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O termo avaliação de risco de violência (ARV) se refere a uma estimativa de risco, atuarial (probabilística) ou descritiva (indicativa de um nível como, por exemplo, baixo, moderado ou alto), de um indivíduo, em um futuro próximo, envolver-se em uma situação violenta – agir de modo violento. Em um sentido mais amplo, o termo também pode se referir a todo o processo que envolve uma avaliação de risco em contexto forense: 1. Atribuir um nível de risco a um indivíduo; 2. Identificar os principais fatores que contribuem para o risco; 3. Identificar estratégias para diminuir ou manejar o risco; 4. Comunicar as informações anteriores aos tomadores de decisão (Mills, Kroner & Morgan, 2012, p. 16-17). A avaliação de risco também pode ser aplicada para estimar o nível de risco não de pessoas, mas de

contextos, pela qual se afere o risco de violência em determinada situação, levando-se em conta fatores que têm sido estudados no campo da Criminologia Ambiental (Cullen & Kulig, 2018; Engelhardt & Bartholow, 2013; Frost & Nowak, 2014; Guedes, Moreira, Teixeira & Cardoso, 2018; Welsh, Bader, & Evans, 2013).

A ARV possui duas principais funções: proteger a sociedade e proteger o indivíduo (Lipsey, Howell, Kelly, Chapman & Carver, 2010). A primeira consiste em evitar que a violência cause danos humanos e materiais, identificando situações de alto risco e promovendo ações que possam reduzir ou anular esse risco. Nesse caso, a avaliação de risco é realizada em termos contextuais, podendo levar em consideração aspectos urbanos e ambientais (como o fato de um bairro ter pouca iluminação), situacionais (como um dia de jogo de futebol entre equipes rivais) ou relacionais (como um casal com histórico de relacionamento conflituoso). Em dias de festividade religiosa, por exemplo, as autoridades de vários países se colocam em alerta para ataques terroristas por ser um período em que aumentam os riscos desse tipo de violência.

Nesse plano, há também as avaliações de risco realizadas em contexto judiciário/forense, no qual um infrator passa por uma avaliação para que sejam tomadas decisões quanto à medida judicial a que deve ser submetido ou, no caso de infratores em regime de privação de liberdade, decisões relativas à questão de quando poderá ser posto em liberdade novamente. Essas seriam a ARV a nível individual. Nesses casos, indivíduos avaliados como apresentando risco elevado para cometer atos violentos devem passar por tratamentos que diminuam os riscos, de modo a serem reintegrados e viverem livremente em sociedade.

A segunda função da ARV consiste em evitar que o próprio indivíduo agressor sofra as consequências legais, relacionais e desenvolvimentais de praticar um ato violento, por meio de práticas de prevenção primária e secundária junto a indivíduos considerados sob risco elevado. Em termos legais, o infrator poderá sofrer sanções embasadas unicamente na gravidade do ato, desconsiderando suas características e necessidades individuais, o que pode produzir efeitos adversos para o seu desenvolvimento, para além dos conhecidos efeitos negativos inerente à rotulação, que aumentam a probabilidade de voltar a infracionar (Bernburg, Krohn & Rivera, 2006; Farrington, 1977; Farrington & Murray, 2014; Komatsu & Bazon, 2016). Em termos relacionais, um ato violento pode fragilizar ou mesmo romper as relações do infrator com figuras pró-sociais, como quando o ato ocorre no âmbito familiar (Acero, 2016). E em termos desenvolvimentais, uma importante consequência de praticar uma violência são as alterações neuroquímicas e neuroestruturais que ocorrem no sistema nervoso

do próprio agressor, que facilitam a naturalização da conduta violenta, ou seja, contribuem para aumentar a probabilidade de reincidência em ações violentas. Ademais, indivíduos que se implicam em atos violentos acabam se expondo a maiores riscos, como sugere o estudo de Paul e Piquero (2008) que encontrou que infratores persistentes morrem mais frequentemente por causas não naturais, como acidentes de trânsito, homicídios e suicídios, que infratores esporádicos, em contexto estadunidense, e o estudo de Lindberg, Miettunen, Heiskala e Kaltiala-Heino (2017) que verificou que a incidência de morte prematura é duas vezes maior em infratores violentos, se comparados a infratores não violentos, em contexto finlandês. Dessa forma, a avaliação de risco apresenta-se como um procedimento que pode ajudar a identificar potenciais problemas que podem ser evitados, salvaguardando indivíduos e sociedade.

