrem efetivamente para a descentralização dos festejos carnavalescos da capital, com sua disseminação no interior do estado18. Ao longo da década, o carnaval foi um dos principais vetores da interiorização e da popularização da cultura buscados pela Secretaria de Cultura. Nos anos 80, a Emcetur atuou diretamente no carnaval,

carnaval” (O Povo, 04/02/1978, p. 13); “Fuga para o interior” (O Povo, 04/03/1984, p. 1); “A busca de Deus dos que fogem do carnaval” (O Povo, 09/02/1986, p. 9); “A fuga para as praias” (O Povo, 02/02/1989, Suplemento roteiro Carnaval, p. 2 e 3).

16 “Não do prefeito e alto do custo de vida mataram o carnaval de rua de 1963” (O Povo,

27/02/1963, p. 1); “Carnaval de rua já morreu” (O Povo, 13/02/1975, p. 5); “O carnaval morreu, mas está vivo na alma do povo” (O Povo, 04/03/2000, p. 7A).

17 As instituições agregadas à Secretaria de Cultura foram o Arquivo Público Estadual, o Museu

Histórico e Antropológico do Ceará, a Biblioteca Pública, o Teatro José de Alencar, a Casa de Juvenal Galeno, que se encontravam em estado deplorável (BARBALHO, 1998, p. 108).

18 Em 1970, Ernando Uchoa Lima, que fora Secretário de Cultura do Município (1966-1969),

assumiu a Secretaria Estadual de Cultura, cargo que ocupou até 1979. Suas metas de trabalho, calcadas na política cultural do Governo Central, foram a popularização e interiorização da cultura. Para efetivá-las, ele implementou as “Jornadas Culturais”, levando a “cultura da capital” para o interior do estado.

ratificando as metas de interiorização e de popularização do carnaval no Ceará19.

Com isso, o governo eximia-se de apoiar as expressões culturais que não estivessem ligadas de um modo sistêmico à ação do Estado, isto é, às suas próprias instituições, o que correspondia a toda ação cultural de origem independente, quer fosse de origem popular ou erudita. O caráter autoritário e conservador inerente às políticas de cultura tinha como pressuposto a ausência de cultura nas populações carentes, que poderiam assumir o papel de consumidores da cultura produzida na esfera erudita, justamente a que se articulava em torno das instituições governamentais da cultura. Os setores populares não eram reconhecidos como produtores de cultura, nem foram incentivados a sê-lo 20.

As “Jornadas Culturais” foram o mais importante programa de atuação da Secretaria de Cultura em toda a década de 1970. Com essa estratégia, o governo estadual operava de forma coordenada às instâncias do poder nacional e local21.

É mister sublinharmos que o carnaval de rua em Fortaleza permanecia ausente dos registros de intelectuais sobre as festividades populares e folclóricas na cidade. O livro “Estudos de Folclore Cearense”

19 A dominação político-institucional emanada da esfera estatal de técnicos, administradores e

planejadores subsumia a organização social aos imperativos do desenvolvimento econômico. A Secretaria de Cultura do Estado do Ceará subordinava-se ao governo federal pela dependência financeira para efetivar seus projetos, articulada ao Ministério da Educação e da Cultura – MEC – e ao Conselho Federal de Cultura. O caráter sistêmico e subordinado das políticas estaduais de cultura no Ceará aos interesses de desenvolvimento econômico social foi admitido por D’Alva Stella ao afirmar que o plano implementado na política cultural do governo estadual da gestão de Uchoa Lima (1970-1979) “não foi elaborado pelos intelectuais ligados ao Conselho (Estadual de Cultural - CEC), mas por um grupo de técnicos que não consulta o CEC, inclusive como determina a lei que regulamenta a Secretaria de Cultura” (Barbalho, 1994, p. 129). Isso explica por que a maioria das proposições emanadas do Conselho Estadual de Cultura de 1966 a 1976 não foram efetivadas, com algumas pequenas exceções, como reconhece Nobre (1979).

