• Nenhum resultado encontrado

Lipsey, Howell, Kelly, Chapman e Carver (2010) propõem que as duas metas das políticas públicas na área devem ser proteger a sociedade e propiciar mudanças nas trajetórias de vida dos jovens violentos e, com isso, na trajetória da conduta violenta que risca se desenvolver. Diferentes autores sugerem que essa meta só pode ser alcançada se houver integração entre os diferentes serviços públicos e privados e listam um conjunto de componentes necessários a um sistema colaborativo entre os serviços, a serem contemplados para reduzir os riscos e aumentar a proteção (Baker-Henningham & Bóo, 2010; Komatsu, Costa & Bazon, 2018; Lipsey et al., 2010):

Uma primeira linha de políticas públicas deve visar promoção do desenvolvimento integral e prevenção de problemas de comportamento desde os primeiros anos de vida (Hughes & Enzor, 2010; Komatsu, Costa e Bazon, 2018). Como explicado no capítulo dois, experiências prévias são levadas adiante no processo de desenvolvimento humano, impactando de forma positiva ou negativa as fases seguintes. Portanto, aquisições satisfatórias na infância facilitam aquisições na adolescência. De modo contrário, déficits e traumas na infância produzem dificuldades de adaptação psicossocial na adolescência, que podem ser levadas à vida adulta, mediante falta de ajuda / de apoio, produzindo uma série de prejuízos em diferentes áreas da vida. Nesse sentido, faz-se necessário capacitar as famílias a fornecerem monitoramento, apoio e estimulação adequados a seus filhos. Essa psicoeducação

poderia ocorrer, inicialmente, de modo relativamente informal, em contexto de acompanhamento pós-parto ou nas oportunidades criadas pelas primeiras vacinações, por exemplo, tal qual se faz com relação a outros temas da área da saúde. Por exemplo, o estudo de Wendland-Carro, Piccinini e Millar (1999) mostrou que um grupo de mães que assistiram a um vídeo curto sobre a importância da interação entre mãe e bebê mostrou-se mais responsivos às necessidades do filho, um mês após o vídeo, comparado a um grupo de mães que assistiram outro vídeo não relacionado. Assim, mesmo intervenções simples/curtas podem produzir efeitos positivos e duradouros no comportamento dos pais.

É importante também que haja instituições sociais voltadas à oferta de apoio no cuidado/educação das crianças, como creches e brinquedotecas, a todo cuidador que precise e/ou queira. Sem embargo, é necessário que essas instituições contem com profissionais capacitados e com estrutura adequada para fomentar o desenvolvimento e a socialização das crianças. Os profissionais necessitam entender o seu papel e a importância da estimulação nessa etapa da vida. As atividades a oferecer devem, por exemplo, serem significativas em relação ao desenvolvimento das funções executivas. A revisão de Benson e Sabbagh (2017) mostra que a estimulação por meio da interação social nessa etapa é crucial para o desenvolvimento das funções executivas, em função da qual a criança desenvolve, entre outras habilidades, a capacidade de se colocar no lugar do outro, elemento importante para a proteção à agressividade reiterada e, com isso, às condutas violentas em etapas posteriores da vida. É preciso também que haja programas de capacitação aos profissionais em contexto escolar, para que possam identificar precocemente crianças em situação que ameaçam o seu desenvolvimento, experienciando maus-tratos, abusos e negligência, ou outras práticas parentais negativas, de modo possam intervir adequadamente junto à família ou acionar rapidamente serviços mais especializados.

Uma segunda linhagem de políticas públicas deve focalizar o apoio e a capacitação das famílias para fornecerem monitoramento, estimulação e suporte a seus filhos (Bernier, St- Laurent, Matte-Gagné, Milot, Hammond & Carpendale, 2017). O acompanhamento das famílias deve ser contínuo, visto que as diferentes fases desenvolvimentais da criança e do adolescente são muito particulares e requerem competências especificas para a oferta de cuidados específicos. Programas de capacitação podem ser fornecidos em âmbito comunitário ou escolar, facilitando também a troca de experiências com outros pais/cuidadores, sempre guiados e assessorados por profissional capacitado. Entre as habilidades importantes a serem desenvolvidas estão: monitoramento não coercitivo; educação consistente e coerente; apoio

emocional e social; técnicas de autocontrole (para si mesmos e para ensinar aos filhos); reconhecimento das necessidades do filho e dos melhores momentos para intervir (por exemplo, programas de intervenção (Cano, 2015) mostram que é ineficaz tentar intervir quando o adolescentes está em estado de raiva – justamente o momento em que muitos pais creem ser necessário intervir).

Uma terceira linha consiste em identificar infratores persistentes e violentos e prover enquadramento institucional adequado, mediante falha de medidas em meio aberto (Lipsey et al., 2010; Seifert, 2012). Sabe-se que o fracasso em medidas judiciais/socioeducativas anteriores consiste em um forte preditor para a violência. Nesse sentido, o melhor a ser feito é identificar indivíduos nessa situação e alocá-los em instituições com programas bem elaborados, com capacidade de ofertar tratamentos específicos para a delinquência persistente e violenta e promover reinserção. No Brasil, esse procedimento ocorre por meio da aplicação de medida de internação. Essas instituições certamente contemplam, ao menos temporariamente, a primeira meta de Lipsey e colegas (proteger a sociedade); mas há dúvidas de que contemplem satisfatoriamente a segunda (promover mudanças na trajetória das condutas). Para que isso ocorra é necessário que desenvolvam e implementem programas específicos para a reabilitação de infratores violentos – que transcendam objetivos meramente ocupacionais e/ou visando sua empregabilidade – com vistas ao seu desenvolvimento psicológico, no plano da empatia, da moralidade, do autocontrole e da autorregulação, e outras capacitações específicas relacionadas às necessidades psicossociais dos adolescentes. Concomitantemente, é preciso que os pais/cuidadores desses jovens sejam capacitados para recebê-los no ambiente de origem, na transição do meio fechado para o meio aberto. Nesse sentido, é preciso ressaltar que da mesma forma que o comportamento violento surge em função de múltiplos determinantes, a intervenção também deve focar múltiplos domínios (indivíduo, família, escola).

A quarta linhagem de políticas públicas na área consiste em capacitar profissionais de diferentes instituições que lidam com adolescentes/jovens a identificar problemas relacionados à saúde mental e ao abuso de substâncias psicoativas. Estima-se que mais da metade dos infratores do Sistema de Justiça Juvenil possuam problemas de saúde mental ou de uso de substâncias (Bono, Komatsu & Bazon, 2019; Justice Policy Institute, 2009). Familiares, educadores, profissionais da saúde e da assistência social devem estar aptos a identificar problemas dessa natureza e acionar os serviços especializados para essas problemáticas. Adicionalmente, é necessário serviços especializados para tratar os

adolescentes/os jovens em conflito com a lei que possuem alguma dessas problemáticas, em comorbidade com a delinquência persistente. Partindo da premissa de que cada adolescente infrator deve receber uma medida, um tratamento personalizado, condizente com suas condições e necessidades específicas, no caso de adolescentes com transtornos mentais ou apresentando um uso problemático de substâncias, esse princípio deve ser levado ainda mais à risca, pois essas condições impõe um tratamento e um manejo específico (Morgan et al., 2012).

Em síntese, as políticas públicas devem focalizar a redução de fatores de risco e a promoção de fatores protetores (1) na infância e (2) na adolescência, (3) estabelecer condições específicas de tratamento para infratores crônicos e violentos e (4) considerar as condições específicas de saúde mental, disponibilizando a estrutura e os recursos adequados para tratar essa natureza de problema.