Embora a ARV possa e deva ser, preferencialmente, baseada em instrumentos estruturados, baseados no amplo e consistente conhecimento já existente sobre os principais fatores de risco e de proteção, há muito que se avançar no âmbito profissional. À título de exemplo, destaca-se o trabalho de Tolman e Mullendore (2003), no qual fizeram um levantamento junto a psicólogos clínicos no estado de Michigan e encontraram que 9% consideram-se psicólogos forenses, embora 53% deles já tivessem conduzido uma avaliação de risco, cujo resultado foi utilizado em procedimentos legais; e 45% já tivessem feito uma avaliação com o propósito de subsidiar decisões concernindo sentenças criminais. Em todos os casos, a maioria referiu não ter lançado mão de instrumentos específicos de avaliação de risco. Adicionalmente, Lally (2003) fornece evidências de que a preferência por instrumentos não específicos ocorre mesmo entre profissionais com especialização na área forense. Não obstante os grandes avanços teóricos e metodológicos no contexto da avaliação de risco, muitos profissionais seguem atuando de forma “intuitiva”, como antigamente. Tal constatação é preocupante na medida em que a avaliação de risco traz impactos importantes para a sociedade e para a o indivíduo avaliado.

É verdade que a ARV tem sido pauta de constantes debates. Embora os estudos mostrem que as ferramentas estruturadas de avaliação de risco possuem melhor acurácia que a avaliação clínica de especialistas (Borum, 2001; Rice, 2005), há críticas em relação ao efeito estigmatizador que esse tipo de avaliação pode produzir e também dúvidas quanto à capacidade dessas ferramentas de considerar a plasticidade do desenvolvimento dos jovens e à acurácia dos instrumentos (Campbell, 2003; Monahan & Skeem, 2016). Essas críticas são legítimas e relevantes, mas a resposta a elas é bastante simples: sem o uso de procedimentos estruturados e sistemáticos para a avaliação de risco esses pontos críticos continuam existindo

e, talvez, de forma ainda mais aguda. Por exemplo, no estudo de Hilton e Simmons (2001), em contexto forense, foi verificado que a opinião clínica do profissional responsável pelos casos era o que mais influenciava na decisão dos tribunais em deter prisioneiros em segurança máxima ou transferi-los. Um aspecto curioso desse estudo é que a opinião clínica dos profissionais responsáveis não se correlacionou com os escores do Violence Risk Appraisal Guide (VRAG) – instrumento de avaliação de risco com base em estudos empíricos, que estava disponível a esses profissionais – mas esteve correlacionada a outras variáveis aparentemente irrelevantes para a questão, como o uso de medicamento psicotrópico e a atratividade física do paciente. Assim, fica claro que abandonar o uso de procedimentos estruturados de ARV não sanam suas limitações. Como observado por Large e Nielssen (2017), as formas de avaliação não estruturadas carecem de transparência, são muito vulneráveis a vieses cognitivos e depositam toda sua credibilidade na experiência e expertise do clínico.

Posto isso, pode-se dizer que toda autoridade judicial ou técnico forense realiza, em alguma medida, uma “avaliação de risco” para tomar suas decisões. A diferença entre as avaliações consiste no procedimento e nos materiais empregados pelos profissionais, podendo variar da mera intuição ou do uso de técnicas e instrumentos pouco robustos ao uso das ferramentas e protocolos mais atualizados e confluentes com as evidências empíricas de estudos científicos da área. O uso da ARV estruturada, com base em instrumentos, favorece ao beneficiário por tornar o processo de avaliação mais transparente, de modo que as decisões em âmbito institucional passam a ter maior legitimidade na medida em que suas justificativas são mais claras e racionais. Do ponto de vista do beneficiário, a ARV pode ajudá-lo a identificar aspectos deficitários que, se desenvolvidos, podem promover mudanças positivas significativas em sua vida social. Nesse sentido, a ARV deve ser entendida como uma ferramenta que busca melhorar as condições das pessoas, seja com a possibilidade de “abrandar” a pena/medida, conceder benefícios/progressões em âmbito institucional ou ajudá- las a se compreender melhor. Em sentido oposto, a ARV não deve ser utilizada para rotular indivíduos (enfatizar aspectos estáticos/imutáveis), nem para aumentar ou endurecer a pena/medida mais do que já está previsto em lei.

3.2. A evolução dos procedimentos de avaliação de risco de violência