20 As "Jornadas Culturais" eram caravanas de artistas que saíam da capital para as cidades do

interior, onde faziam apresentações em eventos organizados pelas prefeituras locais. Elas funcionavam como um pacote de eventos baseado em intelectuais e artistas de Fortaleza, que levavam artes plásticas, música (coral), balé, teatro, dentre outras, para as cidades do interior. As "Jornadas Culturais" foram por ele criadas em 1966, como Secretário Municipal de Cultura, e continuaram em sua gestão estadual durante a década de 1970 (Barbalho, 1998).

21 No governo de Adauto Bezerra (1975-1979), Uchoa Lima permaneceu na Secretaria de

Cultura, continuando sua política de ‘irradiação cultural’ junto às classes populares e estimulando o folclore.

(1960) de Eduardo Campos, escritor, teatrólogo, intelectual, que ocupava cargos importantes nas instâncias da comunicação, não traz referência ao carnaval. O Conselho Estadual de Cultura, em sua primeira década de funcionamento (1966-1976), não registrou em suas atas nenhum parecer ou proposição sobre o tema (NOBRE, 1979).

Enquanto o poder público da capital se mantém ineficaz e vacilante no apoio ao carnaval de rua, as prefeituras de dezenas de municípios interioranos cearenses se engajaram em sua promoção e alcançaram resultados insuspeitos. A conseqüência principal disso foi a perda por parte de Fortaleza da dominância carnavalesca no estado para cidades do interior, consumada na década de 1980. A persistência do fenômeno, nas décadas seguintes indica que ele não é casual e que as estratégias antípodas da prefeitura da capital e as do interior têm de fato o caráter de complementaridade.

Como identificou Dantas (2000), na configuração de uma Política Nacional de Turismo e sua implementação em nível estadual e municipal iniciada na década de 1970, Fortaleza assumiu o papel de centro receptor e distribuidor de fluxos de turistas em escala regional e nacional, sendo que, a partir de meados da década de 1980, tais fluxos destinaram-se, majoritariamente, às zonas de praia (Dantas, 2004).

No Ceará, a primeira referência ao turismo num plano de governo ocorreu em 1971, no Plano de Governo do Estado do Ceará – PLAGEC, de César Cals de Oliveira Filho, que criou a Empresa Cearense de Turismo S/A – Emcetur22 (CORIOLANO, 1998). Nesse Plano, foram feitas referências ao potencial turístico do estado, mas o PLAGEC admitia as deficiências de infra- estrutura e de suporte ao turismo como também a incapacidade gerencial do Estado para implementar seus próprios objetivos.

Em 1975, o governo Adauto Bezerra defendeu o “relevante papel desempenhado pelo turismo” no país e, em especial, no Nordeste. “Nesse plano, a atividade turística assumia um papel integrador do Estado, no sentido de sua viabilização em termos de conjunto” e também no sentido de

“possibilitar o acesso às praias, notadamente, àquelas fora da área metropolitana de Fortaleza, construindo e melhorando rodovias” (CORIOLANO, 1998). Nessa década, a interiorização e a valorização das zonas de praia pelo veraneio e, em menor escala, pelo turismo23, refletiu-se diretamente na descentralização dos festejos carnavalescos da capital.

A segunda gestão do coronel Virgílio Távora à frente do executivo estadual (1979-1982) atribuiu muito destaque ao turismo. Seu 1º Plano Integrado de Desenvolvimento Turístico do Estado do Ceará (PIDT – I) direcionou o turismo para fora da capital, facilitando sua interiorização, verificando-se que o litoral não se apresentava até então como área-piloto (Coriolano, 1998, p. 64). Em âmbito regional, as políticas de turismo propugnavam a integração de roteiros turísticos estaduais e interestaduais graças à rede dos transportes. Isso se materializou com a criação dos fluxos de turistas para as cidades litorâneas, que promoveram o “carnaval praiano”, e com o fluxo de elite destinado aos “redutos do carnaval” (Recife, Salvador).

O governo de Gonzaga Mota (1983-1986) adentra na trilha de gestões anteriores ao implementar o Plano de Interiorização do Turismo. Como principal evento desse plano, em 1984, a EMCETUR promoveu o carnaval em Paracuru e em Guaramiranga. No calendário de eventos da entidade, os destaque do mês de março foram para “as festas populares de carnaval nos clubes de Fortaleza, e as atrações de Aracati, Paracuru e praias respectivas”24. Isso evidencia a “concorrência desleal” entre o preterido carnaval público do desfile das agremiações de rua em Fortaleza e o carnaval das cidades interioranas e praianas do Ceará e até os festejos em clubes privados, reconhecidos como eventos de interesse turístico.

Em relação ao carnaval de Fortaleza, nesse período, ocorre uma dilatação do calendário festivo pela realização de atividades pré-carnavalescas que se somam ao tríduo momesco. Em termos das práticas, o carnaval de rua,

23 A incorporação de vilas e cidades litorâneas adjacentes a Fortaleza, como a Praia do Icaraí,

Praia do Cumbuco, em Caucaia, e a Praia do Iguape, em Aquiraz, à malha urbana do estado e a construção de residências secundárias foram estimuladas pelo crescente mercado imobiliário como mecanismo de conquista da paz e da tranqüilidade perdidas com a acelerada urbanização de Fortaleza.

que até a década de 1970 teve como atividade principal o desfile das agremiações tradicionais, passa a ser criticado como o “carnaval exibição”, sendo relegado ao ostracismo por parte das autoridades públicas, da imprensa e do empresariado. Emerge em contraposição o pré-carnaval com duas tendências: a transição das festividades de classe média dos clubes para as ruas, efetivada mediante a criação das bandas carnavalescas das classes médias, tendo como principal desafio a busca de financiamento; e o pré- carnaval promovido pelos dois maiores sistemas de comunicação da cidade, interessados na difusão do “carnaval-participação” com os trios elétricos, realizando festas nos bairros da orla marítima, sendo o evento de maior circulação de turistas, como também nos dos segmentos populares nas periferias urbanas. Os investimentos públicos e privados voltaram-se para a difusão do “carnaval-participação”, levando os trios elétricos para a capital, o interior e o litoral do estado. O desfile das agremiações, criticado por restringir o consumo e a geração de lucro dos setores industriais, comerciais e de serviços do estado, permaneceu como uma manifestação minoritária, mas encarnando a tradição do carnaval de rua da capital. Curiosamente, apesar do crescimento quantitativo e da diversificação formal das comemorações de rua, cunhou-se nessa década o mito (negativo) de que Fortaleza não tinha carnaval. Como discutiremos adiante, essa formulação assumiu uma funcionalidade específica, pois, de fato, o carnaval da cidade continuou crescendo.

O papel geopolítico atribuído a Fortaleza nos planos de interiorização desencadeou, potencializou e canalizou os fluxos populacionais dentro do território cearense. O carnaval foi usado como argumento promocional das metas de integração econômica da capital às demais cidades do estado com vistas à interiorização do turismo, o que reforçou a integração vertical entre capital e sertão, como também configurou uma nova espacialidade horizontal, isto é, a integração da capital ao restante do litoral do estado. A integração à economia nacional e a ligação com o restante do país e com o exterior já se colocava como meta a ser desenvolvida mediante iniciativas públicas e privadas.

Identificamos uma correlação entre as transformações no carnaval de Fortaleza e o relativo desprestígio das atividades tradicionais

(clubes e ruas) em proveito da formação do mercado turístico no Ceará. As políticas de interiorização e de criação de uma indústria cultural e de ampliação do lazer, como o veraneio, o turismo no Ceará, a expansão da especulação imobiliária em direção ao litoral, concorreram para a descentralização dos festejos da capital nas décadas de 1970 e 1980 e para a ampliação do período festivo carnavalesco na capital do estado nas décadas de 1980 e 1990 com a criação do pré-carnaval e de uma micareta.

Desse modo, identificamos três fases de articulação do carnaval com as políticas públicas de turismo no Ceará:

A emergência do turismo emissivo a partir dos anos 70, em consonância com a descentralização dos festejos da capital e a interiorização da cultura, durante o período carnavalesco assumiu dois perfis: o primeiro direcionou-se aos segmentos de elite que aderiram às ofertas de viagens para os “redutos” do carnaval “autêntico”, como passaram a ser divulgadas as cidades do Recife25, Salvador e Rio de Janeiro; o segundo envolveu as classes médias e populares com o estímulo ao turismo estadual (Cf. Capítulo 4)26.

A inserção de Fortaleza como centro receptor – e não apenas emissor – de fluxos de turistas nos anos 80, contrabalançou a tendência consolidada no período anterior, marcando também a integração do Ceará na economia regional e nacional. Em relação ao carnaval de Fortaleza, nesse período ocorre uma dilatação do calendário festivo com a realização de atividades pré-carnavalescas que se somam ao tríduo momesco.

Na “era Jereissati’27, o turismo foi alçado, juntamente com a indústria, ao patamar de atividade propulsora do desenvolvimento econômico no estado. As políticas públicas de turismo, articuladas às do setor privado, buscaram integrar a oferta turística local ao mercado internacional. Para isso, adotaram a política de guerra fiscal, visando atrair investimentos nacionais e

25 “A patota cearense que foi a Pernambuco curtiu o Carnaval em Olinda [...] que é o melhor

Carnaval de Pernambuco” (11/02/1978, p. 2)6.

26 “A indústria turística contribui para a colonização de diversos territórios e sociedades,

ampliando significativamente as fronteiras do planeta.” (MOLINA, 2003, p. 25)

27 A “era Jereissati” é definida como o ciclo de poder instituído no Ceará com a ascensão de

Tasso Jereissati ao Governo do Estado em 1987, no qual permaneceu por três gestões, indicando o seu sucessor após o seu primeiro mandato, ciclo este caracterizado pela gestão empresarial das contas públicas (ARRUDA; PARENTE, 2002).

estrangeiros e estratégias de especialização do turismo do estado, reforçando a imagem da capital como “cidade do sol”28.

Nessa fase, a ênfase no discurso da modernização teve como corolário a rejeição aos aspectos tradicionais da sociedade local, iniciada com uma conotação política, contra os coronéis, e estendida às atividades econômicas tradicionais, como a agricultura e pesca de subsistência, bem como às atividades culturais de cunho tradicional e popular, como o desfile de agremiações carnavalescas e as festividades juninas, em favor do estabelecimento de uma identidade etnocêntrica associada à natureza. No plano cultural, os investimentos direcionaram-se para a criação de uma indústria ligada ao audiovisual.

No turismo, o governo estadual adotou uma estratégia mercadológica com perspectiva global que elegeu a “natureza”, definida no binômio sol e praia, como a “vantagem competitiva” do Ceará no mercado turístico internacional29. Nesse período, efetiva-se a transformação da imagem tradicional de Fortaleza e do Ceará para uma imagem moderna e a reestruturação produtiva no estado. A política estadual de turismo implicou a remodelação do mercado das festas em Fortaleza. A cidade reconquistou o domínio festivo no estado, com o surgimento das festas comerciais e com a realização das festas comerciais do “carnaval-participação”, que foram o pré- carnaval dos blocos de trio e a micareta de julho, o Fortal. Esses eventos ampliaram a temporada festiva no estado, conjugada à dominância do carnaval litorâneo.

Essas novas tradições festivas foram consolidadas pela indústria

do turismo, mas também são parte de políticas públicas de modernização cultural, cujas influências sobre o carnaval em Fortaleza analisaremos nas páginas seguintes.

28 É curioso constatar como o título de uma das mais famosas utopias concebidas pelo

pensamento ocidental, “A cidade do sol”, escrita por Tommasso Campanella em 1602, transformou-se quatro séculos depois num lema institucional capaz de conviver com a degradação da vida social que marca a metrópole de Fortaleza. A história de uma utopia vivida como farsa.

29 A “vantagem comparativa” relaciona-se ao custo de produtos, enquanto a “vantagem

competitiva” é representada pelos fatores locais atrelados ao conhecimento, à especialização, aos relacionamentos e à motivação criados continuamente (THOMAZI, 2006: 20-21).

3.2.2 Indústria cultural e turismo na “Era Jereissati”

Na década de 1980, a precariedade do sistema cultural no Ceará herdada dos “governos dos coronéis” caracterizou-se pela dilapidação do patrimônio público, a destruição do patrimônio histórico em Fortaleza, a desativação de instituições voltadas às artes e a falta de verbas para a realização de eventos tradicionais como as festas juninas. A produção artística no Ceará era a menor dentre a dos estados do Nordeste, com o menor número de pessoas dedicadas às artes, segundo pesquisa realizada pelo MEC (BARBALHO, 2005, p. 54).

Ao assumir o governo estadual em 1987, Tasso Jereissati retomou o projeto de modernização da cultura, no sentido clássico de criação de uma indústria cultural, mediante a realização de grandes eventos e a instalação de um Complexo Industrial de Produções Cinematográficas e Audiovisuais do Nordeste. O projeto, iniciado na gestão de Violeta Arrais, prosseguiu nas gestões de Paulo Linhares à frente da Secult (1993-1998) (Barbalho, 2005).

Linhares destacou-se na defesa da transformação cultural do Ceará, voltada para a implantação de uma indústria cultural, pois, para ele, a cultura no Ceará precisava incorporar as novas significações do mundo contemporâneo, como o estreitamento de suas relações com o mercado, no que diz respeito às fontes de financiamento, sistemas de produção e de canais de distribuição.

Na avaliação de Paulo Linhares, o Ceará é um “estado de colonização recente e de pouca tradição”, o que justificaria a característica antropológica do povo cearense como “errante” e “bem humorado”, sintetizada na expressão “Ceará moleque”30. Não tendo raízes culturais fortemente fincadas num passado histórico, o cearense aceitaria com mais facilidade a criação de uma indústria cultural. Como o Ceará não possui também tradição

30 Silva (2003, p. 17-38) identifica a expressão “Ceará moleque” com o sentido pejorativo,

cunhado nas ruas, em referência aos desocupados e vagabundos que ocupam as ruas. No carnaval de 1945, “cada bloco era acompanhado por um grande número de garotos a vaiá-lo” (O Povo, 14/02/1945).

no setor cinematográfico, a proposta de criação do pólo de cinema justificava- se nas vantagens naturais do Ceará, como a iluminação o ano todo e a diversidade de paisagens (Barbalho, 2005: 189). Aos seus críticos que o acusavam de megalomania e de falta de atenção à cultura cearense, ele respondia admitindo não ter ele próprio grande ligação com o passado e, segundo interpretava, isso era característica do cearense. Afirmou ele: “Nós não temos um passado colonial de glórias para ficarmos falando disso indefinidamente. A gente é muito mais solto (sic), mais livre” (BARBALHO, 2005, p. 99). Depreende-se que sua concepção pessoal foi projetada para todo o Ceará.

Para potencializar os efeitos desejados de criação de uma imagem governamental positiva e abafar as polêmicas suscitadas na sociedade local por suas ações, a Secretaria de Cultura adotou o padrão midiático publicitário. Os eventos promovidos pela Secult tiveram cobertura jornalística e campanhas publicitárias sistemáticas, transformando a Secretaria na que mais utilizou recursos para isso e, em conseqüência, foi a que conquistou maior visibilidade (Barbalho, 2005, p. 66 e 85).

O pólo de cinema foi apoiado pela mídia local como instrumento de fortalecimento da indústria turística, mas, para o cineasta Eusélio Oliveira, “o cinema cearense não estaria lucrando nada com o ‘apadrinhamento’ da Secult. O único beneficiado pelo pólo seria o produtor Luiz Carlos Barreto” (BARBALHO, 2005, p. 197)31.

A defesa da indústria cultural no Ceará na Era Jereissati implicou